segunda-feira, janeiro 24, 2011

RUY CASTRO

Dias de Grandeza
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/01/11

RIO DE JANEIRO - Não será por falta de solidariedade que a região serrana do Rio voltará a viver grandes dias. Na verdade, já está vivendo.
Sei de pessoas, no Rio e em São Paulo, que, desde as chuvas, não fazem outra coisa senão disparar mensagens, pedir donativos, organizar entregas, controlar postos de arrecadação, divulgar contas para depósitos, denunciar adoções ilegais de crianças, alertar sobre animais abandonados, doar sangue. Enfim, se doar. Isso é grandeza.
Sabe-se de lugares onde os donativos só puderam chegar de helicóptero, com risco para o piloto -efetivamente, um caiu, outro dia-, ou porque voluntários se arriscaram em peregrinações mata adentro. Alguns fizeram esse caminho de volta, trazendo nas costas idosos e doentes. E, assim como há cretinos que desviam as doações para vender, também há famílias que, no limite de resistência, insistem em repartir suas rações com os ainda mais necessitados.
Sabe-se de pessoas que enfrentaram corredeiras de água, pedra e troncos para salvar crianças cujas mães gritavam desesperadas. Outras já podiam ter ido embora dos lugares onde perderam quase tudo, mas preferiram ficar para ajudar vizinhos que perderam tudo. Os dias passam e a possibilidade de achar sobreviventes entre os desaparecidos é mais remota, mas alguns não desistem de escavar.
As pessoas enfrentam o cheiro da morte, que, a esta altura, já não se distingue do que sobrou da vida -ambos se compõem de lama, sangue, flores podres. Os enterros são feitos em sequência por quem, até então, nunca sequer presenciara um. Crianças e jovens estão amadurecendo rapidamente- um dia ali está contando por anos.
O povo da serra e os que chegam de fora para ajudar estão aprendendo lições para o resto da vida. Tomara as autoridades também as aprendessem, pelo menos para o próximo verão. Ou chuva.

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