domingo, janeiro 16, 2011

ELIO GASPARI

Cabral e Dilma culparam os outros e o povo
ELIO GASPARI

O GLOBO - 16/01/11

Na filosofia dos doutores, o centro de Friburgo estava em "área de risco"


NO ANO PASSADO, quando as chuvas provocaram a morte de 148 pessoas em Angra dos Reis e na Ilha Grande, o governador Sérgio Cabral estava em sua casa de Mangaratiba, a pouco mais de uma hora da cena das tragédias, e levou mais de um dia para dar o ar de sua graça. Veio com uma lição:
"Eu não faço demagogia. Houve um tempo em que governador aparecia ao lado de traficante, como se ele fosse o John Wayne. Aqui, estavam dois secretários da área. Quem deve vir são as autoridades públicas que podem de fato dar solução e comando ao problema".
Como dizia John Wayne, "o amanhã é a coisa mais importante da vida". A conta de 2010 fechou com 316 mortos, passou-se um ano, e as chuvas voltaram. Desta vez, Sérgio Cabral não estava em Mangaratiba, mas no exterior.
Quando desembarcou no Rio, já haviam sido contados mais de 300 corpos por conta de temporais que começaram dois dias antes. (Os mortos passaram de 500.)
Ao chegar, Cabral contrariou sua lição de 2010 e visitou as áreas afetadas. Foi acompanhado pela doutora Dilma Rousseff, que ensinou: "A moradia em área de risco no Brasil é a regra, não é a exceção".
Falta explicar por qual critério Dilma e Cabral definem "áreas de risco". O centro de Friburgo? A cidade de Areal? Bairros urbanizados onde viviam pessoas que pagam IPTU? Em 2010, a explicação demofóbica para a morte de mais de 30 pessoas no morro do Bumba, em Niterói, sustentou que a patuleia estava em cima do que fora um lixão. Estava, com a permissão da prefeitura, e ninguém foi responsabilizado.
A essa explicação, somou-se a do catastrofismo ambiental. Para quem gosta de falar em calamidades climáticas, vale lembrar que, na Austrália, onde choveu mais do que no Rio, os mortos foram 25 e há dezenas de desaparecidos.
Como no ano passado, os governantes anunciaram esmolas para já e planos para amanhã. Daqui até janeiro do ano que vem, Sérgio Cabral e Dilma Rousseff poderiam atender ao pedido que Carlos Lyra e Vinicius de Moraes encaminharam a Xangô:
"Pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou".

CÓDIGO DE LEITURA
De um sábio: "Se você ouvir que o economista Luciano Coutinho vai para a Petrobras, saiba que isso pouco tem a ver com uma possível substituição de José Sérgio Gabrielli. É coisa de quem quer ver Coutinho longe da presidência do BNDES". Há duas semanas, Coutinho foi colocado na lista de eventuais sucessores de Roger Agnelli na presidência da Vale, talvez pelos mesmos motivos.

MEC DE FORA
É injusto atribuir a paternidade do programa Um Computador por Aluno, o UCA, ao MEC. Trata-se da compra de 150 mil laptops aos alunos de 300 escolas públicas de seis municípios. O vento que impulsiona o UCA, com todas as suas obras e todas as suas pompas vem, há tempo, do Planalto. Pelo andar da carruagem, esse programa arrisca acabar como o Cartão SUS: a Viúva paga contrato de serviços de informática, compra milhares de máquinas e, anos depois, fica com um mico no ombro.

ÁREA DE RISCO
Na quarta-feira, reunido com sua equipe em Brasília, o secretário nacional de Defesa Civil, doutor Humberto Viana, informou que uma das prioridades de seu mandarinato será a construção da sede própria para a repartição. Àquela hora havia mais de dez mil pessoas desabrigadas no Rio. Na linha da doutora Dilma, pode-se dizer que Secretaria de Defesa Civil é uma área de risco na administração federal.

DIA D
Um consolo para o governador Sérgio Cabral, com seu pendor pelas analogias militares. No dia do desembarque aliado na Normandia (6 de junho de 1944), o marechal Rommel, comandante das fortificações alemãs na costa da França, estava na Alemanha. Viajara para comemorar os 50 anos de sua mulher.

"CALIENTE" FRIO
Depois da saída da Odebrecht do projeto de construção de uma vila comercial no lugar das cocheiras e da vila hípica, nova confusão no Jockey do Rio.
A juíza Priscila David, juíza do 4º Juizado Especial Criminal, no Rio de Janeiro, mandou ao Ministério Público uma denúncia de sócios do clube contra seus administradores e o grupo espanhol Codere.
Desde 2005, o Codere administrava as apostas do prado em troca de um percentual sobre seu volume. Havia a expectativa de que um dia pudesse explorar também máquinas de caça-níqueis.
No dia 4 de março de 2010, o gerente de contabilidade do clube foi guardar seu laptop numa gaveta que pertencera ao controlador de administração e finanças e encontrou um maço de notas fiscais emitidas pela Codere por "serviços prestados em gestão de apostas internacionais através do provedor "Caliente'".
Procurou os registros desses pagamentos e nada achou, "porque inexiste a prestação de tais serviços".
Preocupado com o valor das notas e com os impostos que deveriam ter sido pagos, escreveu uma carta ao superintendente-geral do clube e contou o caso.
O Jockey reconheceu ter recebido as notas fiscais, mas garante que nada pagou, até porque a cobrança seria imprópria. Nesse caso, as notas teriam sido frias.
O valor dos hipotéticos serviços do "Caliente" estaria na casa das dezenas de milhões de reais.
O Ministério Público talvez descubra porque as notas fiscais foram emitidas e como foram parar na gaveta do controlador de administração e finanças do clube.

A RECEITA CRIOU A BOLSA MIAMI
Talvez a doutora Dilma não saiba, mas o primeiro ato de seu governo na área tributária foi uma jabuticaba com forma de girafa. Pela instrução normativa 1.119, a Receita Federal regulamentou uma lei de Nosso Guia e criou um incentivo fiscal para os brasileiros que viajam ao exterior, inclusive para fazer turismo.
Imagine-se um casal que pretende ir a Miami e compra um pacote de passagem, hotel e aluguel de carro por R$ 20 mil. A lei obrigava que a agência de viagens nacional entregasse 25% do valor da transferência desse dinheiro à Viúva.
Pela instrução 1.119, o pagamento foi extinto. Se a agência repassar a bondade à clientela, o casal poupa R$ 5.000, suficientes para uma melhoria no hotel ou na marca do automóvel. É a Bolsa Miami.
A providência foi patrocinada por agências de turismo que funcionam no Brasil e são obrigadas a entregar ao fisco 25% do valor das transferências dos clientes. Suas concorrentes estrangeiras, que negociam os pacotes pela internet e cobram nos cartões de crédito, não pagam esse imposto.
No ano passado, os turistas brasileiros gastaram em torno de US$ 5 bilhões com pagamentos diretos feitos a agências de viagens. No barato, a renúncia fiscal decorrente do mimo fica acima de US$ 500 milhões anuais, ervanário suficiente para custear o Bolsa Família de todos os beneficiários do Piauí e de Alagoas.

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