sexta-feira, fevereiro 18, 2011

BARBARA GANCIA

Berlusconismo em comum
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/02/11

Ao duvidar da capacidade da Justiça italiana, Silvio Berlusconi age como o Brasil no caso Cesare Battisti


SEMPRE TIVE a impressão de que alguém deve ter ouvido errado e que, na verdade, general De Gaulle se referia à Itália, e não ao Brasil, quando veio com aquela história, se é que veio mesmo, de não sermos um país sério.
A Itália é um caos. Seus trens correm sempre com atraso. Qualquer papel oficial precisa de um selo estúpido que custa dinheiro e só é encontrado em pequenos comércios familiares que estão sempre de portas fechadas.
Um estranho ranço barroco-venezuelano ronda a TV estatal que nos faz ter a impressão de que o concurso de Miss Universo está eternamente prestes a entrar no ar.
Os homens na rua têm o péssimo hábito de beliscar bumbum e há ainda o inconveniente de que todo o mundo fala muito e grita muito no seu ouvido, coisa que esta tapuia com sangue 100% Made in Italy correndo nas veias, torcedora do Santos e da Juve em partes idênticas, considera intolerável, senão absolutamente repugnante, e não consegue entender como alguém ousa imitá-la tão rudemente sem nem ao menos se oferecer para pagar royalties.
Mas, a despeito de todas as coisas sobre a Itália que me irritam profundamente -e que geralmente me fisgam pela orelha logo na saída do aeroporto de Malpensa ou Fiumicino-, é bom tratarmos de usar este espaço aqui hoje, como fez o escritor e filósofo Umberto Eco em Milão há poucos dias, para defender a honra da Itália.
Atente, tapuia sem qualquer intimidade com a cultura de Dante, Petrarca, D'Annunzio, Raffaello, Bernini, Verdi, Pucci, Fiorucci e Ferragamo, para o que disse Eco em seu pronunciamento público: "Pode parecer, mas a Itália não é um país de proxenetas, nem todos os italianos, se tivessem muito dinheiro, fariam o mesmo que Berlusconi".
É bom esclarecer logo essa confusão: a época das orgias de Tibério, Calígula e companhia vai distante. A satiríase de Silvio Berlusconi, sua sexualidade mórbida, seu priapismo mental devem ser encarados com piedade -até mesmo entre fãs desse tipo de riscado, não é verdade, Bill Clinton? Antonio Palocci?
E o país também não se presta à embromação por parte de pseudo-mártires da liberdade que atiram em inocentes pelas costas.
Vamos deixar claro que não há uma Itália cindida, que coloca uma maioria de fascistas libertinos ao lado de Berlusconi e, contrapondo-se a eles, uma minoria idealista que defende Cesare Battisti.
A bem da verdade, a Itália nunca votou em peso em Berlusconi. O sistema eleitoral italiano é tão intricado (de que nacionalidade é mesmo esse sistema?) que garantiu a ele a presidência do Conselho (cargo ocupado pelo premiê) com, no máximo, algo em torno de 30% dos votos. E, hoje em dia, diante da promiscuidade entre público, púbico e privado, queria ver, desses 30%, o que lhe sobrou de apoio real.
Umberto Eco percebeu uma sutileza notável: o governo brasileiro e Berlusconi têm mais em comum do que ambos imaginam.
Analise: quando nega a extradição a Cesare Battisti, o Brasil não está questionando a capacidade da Justiça italiana, que condenou o terrorista em todas as instâncias? Isso não é o mesmo que dizer que a Itália cometeu um erro e que, no fim das contas, a justiça estará melhor servida se o criminoso ficar aqui?
Pois então. Ao duvidar da capacidade do Estado italiano, o Brasil faz o mesmo movimento que Berlusconi, agora que ele também deu para questionar a isenção de quem o está chamando para depor.

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