Viajar juntos Alon Feuerwerker Correio Braziliense - 18/01/2011 Os supostos responsáveis pela segurança das famílias na região das serras pedem atenção para o que não seriam capazes de fazer, só para escapar do juízo por não terem feito o que era perfeitamente possível fazer. O grau de mobilização do governo do estado do Rio de Janeiro neste mês de chuvas podia, antes de tragédia, ser medido por um detalhe singelo. Decorrido um ano do desastre de Angra dos Reis, a época crítica encontrou o governador reeleito de férias. Tomou posse do mandato novinho em folha e foi descansar fora do país. Os desastres causados pela natureza (ou pela ação humana na natureza) são de duas categorias: os inevitáveis e os evitáveis. O governante cioso procura evitar a ocorrência dos evitáveis. O esperto usa os inevitáveis como biombo para escapar da justa divisão de responsabilidades quando acontece algo que poderia ter sido evitado. Depois das centenas de mortos, descobre-se que a culpa é do “populismo”. O uso político do “antipopulismo” costuma ser bastante eficaz no Rio, pois atrai a simpatia de um pedaço influente da sociedade local. A política carioca e fluminense vinha sendo monopolizada nas últimas décadas por descendentes políticos de Leonel Brizola. Todos acabaram brigados com ele. Uns foram para a esquerda, outros para a direita. O atual governador é o primeiro desde os anos 80 a vir de outra linhagem. Quando no Rio alguém fala mal do populismo está de quebra falando mal dos governos de Brizola e da herança política e administrativa dele. Não há espaço aqui para um balanço minucioso, mas fato é que o velho líder trabalhista, em seus dois mandatos após a redemocratização, tomou iniciativas importantes em favor dos mais pobres. A mais vistosa talvez tenha sido implantar um ensino de boa qualidade e em tempo integral para os filhos dos pobres. Nunca entendi direito por que, mas isso lhe rendeu alguns e importantes inimigos. Hoje, só se fala em educação, e escola integral virou quase unanimidade. O antipopulismo costuma ser um bom disfarce para o político antipopular. De volta à tragédia do Rio. Ninguém na posse das faculdades exigirá, a sério, que qualquer governo ali resolva em quatro anos o problema da ocupação irregular do solo. Mas quatro anos — sinto muito — é tempo mais que suficiente para montar e colocar em operação um bem azeitado sistema de alerta e providências em caso de chuva excessiva. A esperteza de recorrer ao “populismo” como bode expiatório é bem esta: os supostos responsáveis pela segurança das famílias na região das serras pedem atenção para o que não seriam capazes de fazer, só para escapar do juízo por não terem feito o que era perfeitamente possível fazer. Quantos teriam morrido se houvesse no Rio um sistema de alerta e providências compatível e operacional? Impossível fazer o cálculo exato, mas certamente menos do que o tanto de gente que morreu. Comecei esta coluna notando que a tragédia encontrou o governador reeleito de férias. É elementar. Se o chefe não está concentrado num problema, muito menos os subordinados. Qualquer um que tenha sido chefe, nem que por cinco minutos, sabe disso. E sabe a importância da presença física do chefe nos momentos críticos. O bom oficial vai na frente da tropa, não atrás. Em qualquer ambiente político menos tolerante o atual governador do Rio estaria em sérios apuros. Mas ele tem a graça de ser aliado do governo federal, uma vacina contra críticas do PT. E tem outra graça, na simpatia dos militantes do antipopulismo. Daí que seja quase unanimidade. Está na hora de o governador retribuir, em agradecimento pelas graças alcançadas. Não é todo dia que um político escapa quase ileso de fatos que, tecnicamente, deveriam encerrar a trajetória dele. Se não é possível trazer de volta os mortos desta tragédia, o calendário ainda reserva no mandato de sua excelência mais este resto de verão, além de mais três verões inteirinhos. Tempo suficiente para mexer-se. E sairá com certeza bem mais barato do que sairia o governador levar sempre com ele nos passeios fora do país, na época das chuvas, toda a população do Rio. |
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