quarta-feira, fevereiro 02, 2011

CLÁUDIO SALES

Os reguladores sob ameaça
Cláudio Sales 
O Estado de S. Paulo - 02/02/2011

Muitos cidadãos que circulam por Brasília já devem ter se deparado com políticos que se dizem "defensores do consumidor", mas que, na prática, vivem em busca de temas de apelo popular para construir plataformas eleitorais, a despeito da verdade.

Uma das linhas de ação preferidas por esses congressistas é a intervenção intempestiva e midiática em processos formais como a definição de tarifas, um desafio técnico que não reserva espaço a amadores, mas que tem sido alvo do oportunismo político.

Um exemplo recente é a ameaça de alguns parlamentares de encaminhamento de ação ao Ministério Público contra os gestores da Aneel por supostas irregularidades na cobrança de tarifas elétricas entre 2002 e 2009.

Trata-se de uma ação inútil e destrutiva, pois a decisão já foi tomada, não será revertida. Seria a ação motivada por ressentimentos pessoais e para gerar constrangimentos e corroer a força institucional do regulador? Seria essa uma tentativa de alterar as decisões da agência por meio de pressão direta e personalizada sobre os diretores da Aneel? As decisões do regulador devem ser baseadas em leis e contratos e precisam ser imunes a "clamores" oportunistas.

Em relação ao passado, a Aneel não cometeu nenhuma irregularidade. A metodologia que definiu as tarifas entre 2002 e 2009 seguiu leis, normas e contratos. O próprio TCU atesta que não houve "descumprimento de dispositivos legais ou de regras inerentes aos contratos de concessão (Acórdão 1268/2010).

Sobre o presente e o futuro, a não neutralidade do tratamento dos encargos tarifários já foi contemplada por meio de aditivos aos contratos de concessão propostos pela agência, acatados pelas distribuidoras de eletricidade.

Difícil interpretar a motivação dessa iniciativa tão errada quando os deputados federais têm duas oportunidades concretas de defender o consumidor. Basta vetar duas iniciativas destruidoras de valor que partiram do governo federal.

A primeira oportunidade é a rejeição da prorrogação do encargo tarifário Reserva Global de Reversão (RGR), encaminhada pelo artigo 16 da Medida Provisória n.º 517. A prorrogação por 25 anos, proposta pelo governo no dia 31 de dezembro de 2010 (dia em que o encargo deveria ter sido extinto), surgiu sem discussão prévia ou alguma justificativa.

Se o Congresso impedir a prorrogação da RGR, o consumidor economizará R$ 40 bilhões. O benefício para os brasileiros será imediato e gerará um impacto muito maior do que a questão da neutralidade dos encargos tarifários, que tem sido abordada de forma tão equivocada por alguns parlamentares.

A segunda oportunidade preciosa de defender o consumidor é a rejeição da proposta do governo de aumento de uma parcela que compõe o generoso pacote de benefícios financeiros que a Usina Hidrelétrica de Itaipu já oferece ao Paraguai. Se esse aumento sem justificativas for aprovado pelo Congresso, lá se vão outros R$ 5 bilhões do consumidor ou contribuinte brasileiro.

E ainda há parlamentares que, na ausência de elementos racionais, têm defendido o aumento ao Paraguai dizendo que o "valor representa muito pouco para o Brasil". Uma afronta à verdade e um desrespeito aos milhões de brasileiros que vivem em Estados como Pernambuco e Alagoas, com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) inferior ao do Paraguai. Alguns deputados e outros "patriotas" precisam lembrar que foram eleitos para defender interesses do Brasil, e não os dos outros países.

Portanto, com a simples rejeição de duas iniciativas do governo federal, o Congresso poderá economizar R$ 45 bilhões dos consumidores e contribuintes brasileiros (R$ 40 bilhões do episódio RGR e R$ 5 bilhões do episódio Itaipu).

Com números tão claros, essa é a hora de observar quais parlamentares se movem pelos interesses dos consumidores e quais estão apenas interessados em ações oportunistas e eleitorais.

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