sexta-feira, janeiro 07, 2011

CELSO MING

Não é só o que parece
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 07/01/11

Em política, o que parece é - dizia em seu tempo o ditador de Portugal, António de Oliveira Salazar.
O Banco Central está vendendo a decisão como "providência macroprudencial". Ou seja, destina-se a evitar que, lá pelas tantas, se fosse deflagrada nova crise global como a que foi detonada pela quebra do Lehman Brothers, um banco ou um punhado deles fossem pegos no contrapé, com forte posição vendida em dólares e, assim, obrigados a comprar moeda estrangeira a novo preço, arcando com fortes prejuízos. Ou seja, o Banco Central parece disposto a evitar que aconteça com os bancos o mesmo colapso cambial que, em 2008, atingiu grandes grupos empresariais brasileiros como Sadia, Aracruz e Votorantim.
No entanto, a instituição de uma retenção compulsória de 60% sobre as posições vendidas em moeda estrangeira não constitui apenas um seguro contra eventuais descasamentos de curto prazo no câmbio. Produz o inequívoco efeito colateral de conter a queda do dólar.
Até agora, o Banco Central avisava que as intervenções no câmbio se destinavam tão somente a neutralizar a excessiva volatilidade no câmbio. Neste momento, pelo menos está vendo o risco de excessiva exposição dos bancos a trancos cambiais.

A cada posição vendida, há sempre uma posição comprada. Por que, então, o Banco Central está restringindo suas medidas macroprudenciais apenas a posições vendidas dos bancos e não também às compradas? Aparentemente porque o quase único comprador é ele próprio. Porque conta com a permanente disposição do Banco Central em adquirir moeda estrangeira é que o mercado interno de câmbio não vinha temendo o aumento de suas posições vendidas em dólares. A decisão de ontem desmancha em parte esse jogo.

De todo modo, não dá para dizer que seja um devastador tiro de canhão. Ao contrário, é uma decisão de baixo calibre preocupada em vir marcada pelo gradualismo. O diretor de Política Monetária, Aldo Mendes, avisou que a posição vendida pelos bancos ao final do ano passado era de US$ 16,8 bilhões. O volume a ser submetido ao compulsório de 60% é o que exceder os US$ 3 bilhões em cada banco (ou o nível do Patrimônio de Referência, no caso das instituições pequenas). Ou seja, se dez grandes bancos tiverem, cada um, US$ 2,9 bilhões em posições vendidas, o total será de US$ 29 bilhões e, no entanto, nesse caso, nenhum deles seria obrigado a recolher depósito compulsório.

A entrada em vigor da nova decisão será apenas no dia 4 de abril. É o Banco Central mostrando flexibilidade no processo de ajuste bancário.

Alguém poderia perguntar se essa também não seria uma medida preventiva no sentido de que precede o novo aumento dos juros que inevitavelmente atrairá mais dólares. Esse tipo de consideração resvala para terrenos excessivamente conspiratórios e, por isso, não merece atenção demais. Não é tão seguro assim que nova alta dos juros atraia muito mais dólares do que os que já estão chegando e estão sendo coibidos pelo forte IOF.

E, mesmo que a decisão seja mesmo a de iniciar um novo ciclo de alta de juros, não parece que apenas a instituição desse compulsório sobre posições vendidas em dólares seja suficiente para neutralizar o efeito provocado por novas entradas de capital.

CONFIRA
Cotação do dólar

Aí vai a trajetória da cotação do dólar nos últimos 37 dias. Tanto o Ministério da Fazenda como o Banco Central foram suficientemente claros. Não vão tolerar cotações abaixo de R$ 1,65 por dólar. A subida do dólar nos dois últimos dias já é consequência da ação do governo.

Repeteco?

Esse tipo de reação já aconteceu no passado. As autoridades também avisaram que não tolerariam o dólar abaixo de R$ 1,80 e, depois, de R$ 1,70. E, no entanto, as cotações vieram para níveis inferiores a esses aí. A conferir.

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