quarta-feira, fevereiro 16, 2011

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Muito pouco; muito tarde
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
folha de são paulo - 16/02/11
A família em dificuldade quebraria se seu "corte de despesas" implicasse mais gastos, como o do governo

NA SEMANA PASSADA o governo federal anunciou um ajuste fiscal, marcado pela promessa de corte de R$ 50 bilhões em despesas. Parece muito, mas precisamos saber a) se é suficiente e b) se vai acontecer.
A resposta é infelizmente negativa nos dois casos (um desperdício, já que a negativa à segunda pergunta torna a primeira irrelevante, mas, mesmo assim, é importante compreender o porquê) e os motivos para isso devem ficar claros nos próximos parágrafos.
Comecemos por entender o que é realmente o corte anunciado. Uma mente menos afeita à particular forma de apresentação das contas públicas poderia interpretar que, da mesma forma que uma família em dificuldades financeiras reduz seu nível de gasto, o governo estaria disposto a diminuir suas despesas. Não é esse, porém, o caso.
De fato, o corte de R$ 50 bilhões aplica-se às despesas previstas no Orçamento da União para 2011, R$ 769 bilhões, e, posto em prática, traria o gasto federal neste ano para R$ 719 bilhões.
No entanto, como a despesa observada em 2010 ficou ao redor de R$ 657 bilhões, tal "corte" de despesas representa, na verdade, um aumento de R$ 62 bilhões no gasto público federal relativamente ao ano passado.
A família em dificuldades iria certamente à falência caso seu "corte de despesas" implicasse, como no caso do governo federal, aumento de quase 10% nos seus gastos.
Isso dito, como o crescimento do PIB nominal (o crescimento da economia acrescido da inflação) deve ficar em torno de 11%, a despesa federal, medida como proporção do PIB, deve sofrer queda modesta, de 17,9% para 17,7% do PIB.
Será que a redução do gasto, de 0,2 ponto percentual do PIB, será bastante para que o governo possa cumprir sua promessa e gerar um superavit primário de 3% do PIB neste ano? Novamente, à primeira vista, poderia parecer que sim. Visto que o superavit primário em 2010 atingiu 2,8% do PIB, 0,2 ponto do PIB a mais já traria o resultado fiscal para a meta.
Entretanto, como mostrei na minha última coluna, boa parte desse número resulta da criatividade contábil do governo, em particular a operação em torno da capitalização da Petrobras, que permitiu ao Tesouro registrar ganho de quase 1% do PIB, o qual, de resto, não se repetirá neste ano.
Assim, o governo deveria produzir um ajuste fiscal muito superior ao anunciado, caso realmente pretenda atingir a meta fiscal.
Tendo concluído que o corte é insuficiente para atingir a meta que o próprio governo definiu, precisamos saber ainda se ele é possível à luz dos constrangimentos naturais associados à rigidez orçamentária, até mesmo para determinar se há alguma possibilidade de aprofundamento do ajuste que possa nos trazer mais próximos à meta.
Contudo, dos R$ 769 bilhões orçados para 2011, cerca de R$ 550 bilhões representam despesas obrigatórias, com destaque para a folha de pagamento e as aposentadorias, de modo que o universo sujeito a cortes limita-se a cerca de R$ 220 bilhões, o chamado gasto discricionário.
Ainda assim, esse grupo compreende gastos sociais (o Bolsa Família, por exemplo), educação, saúde e os investimentos do PAC, que, segundo o compromisso oficial, seriam preservados dos cortes orçamentários (diga-se, aliás, que restrições legais também impedem a redução dos gastos com saúde relativamente ao PIB).
Caso tais promessas sejam honradas, mesmo a exequibilidade do corte fica ameaçada, pois este recairia sobre um conjunto que, dependendo das estimativas, equivaleria a entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões.
A triste verdade é que, se a política fiscal fosse mesmo "anticíclica", o ajuste deveria ter começado provavelmente ao final de 2009, quando se tornou claro que a recuperação econômica já estava devidamente enraizada.
Agora, depois da farra dos últimos anos, e novos gastos de R$ 85 bilhões em 2010, o ajuste não é só pequeno; é principalmente tardio.

*ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 48, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. 

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