sábado, março 05, 2011

FERNANDO VELOSO

O milagre chinês
FERNANDO VELOSO
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/03/11
A estratégia de crescimento que funcionou na China pode certamente funcionar no Brasil

DESDE 1978, a economia chinesa tem tido um crescimento médio anual superior a 10%. Na literatura de crescimento econômico, denominam-se "milagres" as experiências de crescimento sustentado a taxas elevadas.
O desempenho extraordinário da China justifica a sua inclusão no grupo dos "milagres", que inclui, entre outros países, o Japão no pós-Guerra e os tigres asiáticos (Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong e Taiwan) desde a década de 1960.
Um livro, "Interpreting China"s Economy", lançado no ano passado pelo economista Gregory Chow, dá uma contribuição importante para o debate sobre as causas do milagre econômico chinês.
Chow é professor emérito da Universidade de Princeton e tem sido um dos principais conselheiros econômicos do governo chinês nos últimos 30 anos. Segundo Chow, três fatores foram fundamentais para o milagre chinês.
Primeiro, o fato de a China estar num estágio inicial de seu processo de desenvolvimento permitiu que o país tivesse um rápido crescimento através da adoção de tecnologias dos países desenvolvidos. Em particular, o investimento direto estrangeiro na China teve papel importante na transferência de tecnologia e métodos modernos de gestão para as empresas chinesas.
No entanto, a distância em relação à fronteira tecnológica não é suficiente para assegurar o crescimento, como evidenciado por vários países pobres que permanecem com a renda estagnada. Nesse sentido, o segundo fator decisivo para o sucesso chinês foi a criação de instituições de mercado através da liberalização econômica iniciada por Deng Xiaoping em 1978.
O processo de convergência para uma economia de mercado tem sido gradual e bem-sucedido na criação de incentivos adequados para a busca da eficiência econômica.
Um exemplo dessa estratégia de desenvolvimento foi a criação das "Township and Village Enterprises" (TVEs) no início da década de 1980.
As TVEs são empresas controladas em parceria pela iniciativa privada e pelos governos locais. Diante da ausência, na época, de mecanismos legais de proteção da propriedade privada, as TVEs representaram uma forma indireta de assegurar proteção ao empreendedor privado, à medida que as receitas dos governos locais passaram a depender do sucesso dos empreendimentos privados.
Desde o início da década de 1990, houve uma elevação gradativa da proteção legal à propriedade privada, culminando, em 2004, na promulgação de uma emenda constitucional que estabeleceu a inviolabilidade da propriedade privada obtida de forma legal. Em consequência, a parcela da força de trabalho empregada nas empresas privadas domésticas elevou-se de 4% em 1998 para 56% em 2007.
A distância em relação à fronteira tecnológica representou uma oportunidade e as instituições de mercado criaram os incentivos para aproveitá-la. Para completar o modelo, era necessário ter a capacidade de absorver a tecnologia importada e de criar novos produtos através de atividades empreendedoras.
Nesse sentido, o terceiro fator crucial foi a existência de capital humano de elevada qualidade.
Os resultados divulgados recentemente do "Programme for International Student Assessment" (Pisa), que avaliou o desempenho de estudantes de 15 anos de idade de 65 países em 2009, mostraram que Xangai, a maior cidade chinesa, aparece em primeiro lugar no ranking dos exames de proficiência em leitura, matemática e ciências.
Embora Xangai não seja representativa da China, seus resultados foram impressionantes, superando os países ricos da OCDE por larga margem em todos os exames.
Alguns aspectos da experiência chinesa são difíceis de replicar, como o atraso relativo da China no início das reformas capitalistas e o valor elevado da educação na cultura chinesa.
No entanto, uma estratégia de crescimento baseada na adoção de tecnologias avançadas, desenvolvimento de instituições de mercado e investimentos na qualidade da educação funcionou na China e em outros países asiáticos, e certamente também pode funcionar no Brasil.
FERNANDO VELOSO, 43, economista e professor do Ibmec/RJ

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