domingo, janeiro 16, 2011

HORACIO LAFER PIVA

A personalidade do novo governo
HORACIO LAFER PIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11


Se hesitar no enfrentamento de problemas e alianças, a presidente perderá muito de sua identidade e capacidade de sucesso logo na partida


Especialistas observam que quem de fato julga protagonistas de cargos públicos são os sucessores de seus sucessores. Eis por que não se devem levar excessivamente a sério as críticas que o recente governo fez do anterior, bem como não considerar demais o que agora vier a se dizer do que se encerra.
Acreditar na história é dar tempo ao tempo...
Contudo, está claro que tanto FHC quanto Lula são exceções no recente ambiente institucional brasileiro. O primeiro, comprometido com a estabilidade e a democracia, emprestando ao país uma dignidade e uma dimensão intelectual raras. O segundo, com conhecimento prático da alma do povo, que, aliado a uma extroversão pragmática, fez de nossa diversidade um instrumento de ação e marketing. Ambos "pontos fora da curva".
Eis finalmente que este processo incremental de melhorias, embora ainda sem senso de urgência, aponta um vetor de crescimento com justiça social. Quiçá o momento certo para alguém como a presidente Dilma Rousseff.
Estamos naquela entressafra em que ainda não se avalia com precisão o que fez Lula e nem o que fará Dilma, mas recorde-se de que, não obstante o criativo mote publicitário da "esperança vencendo o medo", havia em 2002 uma enorme dúvida quanto aos reais compromissos do governo que assumia.
Dissipados, sim, em parte, na "Carta aos Brasileiros", mas ainda presentes quando da posse nos então não poucos céticos.
Já a recente assunção ocorre num ambiente positivo, fruto da tolerância da largada somada à herança aspiracional do antecessor, que, com gestos, embora aqui e ali exagerados, abraçou a democracia e o mercado, gerando uma expectativa conformada de continuidade e afastando muitos dos sentimentos negativos da sucessão.
Entretanto, se incorpora a reputação, suscita ao mesmo tempo reflexões quanto ao enfrentamento dos recentes exageros nos temas fiscais e político-institucionais.
Há dúvidas e expectativas com relação a inflação, juros, câmbio, inadimplência e deficit, assim como as crises americana e europeia e seus impactos no fluxo de comércio e investimentos.
A presidente tem demonstrado, embora parta com um ministério, digamos, enigmático, possuir conhecimento para boas escolhas técnicas, mas na administração de sua base de sustentação, que vai de seu próprio partido ao espectro criatura-criador, entendido este como o ex-presidente Lula e as forças que a apoiam, em especial o PMDB, reside o mistério.
Se conseguir dar organicidade à maioria que detém, aliada ao fato de que uma oposição ainda sem coesão poderá atender a seu gesto de desprendimento, implementará seu projeto. Se, contudo, mostrar-se hesitante no enfrentamento de problemas e alianças, e ainda parecer à sociedade que haverá interferência de seu antecessor, perderá muito de sua identidade e capacidade de sucesso na partida.
Nas próximas semanas já será possível entender a personalidade deste governo, seja pelas prioridades e pela maneira de agir, seja na forma de se posicionar perante pressões e o próprio Congresso.
Uma sociedade agora mais rica e politizada estará vigilante. A presidente tem um grande trunfo nas mãos, e esperamos todos que o use com competência. Do tenso equilíbrio dependemos todos. Olho vivo e serenidade.
HORACIO LAFER PIVA, 53, é empresário. Foi presidente da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) de 1998 a 2004.

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