sábado, janeiro 22, 2011

PAUL KRUGMAN

A China vai a Nixon
Paul Krugman

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/01/11

O país está tentando segurar a inflação com o controle de preços, política que falhou na última vez que foi usada, justamente nos EUA, durante o governo Nixon

Com a visita do presidente chinês Hu Jintao aos Estados Unidos, circulam por toda parte histórias sobre o crescente poderio econômico chinês. E essas histórias são absolutamente verdadeiras. Embora a China ainda seja um país pobre, está crescendo depressa, e tendo em vista seu tamanho, está a caminho de se equiparar aos Estados Unidos como uma superpotência econômica.

O que também é verdade, porém, é que a China está cambaleando para uma confusão monetária que está ficando pior a cada mês. De mais a mais, a resposta do governo chinês ao problema - com a política aparentemente paralisada em deferência a interesses especiais, a falta de clareza intelectual e o recurso à troca de acusações - camufla qualquer noção de que se possa contar com uma ação decisiva e eficaz dos líderes chineses. Aliás, os chineses estão ficando parecidos com, bem..., conosco.

Qual é o perigo disso? As advertências de alguns analistas de que a China poderia desencadear uma crise global parecem exageradas. Mas o fato de haver pessoas dizendo essas coisas é um indício de como a situação parece estar hoje fora de controle.

A causa de fundo do imbróglio chinês é sua política de moeda fraca que está alimentando um superávit comercial artificialmente grande. Como já salientei no passado, essa política prejudica o resto do mundo e faz aumentar o desemprego em muitos outros países, nos Estados Unidos inclusive.

Mas uma política pode ser ruim para nós sem ser boa para a China. De fato, a política monetária chinesa é uma proposta em que todos perdem, simultaneamente, deprimindo o emprego aqui e produzindo uma economia superaquecida, propensa à inflação, na própria China.

Uma maneira de pensar sobre o que está se passando é que a inflação é a maneira que o mercado tem para anular a manipulação monetária. A China está usando uma moeda fraca para manter seus salários e preços baixos em termos de dólares; as forças do mercado reagiram empurrando esses preços e salários para cima, erodindo essa vantagem competitiva artificial.

Algumas estimativas que ouvi sugerem que, com as taxas de inflação correntes, a desvalorização chinesa poderá desaparecer em dois ou três anos - não cedo o bastante, mas mais cedo do que muitos esperavam.

Os líderes chineses estão tentando evitar esse desfecho, contudo, não só para proteger os interesses dos exportadores, mas porque a inflação é mais impopular na China que em outros lugares. Uma grande razão é que a China de fato explora seus cidadãos mediante a repressão financeira (outros tipos também, mas isso não é importante aqui). Os juros sobre depósitos bancários se limitam a meros 2,75%, o que é menos que a taxa de inflação oficial do país - e acredita-se amplamente que a taxa de inflação real da China é substancialmente maior do que o governo admite.

O aumento acelerado dos preços, não obstante compensado por aumentos salariais, agravará muito mais essa exploração. Não espanta que o público chinês esteja irritado com a inflação, e que os líderes chineses queiram contê-la.

Mas seja pela razão que for - o poder de interesses exportadores, a recusa a fazer algo que pareça ceder a demandas americanas ou a pura incapacidade de pensar com clareza -, eles não estão dispostos a enfrentar a razão de fundo e deixar sua moeda subir. Estão, sim, tentando controlar a inflação mediante a elevação das taxas de juros e a restrição do crédito.

Isso é destrutivo de um ponto de vista global. Com boa parte da economia mundial ainda deprimida, a última coisa de que precisamos é de pesos pesados perseguindo políticas de aperto monetário. Mas mesmo do ponto da perspectiva chinesa, isso não está funcionando. A limitação do crédito está se mostrando difícil de aplicar e está sendo solapada também pelo ingresso de dinheiro quente do exterior.

Com esforços insuficientes para esfriar a economia, a China vem tentando limitar a inflação com controle de preços - uma política que raramente funciona. Em particular, é uma política que falhou redondamente na última vez que foi tentada aqui, durante o governo Nixon. (E, sim, isso significa que neste momento a China está indo a Nixon.) O que sobra, então? Bem, a China entrou no jogo de troca de acusações, acusando (erroneamente) o banco central americano (Federal Reserve, ou Fed) de criar o problema imprimindo dinheiro demais. Mas apesar de dizer isso para deixar os líderes chineses se sentindo melhor, isso não mudará a política monetária americana, nem fará alguma coisa para domar o monstro da inflação.

Isso tudo poderá realmente se transformar numa crise de grandes proporções? Se eu não conhecesse minha história econômica, acharia a ideia implausível. Afinal, a solução para o imbróglio monetário da China é simples e óbvio: apenas deixar a moeda subir.

Mas eu conheço minha história econômica, o que significa que sei com que frequência governos recusam, às vezes por muitos anos, fazer a coisa obviamente certa - e em especial quando se trata de valores monetários. Em geral, eles tentam manter suas moedas artificialmente fortes em vez de artificialmente fracas; mas os dois jeitos podem ser problemáticos.

De modo que nossa mais nova superpotência econômica pode de fato estar a caminho de algum tipo de crise econômica, com danos colaterais para o mundo como um todo. Precisávamos disso? 
 TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

É ECONOMISTA E PRÊMIO NOBEL

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