quarta-feira, janeiro 12, 2011

MÍRIAM LEITÃO

Câmbio, desligo
Míriam Leitão
O GLOBO - 12/01/11

O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diz que o Brasil não escapará de ser um país com moeda forte. Uma razão é que precisa da entrada de capital. O economista Márcio Garcia alerta que a compra de dólares pelo Fundo Soberano pode trazer prejuízos, ao contrário do que diz o ministro Mantega. O também ex-presidente do BC Gustavo Loyola pensa que há limite nas intervenções no câmbio.

Bom, o assunto do momento é câmbio, não há como fugir. Felizmente, o tema tem ângulos demais. Liguei ontem para os três economistas acima, com as mesmas perguntas: existe limite entre medidas aceitáveis e intervencionistas demais para atuar no câmbio? O quão bem sucedido o Brasil pode ser em barrar a entrada de capital, já que tem déficit em conta corrente?

Todos acham que as medidas estão dentro do aceitável, e que se o país barrasse a entrada de capital teria sérios problemas por causa do déficit, que está indo para US$ 100 bilhões.

Loyola acha que existe sim esse limite entre as regras aceitas e as que podem afugentar o capital, mas pensa que os mercados hoje são muito mais tolerantes do que já foram no passado em relação ao assunto:

— O capital está mais propenso a aceitar desaforo, ele sabe que existem muitos países piores do que nós nesse ambiente pós-crise, mas enquanto ficar em elevação de impostos ou medidas prudenciais não há problema. Há medidas que podem gerar incerteza. Deveriam ser evitadas ameaças e também entrevistas de autoridade no meio do expediente bancário para anunciar medidas que na verdade nem foram anunciadas.

Foi isso que o ministro Mantega fez na semana passada. É regra elementar que desse assunto só se fala com o mercado fechado, como foi aliás o que o BC fez dias depois, numa entrevista convocada para as 8h30m.

O professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, acha que Mantega está calculando errado o custo de investir no mercado futuro de dólar. Mantega disse em entrevista que “se não houver valorização (do real) e nós fizermos swap reverso não haverá perda. Pode até haver ganho.”

— O mercado de dólar futuro não é o preço do dólar no futuro. É preciso calcular também o custo do diferencial de juros. Se isso não for entendido, o Fundo Soberano pode ter prejuízo de 10%, mesmo se o dólar permanecer no mesmo valor. Vender dólar futuro, como faz o investidor estrangeiro, equivale a tomar dinheiro emprestado nos Estados Unidos e aplicá-lo às altas taxas brasileiras. Ou seja, se a taxa de câmbio não se alterar, dá lucro ao investidor estrangeiro. Assim, comprar dólar futuro, equivalente a emitir swaps reversos, que é o que fará o FSB, causará, sim, prejuízo — explicou Garcia.

Pastore afirmou que o real está no mesmo patamar de valorização que estava na época de Gustavo Franco na frente do Banco Central, no início do Plano Real, com a diferença que agora o regime é flutuante: — O Brasil não escapa de ser um país que vai viver com moeda forte. Entre outras razões porque não tem poupança e quer crescer, para isso precisará de investimentos externos. Mas de fato o câmbio está mais valorizado do que deveria estar por inúmeros motivos.

Estamos vivendo um momento de exagero causado pela crise americana, pela crise europeia e pela decisão chinesa de manter sua moeda desvalorizada.

Isso afeta uma parte da indústria, sim, porque vaza para o exterior uma parte da demanda doméstica.

Mas em relação a termos de troca, nós estamos no melhor momento histórico, pelo aumento dos preços dos produtos exportados pelo Brasil. Temos um cenário contraditório: o câmbio valorizado e em dezembro um superávit de US$ 4 bilhões.

O que se deve fazer ou não se deve fazer para lidar com uma situação tão mais complexa do que no passado? Márcio Garcia não acredita muito em medidas que barrem um tipo de capital. Acha que é muito difícil separar os dólares na entrada, porque eles se fundem e os bancos são especialistas em contornar as barreiras desse tipo. Loyola lembra que a acumulação de reservas, que é uma das ferramentas usadas pelo governo, tem custo alto. Quanto? — Fazendo aqui uma conta de padaria: como temos quase US$ 300 bilhões de reservas, ou R$ 500 bilhões, levando-se em conta que o diferencial de juros é em torno de 10%, o custo de emitir dívida em real e comprar dólares é de R$ 50 bilhões ao ano. Na verdade, é menos porque uma parte desse enxugamento da liquidez da compra de dólares é feito através do recolhimento compulsório, que tem custo menor.

Pastore acha que todas essas medidas são legítimas, inclusive a acumulação de reservas porque certamente o câmbio estaria muito mais valorizado se o Brasil não tivesse acumulado US$ 46 bilhões no ano passado, US$ 150 bilhões em três anos.

Enfim, todas as medidas têm custo, todas as medidas juntas não garantem o fim da valorização, alguns setores empresariais estão ganhando muito apesar do dólar fraco. O que fica claro é que é preciso ter uma estratégia de longo prazo para enfrentar a nova realidade.

O que Pastore lembra é que a Alemanha se preparou para viver com câmbio valorizado e reduziu todos os outros custos de produção. O remédio de reduzir os gastos para abrir espaço para queda de juros aparece também na maioria das receitas sobre como enfrentar o problema.

Ontem, o jornal “Financial Times” simulou na coluna Lex uma carta de Ben Bernanke respondendo às críticas de Mantega. O texto lembra ao ministro brasileiro que há três anos, quando a economia americana entrou em crise, o capital fugiu do Brasil, o dólar subiu e a economia brasileira parou. O câmbio, como qualquer moeda, tem dois lados.

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