quarta-feira, março 23, 2011

ANTONIO DELFIM NETO

Inflação
ANTONIO DELFIM NETO

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/03/11

Os bancos centrais têm duas missões. A mais fundamental é manter a higidez do sistema financeiro.
A experiência histórica (confirmada na recente crise mundial) mostra que, quando se estabelece qualquer dúvida sobre a sua solidez, o circuito econômico é imediatamente interrompido.
Com relação a essa missão, o Banco Central do Brasil tem tido um enorme sucesso com as medidas prudenciais tomadas desde o Proes e o Proer, ambos da década de 90. A segunda missão é a de controlar a taxa de inflação por meio de manobras da taxa de juro real com operações no mercado.
Trata-se de tarefa difícil, devido à complexidade e à multiplicidade dos canais pelos quais se transmitem as pressões inflacionárias e à precariedade de suposta "teoria monetária" que até pouco tempo ignorava o papel do crédito.
Agora que o futuro já é passado, podemos concluir que os bancos centrais do mundo (o do Brasil é uma exceção) cumpriram muito mal a sua primeira missão (estabilizar o sistema financeiro).
Com relação à segunda, temos agora no Brasil pressões inflacionárias internas e externas que não são facilmente separáveis e identificáveis.
Entre o quarto trimestre de 2005 e seu homólogo de 2010, o PIB cresceu à média de 4,4% ao ano, a formação bruta de capital, de 9,4%, com uma taxa de inflação de 4,7%.
Nos três anos imediatamente antes da crise (segundo trimestre de 2005 a segundo trimestre de 2008), o PIB cresceu a 5% ao ano, a formação bruta de capital foi de 12,7% e a inflação foi de 4,4%.
Nos dois anos da crise (terceiro trimestre de 2008 a terceiro trimestre de 2010), o PIB cresceu à taxa de 2,4%, a formação bruta de capital, a 2,5%, e a inflação foi de 4,5%.
As fantásticas taxas do PIB de 9,3% e 9,2% registradas no primeiro e segundo trimestres de 2010 e a taxa anual de 7,5% são artifícios estatísticos. O PIB só voltou ao nível anterior à crise no quarto trimestre de 2009. Em 2010, o PIB cresceu 5%, a formação bruta de capital, 12,2%, e a inflação, 5,9%.
O fato, porém, é que a expectativa de inflação deteriorou-se e a taxa de inflação distanciou-se da meta (4,5%) por motivos não muito claros.
Há razão para suspeitar que a imensa indexação institucional que persiste e a mudança da qualidade da demanda (serviços não transacionáveis), resultado da própria política redistributiva, mais do que o seu "excesso" global, seja, algumas das causas da pressão de inflação interna. A outra vem da alta dos preços internacionais de nossa exportação primária, que já não pode ser compensada pela valorização do dólar. Isso justifica as políticas fiscal e monetária (principalmente o uso de antigos instrumentos) e o cuidado do BC na dosagem do combate à inflação.

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