quinta-feira, janeiro 27, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE

Mudanças climáticas na política
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 27/01/11

Crises no DEM e no PSDB e adesões ao governismo são sinais de mudanças mais profunda na política do país


A POSSÍVEL debandada do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e seu grupo para o PMDB e, talvez assim, para a coalizão governista pode vir a ser apenas uma nota de pé de página da história partidária, um acontecimento isolado, mais um movimento passageiro das placas gelatinosas da política brasileira.
Pode ser também a evidência anedótica do desconcerto das forças políticas que não têm participado das vitórias do petismo, forças que por falta de nome melhor a gente vez e outra chama de oposição. Mas pode bem ser um dos vários desdobramentos da reorganização ideológica e partidária posta em marcha nos anos do governo Lula.
Kassab era uma extravagância pefelista, do DEM, plantada exoticamente em São Paulo pelas conveniências de José Serra, do PSDB. O DEM subsiste quase apenas como resquício acidental, marginal e periférico de uma forma de fazer política falecida nos anos 1990, uma sobrevivência do atraso autoritário, de caciques, familismos localizados e heranças de coronéis da ditadura.
No que tinha de mais vivo, o PFL-DEM era agenciador de interessados em se agregar ao poder, mas sem bastante poder para vencer eleições nacionais. Nesse "nicho de mercado", perdeu o lugar para o PMDB, partido que no fim das contas foi capaz de agregar as novas elites regionais do atraso, justamente aqueles grupos que sucederam as oligarquias mais velhas, ligadas à Arena, ao PDS, ao PFL e ao DEM.
Além do caso Kassab, outra evidência anedótica da crise da "oposição" é o fato de políticos como Gabriel Chalita (PSB) terem adotado dupla cidadania -Chalita tem alguma voz no governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e é aliado de Dilma Rousseff. De resto, as lideranças restantes do PSDB comem-se vivas.
Talvez os conchavos, acertos menores e as estratégias de sobrevivência de grupos políticos reflitam uma mudança climática importante e mais duradoura. As mudanças ocorridas no governo Lula, devidas ou não à gestão petista, redundaram em mais do que a mera desmoralização do governo tucano, de FHC. O relativo sucesso econômico e os desastres da ideologia mercadista (devidos à crise de 2007-09) abafaram os reclamos de "reformas" (liberais) até entre as elites interessadas em defendê-las ainda ontem.
A resistência do país à crise, a discreta melhoria social e a manutenção de um nível razoável de estabilidade econômica ajudaram, por outro lado, a reforçar um caminho adotado faz mais de 20 anos no Brasil (na Carta de 1988), de desenvolvimento de um Estado de Bem Estar Social "tropical". Não se trata aqui de discutir a qualidade desse modelo, mas os acontecimentos recentes deram ainda mais sustentação à ideia de um Estado grande e provedor de serviços sociais de caráter universal. Ainda mais importantes, os "sucessos" desse modelo social e suas vitórias políticas deixaram pouco espaço para a oposição reconquistar bases sociais e eleitorais.
Essa mudança climática sociopolítica modificou os nichos ecológicos em que viviam grupos políticos e partidos. Temos visto migrações que parecem movimentos isolados, circunstanciais, de quem pretende melhorar suas chances de sobrevivência. Mas pode bem ser que estejamos assistindo a um processo de extinções em massa e de surgimento de novas espécies políticas.

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