terça-feira, janeiro 11, 2011

ALON FEUERWERKER

A tentação tucana
Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 11/01/2011
 
A posição crítica do PSDB diante dos caminhos da aliança PT-PMDB pode permitir também outra leitura. É possível especular que o PSDB — ou parte dele — esteja a mandar certo recado para o governo e para o PT
 Ficaram comuns nos últimos dias as cobranças sobre a oposição, que em público parece ter tirado férias. Esta coluna já tratou o assunto. Deve-se dar um desconto pelas circunstâncias?
Sim. Comecinho de governo não é época para criar graves dificuldades a quem acabou de ganhar a eleição e mal agarrou o manche. Mas é realmente curioso que a oposição esteja alheia a temas tão sensíveis como o salário mínimo e a (não) correção da tabela do Imposto de Renda.
O Democratas anda mergulhado na luta interna pelo controle da legenda, enquanto o PSDB se limitou até agora a uma única nota oficial, para criticar o método da distribuição de cargos no governo Dilma Rousseff.
A nota tucana soa algo extravagante, pois não cabe ao PSDB supervisionar o modo como PT e PMDB se relacionam. Se os tucanos têm críticas específicas e fundamentadas a alguma nomeação, digam. Se têm acusações a fazer, façam.
A crítica genérica ao “fisiologismo” costuma ser confortável e esperta. Garante ao crítico a simpatia em certos círculos da opinião pública, sem o ônus do desgaste com ninguém em particular. E só. No ambiente político real ninguém leva a sério.
Até por não haver meio diferente de formar governo. Se você precisa de apoio político-parlamentar, deve oferecer espaço e poder a quem tem força conquistada na urna. É democrático. É o que fazem também governadores e prefeitos dos partidos de oposição a Dilma.
Aliás, funciona assim em todo canto. E funciona bem. O estranhamento aqui no Brasil deve ter a ver com nossa imaturidade democrática. Basta folhear jornais dos países com democracia mais antiga para notar que a partilha de cargos e de poder orçamentário é a regra, a rotina.
Outra coisa, bem diferente, são os malfeitos, a incompetência, o descaso com o interesse público. Mas esses são eventos que precisam ser tratados concretamente. Se não, fica estranho. Por que uma indicação do PMDB é fisiológica e condenável a priori e uma do PT, ou do PSB, não é? Às vezes a coisa soa algo preconceituosa.
Mas a posição crítica do PSDB diante dos caminhos da aliança PT-PMDB pode permitir também outra leitura. É possível especular que o PSDB — ou parte dele — esteja a mandar certo recado para o governo e para o PT.
Que recado? Em tese, esse PSDB estaria disposto a garantir alguma governabilidade, não sendo portanto necessário que o PT ceda tanto às pressões peemedebistas — e de partidos menores — por espaço na máquina.
O PSDB é quem tem mais governadores, oito, a maioria deles em estados muito dependentes do governo federal. E tem também bancadas expressivas, cuja sobrevivência eleitoral depende em grau razoável da execução orçamentária da União.
Assim, haveria um terreno potencialmente comum a tatear. Cada um faria o teatro de praxe, disparar-se-iam os discursos protocolares, mas haveria um acordo fundamental para “deixar o governo governar”. Em troca, no que interessa, os exércitos da oposição não seriam tratados como inimigos.
Seria uma tentação e tanto para o governo petista, ou para o petismo governamental, mas esbarra no medo que o gato escaldado sente da água fria. O antecessor de Dilma sonhou com algo assim no comecinho do governo, tendo colhido mais adiante instabilidade política.
Daí o esforço hercúleo em 2010 para dar a Dilma uma maioria aritmética e política confortável. Na aritmética deu certo; na política, nem tanto.
Pois a ocupação maciça de espaços pelo PT desperta nos aliados o temor diante da ameaça à reprodução dos mandatos na esfera local. O quadro petista numa posição local de poder é ameaça direta ao aliado que garante a Dilma o voto na Câmara dos Deputados.

Desafio

A The Economist traz esta semana reportagem de capa sobre a nova versão da luta de classes na Europa.
Não mais entre capitalistas privados e operários livres, mas entre governos e seus funcionários.
Um desafio europeu é injetar produtividade em um setor público perenemente faminto de recursos.
Se é um desafio lá, mais ainda aqui. 

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