sábado, janeiro 08, 2011

SANDRA CAVALCANTI

A Mega Sena da Virada
SANDRA CAVALCANTI 
O Estado de S.Paulo - 08/01/11

O brasileiro adora uma "fezinha". No bicho, na Loto, na Sena, na Loteca, no bingo, enfim, gosta de tudo em que entre sorte ou azar. A maior banca de jogatina é sempre dos governos. As loterias são a sua especialidade.

O pior é que também na política esse espírito se manifesta. Os rateios são feitos, as cartas são distribuídas, as apostas são altas. O negócio é ter sorte. Torcer para ganhar.

O nosso sistema eleitoral, por exemplo, é uma roleta. Graças ao voto proporcional, que a classe política brasileira insiste em manter, a composição do Congresso Nacional acaba sendo uma divertida rodada. O eleitor escolhe um número e acaba dando outro! Todo jogo é assim. Surpresas, espantos, prêmios para uns, prejuízos certos para os outros.

A Mega Sena da virada do ano, por exemplo, foi uma verdadeira loucura. Pagou o maior prêmio de todos os tempos. Nunca antes se viu uma bolada tão apetitosa! Mais apetitosa do que essa, só na montagem do grupo para comandar o País. Nunca se viu coisa parecida.

O insigne presidente que saiu jamais deixou de fazer suas apostas durante os oito anos em que comandou a banca. A insigne presidente que entrou só agora vai poder revelar sua capacidade de se sentar à mesa do jogo. Quanto aos demais associados do grande cassino do Planalto, sabemos da história de alguns. Muitos dos insignes ficantes são bem conhecidos. E muitos dos insignes chegantes já são velhos habitués das mesas do pôquer brasiliense.

Na verdade, só a insigne presidente entrante, já a postos para receber as cartas, tem um rosto desconhecido. A atitude fria, absolutamente sem transparência, nessa presença inaugural na mesa, não permite deduzir nada.

De uma coisa, porém, estou certa: nunca houve até hoje uma sena como esta! O povo compareceu com milhões de apostadores. Quem vai ganhar, o povo ou a banca?

Resposta difícil. Aliás, as dificuldades já começaram com a dúvida idiota surgida por conta do título da ocupante do Planalto: vai ser presidente ou presidenta? Segundo informam os bajuladores mais próximos, parece que a própria prefere ser chamada de presidenta. Será que assim ela fica mais contenta? Vai ser mais competenta? E, sem dúvida, mais eficienta?

Não sei. Em todo caso, esse estrago inicial contra a última flor do Lácio, inculta e bela, não me surpreende, após os oito anos da inacreditável e dinamitadora gramática do insigne presidente que saiu - se é que saiu...

A vitória do povo só acontecerá se o prêmio desta outra sena da virada trouxer benefícios reais para os apostadores.

O presidente que saiu deixou imensos problemas para a presidente que entrou. Primeiro, ela terá de encaminhar, com coragem e energia, as reformas fundamentais que seu patrono prometeu e não fez.

A mais importante de todas será a que devolver aos eleitores brasileiros o direito de ver suas vontades representadas de forma real. Hoje em dia somos obrigados a eleger, mas não temos nem o poder nem os meios para deseleger!

A segunda reforma, não menos importante, mas talvez mais urgente, recai sobre o sistema tributário. Não dá mais para continuarmos sendo um país sem democracia na área dos impostos. Somos um povo contribuinte, mas não temos um governo retribuinte!

Na área da educação tudo tem de ser revisto. O Estado precisa entender que o povo brasileiro dispensa ser tutelado, como se todas as famílias e as pessoas não tivessem capacidade de dirigir a sua vida, com total liberdade de escolha. A responsabilidade de educar, o direito de educar, isso cabe às famílias e à sociedade. Ao Estado cabe garantir e oferecer os instrumentos, os meios e os recursos. Para isso pagamos altíssimos impostos.

Chega de paternalismo. Chega de maternalismo. Chega de monitoramento político e ideológico. Chega de infantilização. Chega de impor opiniões e comportamentos. Somos uma democracia e queremos ser livres. Não queremos continuar como uma carneirada, tangida por pastores que não escolhemos.

Na área da saúde, por favor, pensem antes de tudo na parte sanitária. Não repitam os erros dos nossos geniais arquitetos, que foram capazes de construir uma nova capital sem rede de esgotos! É vergonhosa a estatística brasileira nessa matéria. Sempre a história de que faltam recursos. A hanseníase ainda está por aí. A tuberculose continua matando. A dengue é um pavor. E a gastroenterite, a leishmaniose, o tifo, enfim. Para onde foram os impostos destinados à saúde? Só para postos de emergências? Só para hospitais? A prioridade, na saúde, é a prevenção. O nome já diz tudo: tem de chegar antes.

Na área administrativa, a mais importante de todas as providências será a proposta de adoção da escala metropolitana de governo. Sem ela a gestão das grandes concentrações urbanas ficará impossível. A escala metropolitana de governo já foi implantada no mundo civilizado há mais de um século! O atraso do Brasil é inacreditável. Em várias partes do planeta a escala metropolitana começa a ser substituída pela escala megalopolitana! As metrópoles expandiram-se tanto que já se misturam, como já se verifica no Vale do Paraíba. Só a Região Metropolitana de São Paulo engloba 39 prefeituras! Tudo desarticulado. Tudo desentrosado. Tudo desperdiçado. Planos e projetos desencontrados, superpostos, conflitantes e competitivos! A mesma coisa no Rio, no Recife, em Belém, em Belo Horizonte, em Salvador, em Porto Alegre... só para citar essas!

Será que a ganhadora da sena política vai enxergar tudo isso? Não sei. Ninguém consegue saber o que essa loteria reserva para nós.

PROFESSORA, JORNALISTA, FOI DEPUTADA FEDERAL CONSTITUINTE, FUNDOU E PRESIDIU O BNH DO GOVERNO CASTELO BRANCO

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