quarta-feira, fevereiro 23, 2011

CRISTIANO ROMERO

Monopólio postal: um debate necessário
CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO - 23/02/11

O governo Dilma Rousseff deu sinais de que pretende melhorar a governança da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), reparando sua imagem, abalada por escândalos de corrupção nos últimos anos, aumentando a eficiência e tornando-a mais lucrativa. O momento é uma ótima oportunidade para debater os monopólios da estatal, a introdução de competição em alguns segmentos do negócio postal e a necessidade ou não de universalização de alguns serviços.

A ECT detém hoje o monopólio de entrega de cartas, telegramas, cartões-postais e da chamada "correspondência agrupada" (malotes de documentos remetidos a empresas que contenham pelo menos um objeto enquadrado no conceito de monopólio). A exclusividade é usada pelo governo para permitir o subsídio cruzado entre diferentes regiões e, em tese, assegurar a universalização de determinados serviços.

O preço de uma correspondência enviada de Campinas (SP) a São Paulo - distantes menos de 100 Km uma da outra, na região mais densamente povoada do país - é praticamente o mesmo de outra enviada entre duas cidades remotas na região Norte. Os custos das duas operações são, evidentemente, distintos - o do segundo exemplo é muito maior.

A tarifa cobrada numa carta enviada entre dois bairros do Rio ou de São Paulo subsidia a correspondência entre áreas distantes do país. "A renda obtida nas áreas mais populosas e ricas é usada para financiar a prestação do serviço, a preços módicos, em áreas menos densamente populosas e de menor poder aquisitivo. Assim, o monopólio seria justificado pela necessidade de universalizar determinados serviços providos pelos Correios", diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre).

Se o governo permitisse a competição no segmento de cartas simples, as empresas que entrassem no negócio optariam pelas áreas mais lucrativas. Isso faria a ECT perder receita, o que inviabilizaria uma das fontes de financiamento da universalização. Outro argumento usado em defesa do subsídio cruzado remete à integração geográfica do país. Sem o subsídio e num ambiente de competição entre os prestadores do serviço, regiões afastadas dos grandes centros tenderiam a ficar isoladas.

Schymura acredita, porém, que seria perfeitamente possível, a partir de um modelo bem montado com concessão ao setor privado e quebra de monopólio, montar um modelo que ao mesmo tempo atendesse aos objetivos do governo de integração nacional e subvenção social e ainda gerasse ganhos de eficiência econômica. Ele reconhece, no entanto, que é extremamente difícil, do ponto de vista político, falar em privatização nos tempos atuais, "ainda mais se há a necessidade de manter determinados subsídios".

O tema não é um tabu apenas no Brasil. Nos países europeus, prevalece o modelo monopolista estatal, com subsídios cruzados para os principais serviços postais. Apesar disso, o governo brasileiro deveria avaliar a utilidade de universalização de alguns serviços.

Avanços tecnológicos, como a internet, o e-mail e as redes sociais, estão revolucionando a comunicação e, possivelmente, tornando obsoletos alguns serviços mantidos por subsídios cruzados. Hoje em dia, por exemplo, é raro alguém enviar ou receber telegramas.

Quando o governo privatizou o Sistema Telebrás, em 1998, obrigou as empresas a se comprometerem com a expansão do número de telefones públicos. O objetivo era forçar a universalização do atendimento. O desenvolvimento espetacular e de certa forma inesperado da telefonia celular nos anos seguintes tornou, no entanto, desnecessária a exigência do cumprimento daquela obrigação.

Atualmente, há 205,7 milhões de terminais de telefone celular no Brasil. A própria telefonia fixa, que cresceu nos primeiros anos pós-privatização, estagnou diante do boom do mercado de celulares. Ao perceber essa realidade, o governo Lula negociou com as companhias telefônicas a troca do compromisso de instalação de "orelhões" pela implantação de serviços de banda larga em escolas públicas. Foi uma excelente ideia.

O governo pode definir, agora, que serviços postais pretende manter universalizados e, em seguida, abrir para a competição os segmentos não contemplados por esse critério. Uma operação que, certamente, precisa ser revista é a correspondência de empresas concessionárias de serviços públicos, como energia, gás e água.

A tecnologia já permite que essas empresas emitam e imprimam as contas dos usuários no local em que é feita a medição do consumo. Do ponto de vista tecnológico, não há mais razão para o envio das contas pelos Correios. A legislação diz, todavia, que essa atividade é exclusiva da ECT.

Schymura, que trata do tema na Carta do Ibre que deve ser divulgada hoje, ressalva que o fim desse monopólio precisa ter uma salvaguarda - a proibição de que as empresas remetam contas pela ECT. "Caso contrário", diz ele, "as empresas poderiam fazer a entrega das contas apenas nas localidades em que lhes é conveniente (lucrativa), delegando aos Correios a atribuição de prover o serviço em regiões cuja rentabilidade não é adequada."

O fato é que é possível e desejável rediscutir os monopólios dos Correios, resguardando seus objetivos precípuos (a serem definidos pelo governo), além de sua sustentabilidade econômico-financeira, mas procurando aumentar a eficiência. O novo presidente da ECT, Wagner Pinheiro, pretende aumentar, por exemplo, a agressividade da estatal no segmento de encomendas, que já está sujeito a concorrência e responde por apenas 30% das receitas da empresa.

"No momento em que o debate sobre a qualidade do gasto e da gestão pública cresce de importância, avaliar a adequação e a eficiência de cada peça da máquina estatal é indispensável. Definido o grupo de serviços postais que serão universalizados, o governo deveria tentar introduzir a competição, e consequentemente maior eficiência, nas áreas dos Correios não contempladas naquela política", diz o diretor do Ibre.

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