terça-feira, janeiro 04, 2011

ILAN GOLDFAJN

A economia a partir de 2011
Ilan Goldfajn 
O Estado de S.Paulo - 04/01/11


"Não é a velocidade que mata, mas a parada brusca" foi a frase inicial de um dos meus primeiros artigos acadêmicos (Currency crises and collapses, Brookings Papers on Economic Activity, 1995). Nem sempre percebemos a importância do momento. A expressão "parada brusca" (sudden stop) acompanhou dezenas de crises econômicas e ganhou fama. Na verdade, foi criação do famoso professor Dornbusch, falecido prematuramente, que gentilmente convidou seu então aluno de doutorado para ser coautor do artigo.

Neste começo de 2011, posse do novo governo, pensei nessa frase. Está claro que andar em alta velocidade é delicioso, mas não pode ser interrompido bruscamente. Machuca muito. Após muitas crises e colapsos pelo mundo, os economistas preocupam-se com as paradas bruscas (e com a alta velocidade que as antecede). Por exemplo, a economia da China cresce a 10% ao ano e estimula a economia mundial num momento de fraqueza dos EUA e da Europa. No entanto, se a China sofresse uma desaceleração brusca, o que aconteceria?

Em economia devemos separar a tendência dos ciclos. Por séculos a tendência tem sido de crescimento forte, com contínua melhora no padrão de vida, embora permeada por inúmeros ciclos de crescimento e recessão. A situação presente reforça o padrão. Após uma das piores crises, em 2008, a economia mundial voltou a crescer, recuperou o nível de atividade anterior à crise e já aponta para uma retomada da tendência secular.

É verdade que a base mudou. O consumidor americano retraiu-se - para pagar suas dívidas -, assim como se retraíram algumas economias europeias. Vão crescer mais devagar, talvez por décadas. Todas andaram em velocidade excessiva e, agora, começam a pagar suas multas (algumas economias terão ainda sua licença cassada...). O mundo hoje caminha em busca do "consumidor de última instância" para substituir os consumidores retraídos nos países desenvolvidos. São as economias emergentes que sustentarão o crescimento mundial. Bilhões de pessoas vão-se incorporar ao comércio global e mudarão o perfil da economia no mundo. Serão os ricos do futuro. EUA e Japão já estiveram nessa posição e, após anos de crescimento, assumiram seu atual posto. Tenho menos dúvidas sobre o futuro de alguns emergentes - como China e Índia -, que devem de fato assumir novos postos na economia global, do que sobre o futuro do Brasil. Estaremos nesse mesmo vagão do crescimento?

A atual velocidade do crescimento da nossa economia é impressionante. Há criação acelerada de empregos e distribuição de renda, o que diminui a pobreza, cria uma nova classe média (dezenas de milhões de pessoas) e estimula os investimentos. É o resultado de décadas de políticas consistentes, que reduziram o risco e a inflação, alongaram o horizonte de investimento, permitiram que o País se beneficiasse das condições internacionais e criasse (e expandisse) programas de transferência para os mais pobres. Hoje o Brasil tem chance de vir a pertencer a um grupo seleto de economias relevantes globalmente, com padrão de vida elevado.

Mas parte do crescimento atual é cíclico, numa velocidade que ultrapassa a tendência. Os sinais mais inequívocos desse fenômeno são a volta da inflação (cerca de 6%) e do déficit em conta corrente (hoje 2,5% do PIB e em direção a 5%). Será necessário retomar um esforço considerável (com base em juros, regras macroprudenciais e aperto fiscal) para trazer a inflação de volta ao centro da meta de 4,5% e manter o déficit externo numa trajetória sustentável (evitando paradas bruscas no futuro). Essa situação resultou de um viés excessivamente expansionista - via gasto e crédito públicos - na recente política econômica. O desejo de agradar no presente, à custa do futuro, prejudicou até a transparência e a responsabilidade fiscal. Houve excesso de criatividade contábil, que comprometeu anos de construção de credibilidade fiscal e de métricas de avaliação de resultado - como o superávit primário e a dívida pública líquida. Enfim, importantes gorduras foram utilizadas, como mencionou Armínio Fraga em entrevista neste fim de semana ao Estado.

Mas, para além do ciclo, a tendência é favorável a o Brasil pertencer à nova elite mundial no futuro. O crescimento da China e da Índia beneficia o Brasil, assim como a busca global por economias que tenham um mercado doméstico em expansão. A confiança na economia brasileira continua em alta, tanto externa quanto internamente.

Para concretizar esse futuro o sistema econômico atual tem de produzir os incentivos corretos que estimulem o crescimento sustentado, por meio de mais investimentos e inovações. O Estado tem sido central na economia, produzindo, contratando (empregos no setor público) e financiando o investimento privado (via BNDES). Para além do debate ideológico sobre o tamanho do Estado - e as relações do setor público com o privado -, é necessário preservar o incentivo ao desenvolvimento. Nesse sentido será essencial entender o desejo de progresso e justiça desta nova classe média, que está mudando o Brasil.

O caso dos aeroportos é exemplar. Apesar da consciência de seu estado precário e da urgência nas reformas, não foi possível avançar nos últimos anos. O novo governo já anunciou a necessidade de novas concessões ao setor privado para poder destravar o setor.

Em suma, o mundo está mudando, crescendo em direção às economias emergentes. O Brasil criou todas as condições para se candidatar a ser um dos protagonistas da economia mundial no futuro. Mas precisará resolver questões de ciclo - abortar o excesso de gastos para voltar a reinar na inflação e no déficit externo e evitar a "parada brusca" - e gerar os incentivos para uma trajetória de crescimento sustentado baseado na produtividade e no mérito.

ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO E SÓCIO DO ITAÚ BBA

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