sábado, março 26, 2011

ANTONIO MACHADO

Mina de vaidades
ANTONIO MACHADO

CORREIO BRAZILIENSE - 26/03/11

A mudança de comando da Vale — potência avaliada em quase US$ 200 bilhões, a 2ª no ranking mundial das mineradoras, 1ª em minério de ferro, maior exportadora nacional, com presença em 36 países, 115 mil funcionários, com ferrovias, portos e navios próprios, ações nas bolsas de São Paulo, Nova York, Madri, Paris e Hong Kong — é notícia quente no Brasil e na imprensa econômica internacional.

A saída do executivo Roger Agnelli depois de 10 anos presidindo essa ex-estatal privatizada em 1997, no entanto, está nas páginas do noticiário político no Brasil, não de negócios, como se a troca de guarda no mundo corporativo fosse um acontecimento incomum. Ela ainda não se consumou. Mas é dada como certa durante a assembleia geral dos acionistas da empresa, marcada para 19 de abril.

A mistura de vaidade e deslumbramento com interferências externas mal encaminhadas pela governança de uma empresa operacionalmente bem-sucedida, com lucro recorde de R$ 30,1 bilhões e receita de R$ 85,3 bilhões no ano passado, só menor que as da Petrobras, faz da substituição de Agnelli parecer uma trama com interesses escusos.

Ele está sob observação desde o fim de 2008, ao se indispor com o então presidente Lula por questões de decisões administrativas e de estratégia de investimento. Mas balançou e não caiu, sendo esse um ponto do imbróglio entre Agnelli e o governo pouco considerado.

No início de janeiro passado, atingido por outra onda de rumores, dando a sua demissão como iminente por vontade da presidente Dilma Rousseff, ele pediu e recebeu uma carta da Valepar — a holding dos sócios controladores da Vale —, negando que estivesse em pauta sua substituição. A leitura, à época, foi clara, embora ignorada pela maioria dos observadores. Tal carta trazia o recado do desconforto dos acionistas com o assédio do governo sobre a direção da Vale.

Mais que apoio ao presidente executivo da empresa, os sócios que subscrevem o acordo de acionistas da Vale, entre os quais a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil (à frente do grupo de fundos de pensão de empresas estatais que possui o grosso das ações com direito a voto), defendiam o princípio de que a empresa é privada.

Os fatos e as versões
Essa é toda a questão. Como empresa detentora de grandes reservas de minérios, como na área de Carajás, no Pará, e maior exportadora brasileira, é legítimo ao governo discutir com os acionistas a sua estratégia de investimentos. A Vale, como a Petrobras, é quase um enclave, tal o seu tamanho dentro da economia. Mas aceitar que o governo influencie a sua gerência implica a reestatização de fato, embora não de direito. Agnelli tirou proveito desse conflito.

Os fatos esclarecem as versões. Agnelli, ex-diretor do Bradesco, um dos sócios da Valepar, sempre geriu a Vale com muita autonomia. E isso apesar de BNDES e Previ terem 67,6% das ações da Valepar, contra 17,4% do Bradesco e 15% da trading japonesa Mitsui — bloco que forma o acordo de acionistas que assegura o controle da Vale.

O defeito de origem
Essa autonomia veio dos resultados que sua diretoria entregou aos acionistas representados no Conselho de Administração, sublimando o defeito de origem de sua estrutura de controle. Qual? A presença maciça da Previ, secundada pelo BNDES, no controle do capital da mineradora. Isso criou a percepção no governo Lula de que ela não seria bem uma empresa privada, mas paraestatal. É aí que pegou.

Enquanto esteve alinhado aos interesses dos sócios, dando-lhes lucros avantajados com a estratégia de investir para tornar a Vale a maior do mundo em minério de ferro, vendendo para siderúrgicas da China, Japão, Coreia do Sul, além de fazer grandes aquisições no exterior, tudo lhe sorriu. Agnelli tinha a confiança dos donos.

A orientação de Dilma
De executivo incensado pelos políticos, frequentador do gabinete de Lula, capa de revistas de negócios, a “inimigo” do governo, tudo foi rápido depois da grande crise externa no fim de 2008. Lula foi à TV pedir ao consumidor para não parar de comprar — a crise seria uma “marolinha” —, enquanto Agnelli demitia 1,3 mil funcionários.

Lula ficou agastado, passou a exigir da Vale a exportação de aço e não minério bruto. Agnelli reagiu aumentando o lucro, e com uma campanha publicitária, tomada pelo PT como resposta a Lula, em que a Vale aparecia como campeã nacional. Enfim, o vaso rachou.

A autonomia da Vale está em causa, mas Dilma, ainda em dezembro, definiu que fosse qual fosse o encaminhamento dos sócios da Vale o governo não deveria interferir na escolha do sucessor de Agnelli. É isso. A Vale é importante demais para ser submetida a caprichos.

Governança dos fundos
Nas entrelinhas dessa discussão, o status da Vale como empresa privada pesa mais que as razões de Agnelli — deslumbrado com os holofotes sem entender o que o rodeia. Ou entende, mas não atribui relevância ao substrato em jogo: a mudança do sistema de decisões consensuais entre os fundos de pensão e o governo.

Essa é uma parte, mas não o todo. Os fundos estão pressionados a investir em projetos de infraestrutura de baixo retorno, como Belo Monte, sem garantia de subsídio à taxa atuarial que tem de buscar.

Não é só a Vale, portanto, a discussão, mas outras tratadas com pouca transparência. A Vale, um sucesso empresarial, nada tem a ver com isso. Se ela mudar, será para conservar a sua essência. 

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