quarta-feira, março 02, 2011

Dr. MARCO SOBREIRA

DOUTOR, FOI A PRIMEIRA E ÚLTIMA VEZ...

Dr. MARCO SOBREIRA


Setembro de 1976, ao chegar para meu primeiro dia de trabalho, constatei desolado que na Unidade Sanitária de Atílio Vivácqua – ES não tinha praticamente nada. Um consultório, secretaria, gabinete odontológico, pequena farmácia que também servia de depósito, banheiro, cômodo com uma grande pia que servia de cozinha e um corredor, essa seria a unidade de saúde que trabalharia por longos anos. De equipamentos mesmo, um aparelho de pressão, otoscópio, balanças de adultos e de crianças, um estojo com material para pequenas cirurgias, uma estufa e uma geladeira no corredor. No consultório uma mesa de ferro com 3 gavetas, duas cadeiras, armário de vidro e uma maca.

Após as boas vindas das três funcionárias e do colega dentista, um cafezinho completou a recepção. Sentei no consultório, respirei fundo e um pensamento me invadiu; “O que vim fazer aqui?” Confesso que tive vontade de ir embora, mas a varanda já lotada de pacientes impediu qualquer possibilidade de desistir.

Após atender todos os pacientes fui fazer um levantamento mais detalhado dos recursos a minha disposição, revirar o depósito e procurar o que mais poderia me ser útil. Não tinha laboratório, isso me obrigou a clinicar sem exames, a não ser que o paciente se dispusesse a viajar até Cachoeiro de Itapemirim a 30 km de distância, em uma péssima estrada sem asfalto, o que na prática significava que um simples hemograma (exame de sangue básico) levaria uma semana, nada promissor.

Para minha surpresa descobri entre um amontoado de caixas, um microscópio bi-ocular novinho, nunca usado, fui tomado de grande alegria pois pelo menos exames de fezes e de escarro para pesquisa do bacilo da tuberculose ( na verdade o motivo do microscópio) poderíamos realizar. Solicitei e fui atendido na contratação de um técnico que me foi muito útil. Transformamos a improvisada cozinha num pequeno laboratório que na verdade dentro de muito pouco tempo só serviria para a busca da tuberculose.

Mais animado, já tinha providenciado minha mudança para a cidade, via aumentar todos os dias o número de pacientes e resolvi fazer uma campanha para realização de grande quantidade de exame de fezes, principalmente na população rural, pois a grande quantidade de crianças “barrigudas” , anêmicas , desnutridas e com diarréias freqüentes me preocupava, daí a vontade de descobrir as verminoses mais conhecidas no Município. Convenci o técnico a me acompanhar nesse mutirão e comecei a pedir os exames, principalmente da turma do interior..

Foi assim que atendi o Sr. Argemiro, trabalhador da lavoura de café, pai de sete filhos entre um e doze anos. Morador de um alto de serra, usava água de nascente e tinha vindo pedir um lumbrigueiro para as crianças , o que repetia todos os anos, um hábito muito comum no interior do Brasil. Pacientemente expliquei a necessidade de fazer o exame das crianças , o que foi aceito com alguma dificuldade pelo lavrador. Na época não dispúnhamos ainda de potes plásticos para a coleta e ficava a cargo da criatividade de cada um, o recipiente para acondicionar as fezes.

Passado alguns dias, chegando para o trabalho encontro o Sr. Argemiro à minha espera , e antes mesmo que entrasse na Unidade se dirigiu a mim,

Bom dia doutor, trouxe o que o senhor me pediu, mas foi a primeira e última vez que faço exame de fezes naquela molecada, o senhor não imagina o trabalhão que deu pra fazer aqueles pestinhas “cagar” nessa lata.

Não segurei um ataque de risos ao ver uma lata de banha de uns dois litros lotada com as fezes de toda a família!!!

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