quinta-feira, fevereiro 24, 2011

ALON FEUERWERKER

Um caderninho precioso
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 24/02/11
Por que estou aqui escrevendo sobre uma apostila eleitoral de quase quatro décadas atrás? Porque talvez nunca desde então uma oposição tenha aberto a legislatura tão enfraquecida

Resgatei uma preciosidade da estante, a apostila "MDB em ação nos comícios de rádio e televisão". Foi a cartilha distribuída aos candidatos do então Movimento Democrático Brasileiro na preparação da campanha eleitoral de 1974.

Já faz algum tempo, então é bom explicar. O Brasil vivia uma ditadura meio jabuticaba, com Parlamento aberto e eleições periódicas, mas com a esquerda proscrita. As regras eleitorais e partidárias eram rígidas e na prática só permitiam dois partidos.

O do governo era a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que havia vencido com folga a eleição de 1970. Fora beneficiada pelo milagre econômico, pela repressão e também por um detalhe: parte da esquerda votava nulo, ou branco, no auge das ilusões armadas.

A apostila tem a lista dos então dirigentes do MDB. Se cada um tem o direito de escolher seus heróis, eu escolho aqueles homens e mulheres que, no meio da loucura geral, resolveram que o melhor mesmo para a volta da democracia era mobilizar pacificamente, aproximar-se da sociedade, construir diretórios partidários e disputar eleições.

Minha modesta homenagem a eles.

Olhei a lista e vi ali pelo menos dois que ainda estão na ativa.

Os deputados Henrique Alves (RN) e Waldomiro Teixeira (RJ), que depois virou "Miro" e hoje é do PDT. O atual líder do PMDB continua na Câmara dos Deputados ininterruptamente desde lá. O pedetista ficou quatro anos fora, foi candidato a governador do Rio pelo PMDB em 1982, perdeu para Leonel Brizola (PDT) e depois voltou ao Congresso para ficar.

Mas por que estou aqui escrevendo sobre uma apostila eleitoral de quase quatro décadas? Porque talvez nunca desde então uma oposição tenha aberto a legislatura tão enfraquecida.

Você lê a apostila e percebe o imenso esforço intelectual e organizativo que aqueles abnegados estavam dispostos a fazer para entrar em contato com os desejos mais profundos da sociedade, mesmo diante do apoio maciço que o regime recebia de um país que crescia e, para o senso comum, avançava.

A história subsequente é sabida. Vieram os problemas, como o primeiro choque do petróleo e a inflação. Mas mesmo assim o governo do presidente Ernesto Geisel confiava que venceria a eleição de 1974. Perdeu, e tão feio que deixou escapar o número necessário para promover legalmente reformas constitucionais.

Ali morreu o sonho situacionista de institucionalizar uma democracia manietada.

O governo acabou tendo que usar o AI-5 (Ato Institucional número 5) para fechar o Congresso Nacional em 1977, para mudar as regras e garantir mais sobrevida ao regime. Garantiu alguma prorrogação, mas só adiou o desfecho.

Heranças
Ontem concluiu-se o debate sobre o salário mínimo. Algumas perguntas ficaram sem resposta.

Uma já foi feita aqui, mas não custa repetir. Se o governo não pode pagar agora um centavo além dos R$ 545, como poderá, responsavelmente, pagar R$ 620 daqui a menos de um ano? Um reajuste de 14%. Oito pontos percentuais acima da inflação.

A receita crescerá tanto assim daqui até lá? Claro que não. Então o governo tem dinheiro, mas quer usar de outro jeito.

Outra pergunta. Se a herança de Luiz Inácio Lula da Silva é melhor do que a deixada por Fernando Henrique Cardoso, por que Lula pôde dar aumento real ao salário mínimo em 2003 e Dilma Rousseff não pode dar agora em 2011?

Isso e o corte orçamentário bem maior do que oito anos atrás autorizam a desconfiar de que algo na herança econômica de Lula não é tão cor de rosa assim.

Verdade que o primeiro governo do PT aplicou de cara um aperto monetário bem mais violento do que o atual, mas sempre é bom notar que a inflação agora é um assunto ainda aberto, pois o chamado mercado não parece botar muita fé na austeridade deste governo.

Fuzil ou corda
Acabem como acabarem, as revoltas árabes já deixam pelo menos uma lição.

Líderes mais empenhados no continuísmo do que na construção de instituições democráticas têm enorme chance de levar seus povos à ruína.

Tem gente que deixa para compreender o valor da alternância no poder para quando estiver diante do cano do fuzil ou da corda que vai rodear o próprio pescoço.

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