sexta-feira, janeiro 21, 2011

MÍRIAM LEITÃO

Nos extremos
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 21/01/11


Dois economistas me disseram nos últimos dias que o mundo está vivendo extremos. Só um deles falava do clima. Alguns países estão crescendo fortemente, como a China, que não conseguiu desacelerar; outros estão em crise, da qual ainda não se viu a luz no fim do túnel. Alguns, gelados, outros, superaquecidos, economicamente falando.

Mas a vida de extremos, seja no clima, seja na atividade econômica, está afetando a economia. José Roberto Mendonça de Barros, que me falou dos efeitos climáticos, e Armínio Fraga, que me falou dos níveis polares de ritmo da economia do mundo, apontaram para a mesma direção: o aumento da inflação.

Outro economista com o qual conversei, Luiz Roberto Cunha, me falou dos efeitos nos preços da tragédia da Região Serrana do Rio. Ainda que nem tudo vá para os índices, pelo sistema de pesos, os consumidores estão sentindo já os aumentos de preços de alimentos.

Mas como se faz com uma inflação de tão amplo espectro? Basta subir os juros? No clima, às vezes fenômenos diversos se somam. Segundo me explicou recentemente o meteorologista Marcelo Seluchi, a Zona de Convergência do Atlântico Sul produziu um aumento da umidade, a Região Serrana já é normalmente nebulosa, e o Sistema de Bloqueio, outro fenômeno, impediu, por alguns dias, que o que é vulgarmente chamado de frente fria se espalhasse.

Na economia, está assim: a inflação sobe, puxada por fatores externos como a alta de preços de commodities; alguns alimentos aqui sobem - ou caem pouco apesar de ter terminado o período da entressafra, como a carne -; a demanda cresce puxada por salários e crédito farto; os preços dos serviços que não enfrentam competição externa sobem mais fortemente; o governo expande muito seus gastos. Mesmo se fosse um aumento de despesas relacionado a investimento, antes de ser crescimento ele será mais demanda agregada. Mas o aumento foi principalmente de gastos de custeio encomendados no ano passado, com a leniência do Ministério da Fazenda, que não apenas dizia não haver relação entre gasto público e inflação, como mudou números e fórmulas de cálculo das contas públicas para que elas parecessem mais equilibradas do que estão.

Tudo isso se juntou a outro fato: a mudança de governo. Os empresários, pressionados por pedidos de aumentos de salários dos funcionários, que estão sendo disputados por outras empresas, e por elevação de alguns custos, olharam para o Banco Central. A inflação em 12 meses está mais perto do teto do que do centro da meta. Pelo regime de metas, o BC teria que subir os juros. Se ele não subisse, o radar da economia captaria o seguinte sinal: o governo Dilma não está disposto a pagar o preço de manter a inflação baixa. Isso afetaria o clima econômico. O empresário repassaria seus custos para os preços com mais um percentual de expectativa de alta de inflação; o seguinte, na cadeia de produção, também aumentaria. O atacado exigiria mais do varejo. O varejo subiria os preços ao consumidor.

Mais do que ter um efeito de derrubar a inflação no curto prazo, o que o Banco Central está tentando é alterar o ambiente econômico, cujo clima estava mudando na direção de mais aceitação da inflação.

A Fiesp disse que foi um mau começo. O que seria um bom começo? Aceitar que a inflação continuasse subindo numa virada de governo, com dúvida sobre se o Banco Central, que não é autônomo na lei, teria autonomia de fato - como nos dois últimos governos - para perseguir a meta de inflação?

Os juros produzem efeitos perversos na economia. O mais imediato deles é mandar para o câmbio o sinal oposto do que se quer enviar. Ontem, a economista Monica de Bolle disse que o Copom está "entre o câmbio, objetivo que não quer ter, mas que também não pode perder, e a inflação, cujas rédeas não pode soltar. Nem afrouxar." O câmbio em queda ajudou a segurar a inflação, mas derrubar o dólar não é o objetivo do Banco Central. O Relatório de Inflação de dezembro, lembra Monica, disse que não havia pressões inflacionárias vindas de fora. O cenário mudou e elas começaram a vir.

José Roberto Mendonça de Barros lembrou que o Índice da FAO que mede os preços de uma cesta de alimentos está nos mesmos níveis de 2008, na crise de preço de alimentos. Outros medidores têm indicado isso também.

A elevação dos juros no Brasil pode aumentar o fluxo de capitais para o país. O jornal inglês "Daily Telegraph" disse que o presidente do Banco Central brasileiro, Alexandre Tombini, inaugurou sua gestão tomando uma decisão que pode aumentar a inundação de dólares especulativos (hot money). A elevação dos juros pode provocar uma "tsunami" nessa entrada de dólares, diz o jornal. O Brasil não é o único a subir os juros. China e Índia também fizeram, assim como outros emergentes. O problema é que no Brasil os juros já são altos demais, o que faz o país cada vez mais atrativo para o capital que quer vir apenas por curto prazo. Para sair desse sistema de bloqueio, só havendo uma zona de convergência entre a política fiscal e a monetária. Sozinho, o BC não consertará a economia.

Por falar em consertar. Ontem, no texto que escrevi sobre a vida de Ramiro Saraiva Guerreiro, houve um erro. O nome do livro é "Lembranças de um empregado do Itamaraty". Minhas desculpas. Conheço bem o livro e o tempo que ele relata, período que fiz a cobertura do Itamaraty.

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