quarta-feira, fevereiro 02, 2011

ELIO GASPARI

A Espanha deporta? Deportemos
ELIO GASPARI
O GLOBO - 02/02/11 
Nunca é demais repetir: ao tempo em que os europeus exportavam sua gente para outras terras, a Espanha mandou para o BRASIL perto de um milhão de imigrantes. (A Itália mandou 1,5 milhão.) Passou o tempo, e a polícia espanhola continua perseguindo brasileiros que desembarcam em Madri. Há três anos, uma física que estava a caminho de um congresso em Lisboa foi detida por 53 horas e embarcada de volta. Há poucos dias, Denise Severo, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília, foi detida por quinze horas pela meganha do aeroporto de Barajas e deportada. Retornou sem a bagagem.
Denise Severo botou seu trombone na internet:

"Havia cerca de 10 pessoas presas nesta situação e todas elas eram latinas e/ou negros da África!!! Ou seja, é xenofobia pura!!!! Mas xenofobia contra latinos e negros!!!! Puro preconceito!!! (...) Vou recorrer ao Itamaraty, vou fazer uma queixa oficial na Embaixada da Espanha no BRASIL, vou à Secretaria de Política para Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, vou a todos os órgãos que puder para lutar contra esta arbitrariedade!!!"

A brasileira informa que tinha consigo a comprovação de emprego, emitida pelo MINISTÉRIO DACULTURA, passagem de ida e volta, reserva de hotel (em nome de uma amiga, que chegara em outro voo, informação confirmada pelo estabelecimento) e até cópia da escritura de sua casa. Isso tudo e mais o cartão Travelmoney do Banco do BRASIL, bem como os comprovantes da transação dos euros necessários para custear a viagem.

O embaixador da Espanha em Brasília, Carlos Alonso Zaldivar, pode procurar no arquivo alguns casos anteriores e verá que sua turma só mudou (um pouco) o tratamento dado aos brasileiros depois que a Polícia Federal, em muito boa hora, começou a deportar seus patrícios. Em março de 2008 foram devolvidos oito, com os mesmos argumentos oferecidos aos brasileiros em Madri.

Infelizmente, as dificuldades econômicas da Europa estão estimulando a busca de empregos no além-mar. Nessa hora, Pindorama volta a ser um porto seguro. Recentemente, diplomatas de diversos países procuraram o Ministério do Trabalho para discutir uma política de concessão de vistos de serviço para seus cidadãos. Bem que o ministro Carlos Lupi poderia discutir esses pleitos mostrando uma tabelinha de deportações arbitrárias impostas a brasileiros em cada país europeu.

Há brasileiros e brasileiras presos na Espanha por prostituição, tráfico de drogas, sequestros-relâmpago e falsificação de documentos. Problema deles, que violaram as leis locais. O ano de 2010 terminou com 163 espanhóis encarcerados no BRASIL, 52 a mais do que em 2009. A má conduta de uns não permite que os outros sejam tratados como suspeitos. Ademais, a preferência da meganha pela deportação de mulheres jovens revela que é a polícia espanhola quem tem um problema na cabeça, não suas vítimas.

Em pelo menos um caso de exercício da xenofobia, um governo europeu recuou quando soube que o BRASIL estava disposto a discutir uma agenda ampla, negociando inclusive a suspensão da reciprocidade da isenção de vistos de turista. Seria o caso de o chanceler Antonio Patriota perguntar ao embaixador Zaldivar se o seu governo pretende mudar as regras do jogo.

Um comentário:

  1. Barajas é aqui

    As boas almas se solidarizam com a última vítima da truculência espanhola.
    Mas é fácil politizar o sofrimento dos brasileiros no aeroporto de Barajas, jogando a culpa na submissão do Itamaraty. Embora fosse uma atitude correta e urgente do governo brasileiro, a reciprocidade não resolveria o problema. Nossas autoridades jamais teriam coragem de tratar estrangeiros da maneira como somos tratados em seus países, e tampouco espalhariam igual número de violências.
    Centenas de brasileiros são maltratadas anualmente por leões-de-chácara espanhóis na Guantánamo dos turistas sul-americanos. A imprensa divulga apenas os casos mais gritantes, e olhe lá. O escandaloso caso de Guinga, por exemplo, sumiu da pauta.
    Esse silêncio é subvencionado pelas agências de viagens, ricas anunciantes da mídia corporativa, que não querem admitir a seus clientes que eles podem perder as economias e passar humilhações porque um idiota fardado não foi com a sua fuça. Quando a turma começar a desprezar pacotes e ofertas que envolvam empresas aéreas espanholas, uma luzinha amarela acenderá na xenofobia (machista) dos civilizados europeus.
    Mas, claro, continua mais cômodo fingir que as vítimas fizeram por merecer ou deram um bruto azar, coitadas. Se os painhos fizeram, é porque precisava, certo? Até que acontece com a gente e ninguém dá mesmo nenhuma bola.

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

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