sexta-feira, setembro 17, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

A Casa da Mãe Rousseff 
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Folha de S.PAULO 

A queda de Erenice Guerra é a primeira baixa do governo Dilma Rousseff. Parece estranho, mas isso é verdade em pelo menos dois sentidos. Primeiro, há indícios de que a artilharia contra a ministra foi estimulada por aliados da candidatura petista, em busca de espaço na futura administração.
Segundo, e mais importante, porque Erenice Guerra deve sua vida política nos últimos oito anos e o cargo que ocupou até ontem exclusivamente a Dilma Rousseff.
Lula relutou antes de confirmar Erenice como ministra quando Dilma se lançou candidata. Acabou cedendo ao apelo, mas fez de Miriam Belchior, a quem preferia no cargo, a coordenadora do PAC.
Não é plausível que Lula ignorasse a parentela pendurada no Estado que a titular da Casa Civil trazia a tiracolo. Onde estava o serviço de inteligência do Planalto? Ocupado com dossiês a respeito de quem? Até para um leigo parece óbvio que os negócios da família Guerra não resistiriam a um raio-x elementar.
Só o sentimento de onipotência e a convicção da impunidade explicam que tamanha lambança tenha sido praticada no interior do Planalto, tão perto da Presidência.
Não há, neste episódio, nenhum ministro do PMDB, nenhum deputado fisiológico da base aliada, nenhum braço periférico do aparelho estatal. O cenário é a Casa Civil e os personagens são crias de Dilma. E até o enredo, é bom lembrar, há muito deixou de ser estranho ao PT.
Quando o escândalo estourou, Dilma logo correu para separar sua campanha do governo: "Não vou aceitar que se julgue a minha pessoa baseado no que aconteceu com o filho de uma ex-assessora".
A primeira reação de Erenice, por sua vez, foi confundir governo e campanha, atribuindo as denúncias a manobras "em favor de um candidato aético e já derrotado".
São declarações contraditórias, mas movidas pela mesma conveniência. No momento em que se separam, Dilma e Erenice parecem se confundir numa única farsa.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Todo poder ao PT

EDITORIAL
O Estado de S. Paulo - 17/09/2010
 
 À primeira vista, é um paradoxo. O mesmo dirigente petista José Dirceu, que batalhou para trazer o PMDB para o governo já no primeiro mandato do presidente Lula e desde o ano passado percorreu o País para construir alianças estaduais que ampliassem a base política da candidata Dilma Rousseff, acaba de colocar na mesa um projeto hegemônico para o PT no eventual governo da sua sucessora na Casa Civil. Diga quantas vezes queira que a imprensa deturpou as suas declarações, foi exatamente o que fez na sua polêmica palestra da última segunda-feira para uma plateia de petroleiros, em Salvador.
Mas o paradoxo é apenas aparente. Ao afirmar que a eleição de Dilma será "mais importante" do que a de Lula, Dirceu desenhou um modelo de governo de coalizão em que o seu partido ocuparia um espaço desproporcional ao de seus aliados, incluindo o PMDB que forneceu o vice da chapa de Dilma, deputado Michel Temer. O PT, argumenta Dirceu, não tem maioria para eleger o presidente, porém, chegando ao Planalto pela terceira vez, tem condições inéditas de conduzir efetivamente o governo, partilhando "o pão", como diria Temer, não o leme do poder.
Isso porque, diferentemente de Lula, "que é duas vezes maior que o PT", mas já não estará lá, Dilma, não sendo "uma liderança que tinha uma grande expressão popular, eleitoral, uma raiz histórica no País", estará fadada a encarnar o projeto político que lhe for servido pelo partido - no qual não tem raízes históricas nem jamais representou uma liderança expressiva. Falta, naturalmente, combinar com o seu criador. Em mais de uma oportunidade, Lula deixou claro que pretende ser a partir de 2011 um presidente-sombra, arquivada a idílica lorota de que se dedicaria a ficar assando coelhos no seu sítio. E Dirceu obviamente não ignora que, a se consumar a vitória de Dilma, terá sido Lula o verdadeiro vencedor.
À parte as ambições pessoais de Dirceu, enquanto espera a sentença da Justiça sobre a acusação de que foi o "chefe da quadrilha" do mensalão, registre-se que o papel que ele tem em mente para os partidos parceiros de Dilma é o mesmo que o seu detrator, o deputado petebista, também cassado, Roberto Jefferson, descreveu já em 2005. Aos aliados, cargos, verbas e facilidades, mas nenhum assento na mesa das decisões estratégicas. De novo, falta combinar com os russos - a caciquia peemedebista. Os enxundiosos interesses fisiológicos do partido não excluem que, no pós-Lula, funcione como freio e contrapeso à guinada para a esquerda que o PT procuraria imprimir a um governo Dilma.
Até que ponto essa seja a meta de Dirceu, quando fala em "aprofundar as mudanças, cuidar do partido, dos movimentos sociais, da organização popular", é uma questão em aberto. O ex-capitão do time de Lula, como este o chamava, é um expert em dosar ideologia, pragmatismo - e negócios, bem entendido. O certo, de todo modo, é que o PMDB se oporá, como já se opôs no episódio do programa de Dilma, a qualquer iniciativa de "controle social" dos meios de comunicação que Dirceu venha a incentivar, em parte por convicção, em parte para agradar à companheirada com que conta para voltar a ser o número um do partido.
Ele verbera "o abuso do poder de informar" da mídia nacional, um imaginário bloco monolítico, além de aliada por excelência do "poder econômico" - como se o aliado de escolha das elites do capital não fosse, isso sim, o presidente Lula. O que Dirceu não consegue esconder é o seu ressentimento com a posição do adversário Antonio Palocci na campanha de Dilma. Ele acusa a imprensa de "pressionar pela constituição do governo", como se fosse ela, e não o presidente Lula, que tivesse planos de poder para o ex-ministro da Fazenda também na eventual gestão de sua sucessora.
A reação do PT à fala de Dirceu foi de puro constrangimento. Tudo que o partido não precisa é ele dividir o palco com Dilma. Já basta que a propaganda do tucano José Serra identifique a candidata com o antecessor derrubado pelo mensalão. "Quem fala pela campanha é o presidente do partido, José Eduardo Dutra", corrigiu o secretário petista de Comunicação, André Vargas. "Não é o José Dirceu."

MÔNICA BERGAMO

ESTUPIDEZ ENQUADRADA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/09/10


A escritora Fernanda Young abriu anteontem uma exposição de fotos na loja da grife Uma, nos Jardins. Intitulada "Minha Estupidez", a mostra traz cerca 500 retratos, feitos a partir de 1993, com imagens da própria Fernanda e de seus amigos.

VALE FUTURO
Roger Agnelli, presidente da Vale, se reuniu anteontem com o presidente Lula em meio a rumores de que não seguirá no cargo num eventual governo de Dilma Rousseff (PT). Saiu com a impressão de que a degola pode ser revista. Disse a interlocutores que Lula o tratou "muito bem".

TUDO. OU NADA
O tratamento dispensado por Lula "pode não querer dizer muita coisa", diz um conselheiro da Vale. "Numa hipótese, há pessoas em torno dele alvoroçadas para tirar o Roger do cargo e Lula não está nesse ritmo. Na outra, ele simplesmente está evitando marola na eleição." O problema de Agnelli seria outro: ele e Dilma não se bicam. E parte do PT o quer fora da Vale.

TRADUÇÃO
Lula teve contrariedade recente com Agnelli, quando ele anunciou que compraria 20 navios no exterior, e não no Brasil. Dirigente do PT diz que o presidente, apesar de tratar bem o executivo, "ainda está furioso". O conselheiro da Vale afirma que o episódio foi superado. Lula entendeu que os navios brasileiros custam caro.

MULTA ERRADA
A Subprefeitura da Sé multou, anteontem, em R$ 506 mil um condomínio localizado na esquina da avenida São João com a Duque de Caxias por ter instalado um painel em sua fachada, o que vai contra a Lei Cidade Limpa. Bola fora: o cartaz, na verdade, é uma das obras da "Street Bienalle" (bienal de rua), evento que acontece até outubro em SP. Informado ontem que se tratava de um projeto cultural, o órgão cancelou a multa. "O processo de autorização estava no fim", diz a assessoria.

SÓ SUCESSO
Além de reprisar, a partir de 4 de outubro, a novela "Vale Tudo", o Canal Viva (Globosat) negocia com a TV Globo os direitos para reexibir a novela "Dancin" Days".

MOSTRUÁRIO
E o novelista Gilberto Braga vai "interpretar" a si mesmo em um ambiente decorado por seu companheiro, Edgar Moura Brasil, na mostra Artefacto Beach & Country, no domingo, em SP. O arquiteto, que vai instalar um escritório nos Jardins, assina com Jorge Delmas a "biblioteca do escritor", inspirada no autor. Na abertura, Braga ficará sentado no local, que terá também fotos pessoais e de atores de suas novelas.

POR VÓS ESPERAMOS
Virou ponto turístico em Duas Barras (175 km do Rio), terra natal de Martinho da Vila, o mausoléu que o sambista mandou construir para homenagear sua mãe, Teresa de Jesus, no cemitério local.

Cheio de imagens, ele está sendo chamado pelos moradores do lugar de "o túmulo do Martinho".

RECEITA DE VIDA
Oscar Niemeyer, 102, passou o fim de semana com a mulher, Vera, em uma casa que ela tem em Araruama, na região dos Lagos, no Rio.

Entre goles de vinho e tragadas de cigarrilha, inaugurou a churrasqueira do local.

PEDIRAM BIS
A cantora brasileira Patty Ascher, que se apresentou no Teleton norte-americano misturando "Samba de uma Nota Só", de Tom Jobim, com "Night and Day", de Cole Porter, foi convidada para participar da próxima edição da maratona televisiva beneficente, promovida pelo ator Jerry Lewis, em 2011.

HOMENAGEM
A ex-primeira-dama Ruth Cardoso, morta em 2008, será homenageada nos concertos da Osesp que acontecem de hoje a domingo na Sala São Paulo. A antropóloga completaria 80 anos depois de amanhã.

Os programas serão regidos por Marin Alsop.

LARANJA MECÂNICA
O cônsul-geral do Reino dos Países Baixos em São Paulo, Louis Piët, recebeu a comunidade holandesa para jantar, anteontem, em sua casa, no Morumbi, em homenagem à ministra de Assuntos Econômicos daquele país, Maria van der Hoeven.

CURTO-CIRCUITO

A peça "O Estrangeiro", dirigida por Vera Holtz, estreia hoje, às 21h, no Teatro Eva Herz. 14 anos

A festa carioca Bailinho realiza hoje uma edição paulistana, às 23h, no clube Megga, na Barra Funda. Classificação etária: 18 anos.

O produtor Cacá Ribeiro comemora hoje seu aniversário com festa no clube Lions. Classificação: 18 anos.

A balada Heaven faz hoje a festa à fantasia Heróis e Vilões, a partir das 23h30. Classificação etária: 18 anos.

O estilista Reinaldo Lourenço inicia hoje um bazar de sua grife na rua Eugênio de Medeiros, 476, em Pinheiros.

O diretor Zé Henrique de Paula reestreia hoje a peça "Cândida", protagonizada pela atriz Bia Seidl, às 21h30, no Teatro Augusta. 14 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LEANDRO NOMURA e LÍGIA MESQUITA

ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

Lula e o adeus ao poder
Aloísio de Toledo César
O Estado de S. Paulo - 17/09/2010

Há um componente novo no comportamento do presidente Lula que se torna aparente cada vez com maior frequência. Em ambientes e locais diversos, ele passou a demonstrar uma emoção quase incontrolável, que o deixa com os olhos marejados, a voz embargada e o rosto comprimido pela emoção. Interlocutores privilegiados garantem que ele já começa a viver a emoção da despedida do poder.

Não é preciso ser psicólogo nem estudioso da alma humana para concluir que essas demonstrações de emoção são sinais da tristeza que está por vir, em decorrência do próximo e inevitável adeus aos oito anos de poder quase imperial.

Talvez não seja muito delicado dizer isto, mas, para quem chegou a São Paulo num pau de arara e, a despeito da baixa escolaridade, construiu pelas próprias pernas uma quase inacreditável carreira política, deve ser medonho afastar-se do Palácio do Planalto, do avião a jato disponível a qualquer hora, da multidão de bajuladores, dos assessores que batem palmas até doerem as mãos.

Os banquetes, os almoços com os amigos, os vinhos de US$ 2 mil a garrafa, o poder de influir sobre a vida de tantos - tudo isso forma um universo de situações felizes que deixarão de existir quando outra pessoa lhe suceder no Palácio do Planalto.

Ainda que se possa admitir a hipótese, bastante plausível, de que sua candidata acabará por se eleger, em verdade quem vai estar no palácio, nos banquetes, no avião presidencial será ela. Isso o tornará, quem sabe, um conviva festejado, mas já não será o alvo das homenagens e honrarias.

Quando o triunvirato do horror (presidentes da Bolívia, da Venezuela e do Equador) vier ao Brasil, para os costumeiros agrados e obtenção de apoio, a atenção não estará mais voltada para a sua pessoa, e sim para o novo chefe da Nação, seja homem, seja mulher.

Se houver um novo convite da rainha da Inglaterra para o inesquecível passeio na carruagem imperial, o beneficiado já não será o antigo líder metalúrgico. De outra parte, possivelmente nunca mais sentirá de perto o hálito de bomba atômica de seu amigo e aliado presidente do Irã - e tomara que fique aliviado com isso.

Sem nenhuma dúvida, o presidente Lula começa a tornar aparentes os efeitos dessa próxima e irreparável perda de poder. Os políticos costumam dizer que o poder é como mulher bonita, que a gente não deve deixar para o outro, mas Lula nesse aspecto demonstrou uma certa grandeza, que merece ser destacada.

Com os inacreditáveis índices de popularidade que conquistou, não lhe seria difícil estimular os aliados no Congresso Nacional, que constituem maioria, a aprovar uma emenda constitucional capaz de lhe garantir o direito de disputar o terceiro mandato.

Os seus adversários temiam isso, mas ele foi leal a si próprio, às promessas que fizera de não ficar e afastou de pronto a possibilidade. Ou seja, o momento político eleitoral oferecia-lhe a possibilidade de permanecer mais quatro anos no Palácio do Planalto, no avião presidencial, no centro das atenções, mas o seu lado democrático não o deixou sucumbir. É justo que se lhe credite respeito por esse gesto.

Nesta antevéspera de seu afastamento, é importante reconhecer que talvez ninguém na História deste país tenha conquistado posição tão elevada e tanto prestígio em tão pouco tempo. Sobretudo, ninguém que saiu lá de baixo, como Lula, alcançou índices de popularidade tão expressivos.

Sempre se disse que Lula é um homem de sorte e não há dúvida alguma quanto a isso. Quem se lembra de que o Brasil era a "bola da vez" no governo de Fernando Henrique Cardoso? Por melhores que se mostrassem os passos da política econômica, naquela oportunidade, o ambiente externo era hostil ao extremo e impunha ao Brasil uma dura provação.

Com Lula deu-se o contrário: o panorama externo tornou-se bastante favorável e a escalada da economia consolidou gradativamente a melhora no padrão de vida de número bastante significativo de brasileiros. Sem dúvida, o controle da inflação, que devemos ao antecessor Fernando Henrique, concorreu para isso, mas é forçoso consignar que houve em parte êxito nos esforços da atual política econômica. Tanto assim é que pessoas beneficiadas, agora, externam sua aprovação. Há até mesmo indicativos razoavelmente confiáveis de que os brasileiros da classe C caminham para subir para a classe B, o que, se vier a ocorrer, será muito bom para o Brasil.

Nessa aura de sorte que o acompanha, Lula assiste agora, seguramente com satisfação, à aprovação popular de sua candidata à Presidência da República, refletida em todas as pesquisas de votos.

E a sua sorte é tamanha que os adversários tucanos, sempre incapazes de fazer oposição, não percebem que, ao fustigar a adversária, fazem com que ela cresça cada vez mais na aprovação popular.

Até mesmo a abominável quebra do sigilo fiscal de diversos tucanos parece ajudar a candidata Dilma Rousseff, porque, na medida em que é atacada pelo adversário José Serra, este cai nas pesquisas eleitorais, na mesma proporção em que ela sobe. Há uma certa ingenuidade, quase tolice, em não perceber que isso está acontecendo.

A incapacidade tucana de fazer oposição não permitiu que seus líderes, até agora, enxergassem uma ululante realidade: as quebras do sigilo fiscal tornadas públicas em momento algum atingiram o filho do presidente Lula, ou o seu famoso compadre ótimo nos negócios, nem José Dirceu, nem Delúbio Soares, nem nenhum outro político da cúpula petista. Somente tucanos foram atingidos.

Imagino o que os petistas fariam se tivesse ocorrido o contrário. Enfim, Lula tem também a sorte de seus opositores serem os tucanos.

ADVOGADO, É DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

DORA KRAMER

À deriva 
Dora Kramer 

O Estado de S.Paulo - 17/09/2010

É o que dá o Congresso despir-se de suas prerrogativas, a oposição não funcionar, a sociedade se alienar, a universidade se calar, a cultura se acovardar, o Ministério Público se intimidar e a Justiça demorar a decidir: perde-se a referência do que seja certo ou errado.


Chega-se ao ponto de uma testemunha dizer com todos os efes e erres que uma quadrilha de traficantes de influência funciona a partir da Casa Civil da Presidência da República e que a segunda pessoa na hierarquia, substituta da ministra hoje candidata a presidente do Brasil, intermediava contatos mediante o pagamento de R$ 40 mil mensais.

Foi essa quantia que o consultor Rubnei Quícoli disse ao jornal Folha de S. Paulo que o filho e o afilhado da ministra cobraram dele para "apressar" a liberação de recursos do BNDES.

Antes disso, a revista Veja já apresentara outro caso - menos contundente até - de venda de influência na Casa Civil, com a mesma família da mesma Erenice Guerra, até ontem ministra e, na época da transação denunciada agora, secretária executiva e braço direito de Dilma Rousseff.

Se Dilma não sabia quem era Erenice, trabalhando com ela desde o Ministério de Minas e Energia, e se Erenice não sabia o que faziam seus parentes é ainda pior. Duas ineptas a quem se pode enganar facilmente, sendo que uma delas se dispõe a dirigir a República, a fazer escolhas estratégicas e a se responsabilizar por milhares de contratações.

Quando se trata de escândalos é arriscado falar em superlativos. Sempre pode haver um maior e um mais grave no dia seguinte. Mas o governo habitualmente dá um jeito de encerrar o assunto, jogar a sujeira para debaixo do tapete de maneira a tornar tudo banal e absolutamente sem importância diante dos benefícios que recebem os mais pobres, o crédito dos remediados e as benesses dos mais ricos.

Será udenismo, farisaísmo, tucanismo, direitismo ou golpismo considerar grave a Casa Civil - o gabinete mais importante da República depois do presidencial - ser o centro de três escândalos, um pior que o outro, no período de seis anos?

No primeiro, em 2004, descobriu-se que o braço direito do ministro era dado à prática da extorsão; foi filmado pedindo propina a um bicheiro. Waldomiro Diniz foi demitido "a pedido" e nada mais aconteceu.

No segundo, em 2007, descobriu-se que fora produzido na Casa Civil um dossiê com os gastos de Fernando Henrique e Ruth Cardoso para chantagear a oposição na investigação sobre gastos da atual Presidência. Um funcionário de baixo escalão foi devolvido ao "órgão de origem".

Na época, a desfaçatez chegou ao ponto de a então ministra Dilma Rousseff dizer que telefonara para se desculpar com a ex-primeira-dama e que fora uma boa conversa. Ruth, falecida pouco depois, não desmentiu Dilma em público, mas nem houve pedido de desculpas nem a conversa foi cordial.

No terceiro, em 2010, é o que se vê e ouve. Erenice Guerra, era mais do que evidente, precisava sair para preservar a candidatura de Dilma e acalmar a grita. Não fosse a proximidade da eleição, a amiga Erenice continuaria sendo defendida como foi até horas antes de aparecer uma testemunha da tentativa de extorsão e enterrar os argumentos sobre golpes, factoides e armações.

Mesmo que seja verdadeira a inverossímil versão de que ela redigiu uma nota de resposta sem consultar nenhum capa preta do palácio, Erenice apenas seguiu o exemplo que vem de cima e carregou nas tintas eleitorais como tem mandado o figurino.

O governo fez uma conta de custo benefício e, pelo jeito, achou que sairia mais barato afastá-la. De fato, por pior que seja a repercussão e por mais que a demissão evidencie o fundamento das denúncias, a manutenção da acusada no cargo seria injustificável. Haveria três problemas: rebater as acusações, defender a ministra e explicar o que ela ainda estava fazendo na chefia da Casa Civil.

A respeito do impacto eleitoral, assim como no caso das quebras de sigilo na Receita Federal, este é o aspecto menos relevante, embora seja de espantar a indiferença geral. É que a eleição passa, o Brasil continua e toda conta um dia é cobrada.

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Serra cria o PIRIPAC!

JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/09/10
Últimas da Casa Civil da mãe joana: a Erenice caiu. Ainda bem que não foi por cima de mim! Soterrado por um canhão!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador-Geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Pinto corta Boquete da Argentina antes de encarar o Brasil." O técnico de basquete se chama Pinto e a jogadora, Andrea Boquete. Ou seja: boquete de argentina nem o pinto encara. Rarará!
Ereções 2010! A Dilma tá com 51%. Até nisso ela quer agradar ao Lula? Rarará! E eu estou escrevendo a biografia do Plínio, o Geriátrico da Breca! Diz que Adão foi feito da costela do Plínio. A primeira propaganda política do Plínio foi uma faixa amarrada no 14 bis! E eu já pedi pra mudar o horário dos debates. O Plínio não pode tomar sereno! Rarará!
E Últimas da Casa Civil da mãe joana: a Erenice caiu. Ainda bem que não foi por cima de mim! Soterrado por um canhão! Você acha que alguém se chama Erenice Guerra por acaso? Rarará! Deve vir outro canhão por ai. É Casa Civil ou Casa Militar? Rarará!
Socuerro! O Serra deu piti! O Vampiro estrebuchou! O Serra deu um piti no programa da Márcia Peltier. E vira hit no Twitter: A Dilma criou o PAC e o Serra criou o PIRIPAC! Rarará! Não gostou das perguntas. Mimado! Levantou e disse: "Faz de conta que eu não vim". Rarará. Sensacional!
Se alguém perguntar pra Dilma alguma denúncia, ela pode responder: "Faz de conta que eu não vim". Rarará! Fiquei com medo que o Serra mordesse o pescoço da Márcia. E ela virasse vampira! E agora diz que ele vai criar o Bolsa Piti! E o vice do Serra vai dizer que a CNT em ligação com as Farcs. Rarará! E a Dilma é feita de teflon! A imprensa internacional tá chamando a Dilma de Iron Lady. A Dama de Ferro. Errado. É a DAMA DE TEFLON!
E esse escândalo da Casa Civil da mãe joana vai ter repercussão internacional: a família chama Guerra e o filho chama Israel! Isso é formação de família!
E o Serra é tão feio que no santinho dele vem uma inscrição na testa: este lado para cima! Rarará! E um amigo carioca bem alienado me perguntou: "Simão, porque esse Serra anda tão estressado, hein?" Rarará!
A Galera Medonha! A Turma da Tarja Preta! Pra provar que no Rio Grande do Sul tudo termina em churrasco: Beto Grill, Brasinha e Tavares do Churrasquinho. De gato! Rarará! A situação tá ficando psicodélica. Ainda bem que nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Chega de hipocrisia! Sexo de noite e sexo de dia!

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Ele e ela 
Renata Lo Prete

Folha de S.Paulo - 17/09/2010

As horas finais de Erenice Guerra na Casa Civil evidenciaram as resistências que a ministra, elevada ao cargo a pedido da antecessora, Dilma Rousseff, despertava em quadros do governo historicamente próximos ao presidente. Vários lulistas instalados no Planalto colecionaram atritos com Erenice. Agora, nos bastidores, sentem-se à vontade para relatá-los.

Ao longo da jornada eleitoral, a "turma" de Lula tem prevalecido sobre a de Dilma. Depois do afastamento de Fernando Pimentel, o comando da campanha ficou nas mãos de pessoas ligadas ao presidente, ainda que bem relacionadas com a candidata.

A breveRomero Jucá (PMDB-RR), derrubado da Previdência com 122 dias de cargo, foi o único a durar menos do que Erenice no ministério de Lula. Ela caiu após 170 dias na Casa Civil.
Companhia 1 O chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, esteve com o ministro Franklin Martins na casa de Erenice pela manhã, na reunião "preparatória" do pedido de demissão levado mais tarde ao Planalto.

Companhia 2
Quando os dois chegaram à residência oficial, ela estava com o filho Israel, protagonista das denúncias que a derrubaram, e com o marido, José Roberto Camargo Campos.

DeuAlém da sucessão de notícias negativas, a paciência de Lula com Erenice foi se esgotando porque ela, no dizer de um auxiliar do presidente, "queria ir pra briga".

SondagemGilberto Carvalho chegou a conversar com Miriam Belchior sobre a perspectiva de ela herdar a pasta. Foi a ele que a petista, ex-mulher de Celso Daniel, disse temer se tornar alvo.

SustoJosé Dirceu, cuja loquacidade preocupa o comando da campanha de Dilma, tinha marcado entrevista coletiva ontem em Foz do Iguaçu (PR). Desmarcou.

Pelados na saunaOs três representantes da EDRB que participaram em, 10 de novembro passado, de reunião na Casa Civil para tratar de negócio intermediado pelo filho de Erenice, afirmam que foram orientados a entrar na sala sem celular ou outro equipamento que pudesse registrar a conversa.

ClementinaQuando Aloizio Mercadante disse, no debate Folha/Rede TV! entre os postulantes ao governo de SP, que o eleitor precisa escolher candidatos sérios e não "desperdiçar o voto" para deputado, um petista na plateia reprovou: "Não pode falar mal do Tiririca. Ele vai carregar todo mundo aqui". No PR e coligado ao PT, o palhaço deve ter votação recorde.

Tá vendo?A campanha de Mercadante tenta associar Geraldo Alckmin (PSDB) ao candidato a deputado Ney Santos (PSC), suspeito de ligação com o PCC. Foto do tucano ao lado do candidato ilustra o site do PT.

TrilhosQuestionado na rádio CBN sobre as críticas do secretário José Luiz Portella (Transportes Metropolitanos) à falta de investimento no metrô em gestões anteriores, Alckmin não escondeu o desconforto com o aliado.

Conta outraDe Aloysio Nunes (PSDB), que concorre a vaga no Senado por São Paulo, sobre o candidato do PSB ao governo estadual: "Se o Paulo Skaf é socialista, eu sou hare krishna".

Visita à FolhaAntônio Britto, presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Octávio Nunes, gerente de Comunicação Institucional.

Tiroteio
"A queda da sucessora de Dilma Rousseff demonstra que o verdadeiro Bolsa Família deste governo rolava na Casa Civil."

DO DEPUTADO JOSÉ CARLOS ALELUIA, candidato ao Senado pelo DEM-BA, sobre as revelações que resultaram na carta de demissão de Erenice Guerra.

Contraponto

Fora do script
Nos anos 80, quando deputado, Moreira Franco (PMDB-RJ) fez sessão na Câmara em homenagem ao Flamengo. Pelo PDT, falou Agnaldo Timóteo (RJ):

-Hoje eu não vou discursar. Vou só cantar. Cantar o hino maravilhoso do Flamengo: "Ei de torcer, torcer, torcer. Ei de torcer até morrer, morrer, morrer...".

Depois de cantar o hino todo e não receber um único aplauso, Timóteo reclamou com Moreira:

-Gente sem educação. Ninguém aplaude...

-Lógico! Você cantou o hino do América!

MERVAL PEREIRA

A queda 
Merval Pereira 

O Globo - 17/09/2010

O presidente Lula age de acordo com as pesquisas eleitorais, nada importa mais do que eleger Dilma sua sucessora, e no primeiro turno. E a demissão da ministra Erenice Guerra pode ser um sinal de que a crise começa a afetar, mesmo que minimamente, as intenções de voto em Dilma.

Toda a estratégia montada por Lula há muito tempo previa uma eleição polarizada para ser resolvida a 3 de outubro.

Por isso, sempre que alguém aventa a possibilidade de haver um segundo turno, é acusado de “golpismo”.

Como se, como diz Marina Silva, dar mais tempo ao eleitor para se decidir fosse um ato de lesa-pátria, uma traição aos ideais democráticos.

Estranha democracia essa, que teme a confrontação direta entre os candidatos, que tem pressa em definir a eleição na primeira rodada.

Na verdade, o que os defensores da candidatura Dilma Rousseff temem, especialmente seu mentor, o presidente Lula, é que ela tenha que se expor mais ao debate durante o segundo turno, em condições de igualdade com Serra ou, mais remotamente, com Marina.

Na eleição de 2002, o presidente do Ibope dizia que, se o deputado Ciro Gomes tivesse viajado para a Austrália com sua mulher, Patrícia Pillar, e lá ficasse até o fim da eleição, estaria eleito. Ao contrário, ficou por aqui fazendo campanha e acabou pagando pela língua.

Dilma não chega a estar tão escondida quanto se tivesse viajado para a Austrália, mas tem sido protegida por um esquema palaciano o mais que é possível.

A t é m e s m o u m p ú l p i t o montaram para suas entrevistas coletivas, de forma a afastá-la dos repórteres.

Por que teria Dilma que falar sobre o caso da ministra Erenice Guerra?, pergunta o líder do governo Cândido Vaccarezza. Ora, simplesmente porque ela foi demitida da Casa Civil depois de sucessivos escândalos envolvendo sua família, e quem a colocou lá foi a própria Dilma. E porque vários dos casos denunciados ocorreram quando Dilma ainda era ministra-chefe do Gabinete Civil, e Erenice, seu braço-direito.

O que eu tenho a ver com isso?, pergunta a própria Dilma. Tudo, já que Erenice não tem existência própria sem Dilma, assim como Dilma não existe sem Lula.

Erenice não chegaria ao Ministério sem o apoio de Dilma, nem Dilma seria candidata a presidente da República sem Lula querer.

Fora isso, a demissão da ministra e as medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda para tentar conter o vazamento de dados do Imposto de Renda de políticos e seus parentes mostram que as denúncias tinham fundamento e não são meras ações eleitoreiras, como o próprio presidente alegou inicialmente.

Na reta final da campanha eleitoral, eis que mais uma vez, a exemplo do que aconteceu em 2006, os “aloprados” petistas surgem para tumultuar o ambiente político que se anunciava risonho para a candidatura oficial de Dilma Rousseff.

Hoje, os “aloprados” surgiram em diversos lugares, e, embora nenhuma ação criminosa denunciada tenha o impacto daquela de 2006, pelo menos visual — a montanha de dinheiro vivo mostrada nos jornais e na televisão era a expressão material do mal feito —, a variedade e a gravidade de crimes cometidos no entorno do PT e do Palácio do Planalto podem ter impacto semelhante.

As denúncias sobre quebras de sigilos de parentes do candidato oposicionista José Serra, e de pessoas ligadas ao PSDB, deixam claro que, em meio às tantas irregularidades que surgiram na Receita Federal, houve, sim, um aspecto político relevante, ainda mais quando se sabe que as informações sigilosas apareceram em dossiês feitos dentro da campanha petista e em blogs ligados à campanha de Dilma Rousseff.

Mas o tema é de difícil entendimento para a média do eleitorado brasileiro, e sua repercussão ficaria restrita a um eleitor mais bem informado se não surgisse essa série de denúncias de lobby com objetivos financeiros dentro do Gabinete Civil da Presidência da República.

As pesquisas, que continuam dando a vitória de Dilma no primeiro turno, mostram que, entre os eleitores que se dizem bem informados sobre as denúncias, e entre os mais escolarizados e com renda mais alta, já há uma mudança de atitude em relação à candidatura oficial.

Entre esses, a queda de Dilma e a subida de Serra e Marina já indicam que haveria um segundo turno.

Outro fator que pode influir negativamente na escolha dos eleitores é a proximidade do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu com a candidata oficial.

A palestra de Dirceu para sindicalistas em Salvador, ressaltando a força que o PT terá num futuro governo Dilma, deixou incomodados os dirigentes petistas e o Palácio do Planalto.

A imagem de Dirceu está associada à ala mais radical do PT, e ao mensalão, de cujo esquema foi acusado de ser o chefe da quadrilha pelo Ministério Público.

Sua influência num governo que não terá Lula para controlar seus “aloprados” assusta a classe média.

“Aloprados” foi como o presidente Lula chamou companheiros de partido que, na sua campanha de reeleição, se meteram em uma grossa enrascada ao tentar comprar com R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo um dossiê com supostas denúncias contra o então candidato ao governo de São Paulo, José Serra, resvalando de maneira indireta na candidatura tucana ao Palácio do Planalto, naquele ano assumida por Geraldo Alckmin.

O presidente Lula não conseguiu ganhar no primeiro turno, como todas as pesquisas de opinião indicavam, devido à repercussão do episódio, e levou uma semana para se recuperar do baque. No segundo turno, teve uma vitória exuberante sobre Alckmin.

Ainda não há indicações oficiais de que a sucessão de escândalos abalou a tendência da maioria de votar em Dilma no dia 3, como Lula está pedindo. E Lula hoje é muito mais popular do que em 2006. Mas ainda faltam 17 dias para a eleição. E, como mostra a demissão da ministra Erenice Guerra, por mais popular que seja, o presidente Lula não pode tudo.

MÍRIAM LEITÃO

A grande guerra 
Miriam Leitão 

O Globo - 17/09/2010

A demissão de Erenice Guerra do cargo de ministrachefe da Casa Civil não desobriga o governo de investigar o caso. Ele tem indícios escabrosos de tráfico de influência no coração do governo e está ligado a uma pessoa que desde 2002 tem trabalhado diretamente com a candidata Dilma Rousseff. Erenice é o elo entre este governo e o que pode ser o próximo. É preciso entender o que houve.

Há casos que começam simples e só com o tempo se complicam. Esse estourou já num grau de complexidade espantoso. A exministra parecia ser um consórcio: dois filhos, dois irmãos, irmã, ex-cunhada, assessor, mãe de assessor, irmão da mãe de assessor, marido, todos de alguma forma envolvidos em negócios ou conflito de interesses dentro do governo.

Sua primeira reação, quando começaram a ser publicados os abundantes indícios de irregularidades que a cercavam, foi fazer uma nota com timbre e autoridade do Palácio do Planalto acusando o candidato adversário de ser “aético e derrotado”. Mais uma inconveniência no meio de tantas, porque o primeiro a fazer era se explicar ao cidadão e contribuinte brasileiro.

Mas essa nota foi mais uma prova de que o Brasil não tem mais governo, tem um comitê eleitoral em plena e intensa atividade. A demissão de Erenice, que ninguém se engane, não é um tardio ataque de moralidade.

É o resultado de um cálculo eleitoral. A dúvida era o que poderia atingir a candidata Dilma Rousseff — manter Erenice, insistindo na tese de que ela era vítima de uma jogada eleitoral, ou demiti-la para tentar reduzir o interesse no caso? Nada do que foi divulgado pode acontecer num governo sério. Filhos de ministra não podem intermediar negócios, não podem cobrar “taxas de sucesso”; assessor de ministra não pode ser filho da dona da empresa que faz a defesa de interesses dentro do governo; marido da ministra não pode estar num cargo público que dê a ele o poder de decidir sobre o fechamento do contrato que está sendo negociado. Ministra não faz essas estranhas reuniões com fornecedores do governo. Há outras impropriedades, mas fiquemos nessas primeiras.

A manchete da Folha de ontem trouxe a arrasadora entrevista de um empresário que, munido de emails e cópias de contratos, diz que foi vítima de tentativa de extorsão ao pedir um empréstimo no BNDES. Além das taxas variadas e dos milhões que ele afirma ter sido pedido para a campanha da candidata do governo, chegou a ser pedido 5% num empréstimo de R$ 9 bilhões.

Se ele fosse concedido, isso seria R$ 450 milhões.

Erenice Guerra trabalhou com Dilma Rousseff desde a transição, foi seu braço-direito, a enviada especial a missões difíceis, a pessoa a quem ela entregou o cargo quando saiu, em quem tinha absoluta confiança. O vínculo não é criado pela imprensa, não é ilação, são os fatos.

Esse não é o caso apenas do filho de uma ex-assessora, como Dilma disse no seu último debate. Esse é um conjunto assustador de indícios de um comportamento totalmente condenável no trato da questão pública.

Não é importante quem ganha a eleição. É importante como se ganha a eleição.

A democracia estabelece que o vencedor é aquele que tem mais votos e ponto final. Cabe aos eleitores dos outros candidatos respeitar a pessoa eleita, a estrutura de poder que ele representa e torcer pelo novo governo. Portanto, ao vencedor, o poder da República por um mandato. O problema é quando um grupo, para se manter no poder, usa a máquina pública como se fosse de um partido, quando um governo inteiro se empenha apenas em defender uma candidatura, e não o interesse coletivo, quando sinais grosseiros de mau comportamento são tratados com desleixo pelas maiores autoridades do país, sob o argumento de que se trata de uma briguinha eleitoral.

Nada do que tem acontecido ultimamente é aceitável num país de democracia jovem, instituições ainda não inteiramente consolidadas e desenvolvidas.

Não importa quem vai ser eleito este ano, o que não pode acontecer é o país considerar normal esse tipo de comportamento que virou rotina nos últimos dias.

As atitudes diárias do presidente da República demonstram que oito anos não foram o bastante para ele entender a fronteira entre o interesse coletivo e o do seu partido; entre ser o governante de todos os brasileiros e o chefe de campanha da sua escolhida; entre popularidade e indulgência plenária para todo o tipo de comportamento inadequado.

O país pode sair desta eleição derrotado em seu projeto, o único projeto que é de todos os brasileiros: o de construir uma democracia sólida, instituições permanentes e a concórdia entre os brasileiros.

O caso Erenice Guerra é assustador demais para ser varrido para debaixo do tapete.

Os indícios são de que a punição aos envolvidos no escândalo do mensalão, que agora respondem na Justiça por seus atos, não mudaram os padrões de comportamento dentro do governo. A Casa Civil não pode estar sempre no noticiário de escândalos.

É, na definição da candidata Dilma Rousseff, o segundo mais importante cargo do governo. Se é tudo isso, que se faça uma investigação do que havia por lá. Mas que não seja mais um “doa a quem doer” de fantasia; que não seja a apuração que nada apura, que perde prazos, que confunde e acoberta. Não é uma eleição que está em jogo. Ela pode já estar até definida a esta altura, com tanta vantagem da candidata governista a 15 dias da eleição. O que está em jogo é que país o Brasil escolheu ser, neste momento tão decisivo de sua história. Essa é a verdadeira guerra.

LUIZ GARCIA

Rancor e paranoia
LUIZ GARCIA
O GLOBO
Ninguém discute: José Dirceu diz o que pensa. Outro dia, num sindicato de petroleiros, denunciou uma conspiração da mídia com a oposição, com apoio ostensivo — não estou brincando — do Supremo Tribunal Federal, para sabotar praticamente tudo de bom que Lula e o PT tentam fazer pelo Brasil.

Para ele, a mídia abusa do poder de informar(?), pratica monopólio e nega o direito de resposta e o direito de imagem.

É claramente um discurso paranoico.

Quase não vale a pena rebater, mas não custa lembrar que informar não é um poder, mas uma obrigação dos meios de comunicação. E que o direito de resposta é regulamentado em lei. Nenhuma empresa de comunicação se atreve a negá-lo, quando determinado pela Justiça. Nem poderia, obviamente.

E é brincadeira falar em monopólio da informação — mesmo numa cidade com apenas um grande jornal, como acontece agora no Rio — quando, além da TV, do rádio e da imprensa, a circulação de informações pela internet expõe a opinião pública a uma massa de fatos e opiniões como nunca antes na história do planeta.

Os petroleiros foram também informados por Dirceu que os votos do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, são na verdade discursos políticos. O que permite a especulação de que não sabia que havia repórteres na plateia. Afinal ele é o mais proeminente réu no processo do mensalão, o maior escândalo político e policial do governo Lula. E que o STF vai julgar qualquer dia desses.

Dirceu disse também, em tom acusatório, que “os tribunais brasileiros estão formando jurisprudência”. Esqueceu-se de informar aos petroleiros que a jurisprudência nasce exclusivamente de decisões de juízes e tribunais. Em outra pérola do pensamento dirceísta, há uma conspiração da oposição com a imprensa — sem exceções, o que é realmente extraordinário — para impedir a aprovação de projetos do governo.

Esse discurso paranoico e rancoroso não é característico da administração petista. Lula não parece ter qualquer motivo para sentir raiva da vida. Por isso mesmo, é provável que não tenha a menor vontade de se solidarizar com a amargura explosiva de seu antigo todopoderoso auxiliar. E Dilma, que deve sua recentemente inaugurada carreira política ao buraco em que Dirceu se meteu, muito menos. O que talvez ajude a explicar o rancor e a paranoia.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Ministério da Justiça aperta cerco contra cartéis 
Maria Cristina Frias

Folha de S.Paulo - 17/09/2010

A SDE (Secretaria de Direito Econômico) investe, a partir deste ano, em laboratórios forenses estaduais para investigação de cartéis.

As primeiras unidades são em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraíba e receberam aporte de R$ 1,6 milhão. Os locais são vinculados ao Ministério Público.

A iniciativa vem do projeto de descentralização do combate a cartéis. Antes, o processo era realizado isoladamente pela SDE e com caráter administrativo.

Em 2003, o órgão passou a assinar convênios com Ministérios Públicos Estaduais para ampliar técnicas de investigação e conseguir que o Judiciário aplicasse sanções penais às ocorrências. Hoje, já são 23 acordos.

Um exemplo da nova fase foi a condenação, neste mês, da White Martins, de gases industriais, a pagar 50% de sua receita bruta -R$ 2,2 bilhões- a maior sanção do tipo já aplicada no país.

"Os laboratórios trarão provas mais robustas, casos mais céleres e que vão culminar na aplicação de sanções mais severas", afirma Mariana Tavares de Araújo, secretária de direito econômico.

A função da secretaria se voltará para a coordenação das operações e o envio de subsídio técnico às autoridades criminais, segundo ela.

Para o ano que vem, estão programados outros R$ 2 milhões para laboratórios em Minas Gerais, Amazonas, Rio Grande do Norte e Piauí.

As unidades não serão abertas em todos os Estados, pois as investigações serão centralizadas por região nas unidades existentes.

Ritmo nos Negócios 
A Matisse avança na área de entretenimento. Por meio da F. Frison, braço de promoções e eventos, a agência comprou os direitos de uso da marca Ultra Music Festival até 2015.

O investimento no primeiro ano é de R$ 6 milhões. "O objetivo é ter dentro da empresa todas as ferramentas de atração. A comunicação sem entretenimento não tem futuro, não consegue chamar a atenção necessária", diz Dalva Fazzio, presidente da agência.

O primeiro festival no país, que começou há 12 anos em Miami, será em novembro, em São Paulo.

"A partir do ano que vem, o evento será realizado duas vezes por ano, uma em São Paulo e uma em outra capital", diz Fazzio.

O mercado de entretenimento tem potencial para crescer no país, segundo ela. "Com a entrada de novos consumidores, a classe C, o consumo está maior e o mercado está cada vez mais profissionalizado."

Em breve, a Matisse vai anunciar a criação de uma nova empresa, voltada para a área cultural. A agência projeta aumento de 20% para o faturamento deste ano.

Decepção com o Trabalho 
A frustração profissional é a principal causa do estresse no trabalho, segundo pesquisa da Weigel Coaching, especializada em comportamento e desenvolvimento de equipes corporativas.

Ao todo, 61% dos 500 profissionais entrevistados em empresas de todos os portes não estão plenamente satisfeitos com a situação profissional. Cerca de 47% dos respondentes desejam valorização e 21% buscam possibilidade de crescer.

A frustração ocorre, em especial, pela falta de percepção da estrutura das empresas.

"Profissionais questionam que retorno terão pelo esforço extra e pelo aumento das responsabilidades", diz Jaqueline Weigel, diretora-geral da consultoria.

Hoje, segundo Weigel, falta clareza das empresas sobre os objetivos da organização, assim como as responsabilidades de cada cargo.

Investimentos...A Agência de Fomento Paulista da Nossa Caixa Desenvolvimento atingiu R$ 150 milhões de desembolso para pequenas e médias empresas de SP.

...em altaOs financiamentos são destinados a projetos de investimento, compra de equipamentos ou capital de giro. Mais de mil operações foram feitas. A indústria lidera o ranking com 83% dos financiamentos liberados, seguida de 10% do comércio e 7% da área de serviços.

Mão na massaA ArcelorMittal ampliou o seu programa de capacitação para pedreiros e mestres. Além de Minas e São Paulo, também serão capacitados cerca de 2.000 profissionais em seis Estados, mais o DF. O curso é gratuito.

Negócios...O 4º Encontro Internacional de Negócios, que ocorreu na convenção da Associação Brasileira de Supermercados, terminou ontem com a estimativa de gerar 15% a mais de negócios do que em 2009, em que as vendas somaram US$ 50 milhões.

...em supermercadosCerca de 30 empresas, de 22 países, participaram das reuniões, com destaque para companhias do Oriente Médio. Empresas do Bahrein devem comprar produtos brasileiros de maior valor agregado, como arroz tipo gourmet.

PanosO segmento de cama, mesa e banho teve alta de 1% nas vendas, na primeira quinzena de setembro ante igual período de agosto, segundo o sindicato do setor.

Para Pequenos
De cuidados para animais de estimação à manutenção de jardins e piscinas. Essas são duas das sete marcas de microfranquias do Grupo Zaiom Brasil, que vai abrir até o final deste ano mais cem unidades.

A meta da empresa, que nasceu há dois anos, é fechar o ano com 500 franquias. São negócios com baixo investimento, de R$ 20 mil, e que não precisam de ponto comercial.

"Na microfranquia, o empreendedor se identifica com a sua profissão", diz Artur Hipólito, sócio e presidente do grupo.

Segundo ele, é comum ver médicos ou enfermeiros com a franquia de cuidadores de idosos e psicólogos e pedagogos com a de reforço escolar, por exemplo.

São Paulo representa 25% das operações do grupo. "Estamos crescendo nas capitais do Nordeste."

O grupo se prepara para a internacionalização em 2011. As negociações estão avançadas com o México.

CELSO MING

Mais de quase nada 
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 16/09/2010

Há meses, o ministro Guido Mantega avisa que está preparando um pacote de decisões do governo destinadas a evitar a excessiva valorização do real, mas não consegue inventar nada de especialmente poderoso para reverter a tendência do câmbio.

Apesar da multiplicação das advertências de que a saída de dólares por meio do forte aumento das importações pode provocar fuga de capitais, continua entrando mais moeda estrangeira do que saindo e isso empurra as cotações do câmbio para baixo.

Mas o que fazer para reverter esse jogo que vai tirando competitividade do setor produtivo brasileiro, porque encarece em dólares os bens exportáveis que têm custos em reais?

O problema começa quando se pretende definir o que é "excessiva valorização do real", o que implica eleger um piso abaixo do qual o governo não deixará que as cotações deslizem.

Em seguida, trata-se de saber como agir. Como não dá para voltar ao câmbio fixo, fazer alguma coisa será quase inevitavelmente tirar mais de quase nada. É, por exemplo, levar o Banco Central a aumentar suas compras de moeda estrangeira e incrementar as reservas. Mas já se viu que, além do custo da operação, hoje de US$ 18 bilhões por ano, essa exibição de exuberância contribui para atrair ainda mais moeda estrangeira ou para impedir que saia (o que dá mais ou menos no mesmo), e, dessa maneira, injetar mais combustível para uma maior valorização do real.

A ideia de acionar as compras de moeda estrangeira por meio do Fundo Soberano do Brasil também não muda em muito as coisas. Para isso, o Fundo deverá contar com abundantes recursos fiscais, o que não acontece. E adquirir dólares com reais obtidos com a venda de títulos públicos significa aumentar o endividamento bruto para obter efeito limitado.

Às vezes, o ministro Mantega lamenta a forte entrada de dólares no mercado de ações e no de renda fixa. No entanto, quem quer capitalizar a Petrobrás na maior operação dessa natureza em todos os tempos; quem quer arrumar mais recursos para Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Eletrobrás e para as empresas brasileiras que precisam crescer tem de aceitar a maciça entrada de dólares. Quem quer borboletas tem de tolerar a ação das lagartas - já ensinava o Pequeno Príncipe.

A Selic, é claro, precisa cair para reduzir a desproporção entre juros internos e externos e, assim, evitar a especulação. Mas, ao contrário do que tanta gente pensa, os juros altos demais no Brasil não são manifestação de perversidade do Banco Central. São consequência do que está aí, que, no fundo, tem a ver com o baixo índice de poupança interna e com a enorme propensão ao aumento do gasto público, que obriga o Brasil a ter a dívida que tem.

Também não faz sentido taxar com IOF a entrada de capitais, num momento em que o País precisa desesperadamente de recursos para desenvolver o pré-sal, o trem-bala, as obras da Copa do Mundo, da Olimpíada e para tanta coisa mais.

A falta de opções pode ser chocante, mas é um dado da realidade. Para compensá-la, não faz sentido pretender segurar o dólar no grito. A economia do Brasil está pagando no câmbio o preço do bom desempenho até mesmo durante a maior crise desde os anos 30.

A arrecadação bombeia
A arrecadação do governo federal segue batendo recordes. Foi em agosto 15,3% mais alta do que em agosto de 2009. E na acumulada do ano foi 12,6% mais alta.

É o consumo...
O principal fator que puxou a arrecadação foi o forte crescimento das vendas, de 14,2%, no período de sete meses imediatamente anterior a agosto. É mais um indicador que confirma a expansão do consumo em consequência do aumento das despesas públicas, do avanço do crédito e do esticão da massa salarial.

ANCELMO GÓIS

Esquerda, volver 
Ancelmo Góis 

O Globo - 17/09/2010

Quem sugeriu esta visita do ator Benicio Del Toro ao Brasil foi seu amigo Oliver Stone, diretor de “Ao sul da fronteira”, filmepropaganda de Hugo Chávez, e que esteve aqui em maio.

Del Toro, que brilhou como “Che”, também morre de amores pelo regime venezuelano.

Segue...Ontem, o ator esteve com a direção do MST e deixou escapar que o movimento pode ser tema do seu próximo filme.

Ele também estuda interpretar Diego Maradona, outro personagem próximo da esquerda tradicional na América Latina.

IolandaO cubano Pablo Milanés, do sucesso “Iolanda”, veio ao Rio esta semana, reencontrar-se com o amigo Chico Buarque, autor da versão em português.

O artista, que sempre esteve ao lado de Fidel, recentemente fez críticas ao regime.

Santa Marta é point
O lançamento de “Tropa de Elite 2” no Rio será numa favela libertada pela UPP. A ideia foi aprovada pelo coronel Robson Rodrigues, que comanda as unidades.

A escolhida deve ser Santa Marta ou Batan, as primeiras comunidades libertadas.

No maisLula merece ganhar o Oscar de marketing. A queda de Erenice Guerra revelou ao mundo que o presidente tem portavoz! É Marcelo Baumbach, que ontem apareceu para dar notícia ruim, a saída da ministra.

Na hora de faturar, é com o chefe mesmo.

Clube dos 2 milhões
“Nosso lar”, o filme de Wagner de Assis, chegou quarta a 2 milhões de espectadores.

O longa foi inspirado no livro psicografado por Chico Xavier, que, veja só, também vendeu 2 milhões de exemplares

COMEÇA MÊS que vem a construção do Centro de Trauma e Tratamento de Queimados (fotos) do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, numa área de 12.278 metros quadrados. Ao todo, serão 82 leitos (34 para pacientes queimados e 48 para politraumatizados).

A ideia, segundo a Secretaria estadual de Saúde do Rio, é fazer um centro de referência seguindo padrões internacionais, com velocidade no atendimento. As obras custarão R$ 56 milhões, e parte delas será custeada pela Petrobras. O prazo para o fim das obras é de nove meses. A turma da coluna está na torcida — e vai cobrar

Mitos vadiosIvald Granato, o pintor e escultor, reeditará a manifestação Mitos vadios, que fez em 1978, com Hélio Oiticica, para contestar (na época) a primeira e última Bienal Latino-Americana.

Só que, desta vez, a convocação para o protesto é feita por um instrumento do século 21 — o Facebook.

Segue...Granato está chamando artistas plásticos pela rede social, e já são uns 400, para o protesto contra a Bienal, em São Paulo, dia 21 agora.

O curadorConsiderado pela revista inglesa “Art Review” um dos mais influentes no mundo da arte contemporânea, o curador suíço Hans Ulrich Obrist chega ao Brasil amanhã para lançar o 3ovolume de sua série de entrevistas, pela editora Cobogó, e colher novo material, conversando, por exemplo, com Oscar Niemeyer

Foooogo!Ontem, durante o incêndio da Reduc, a refinaria da Petrobras em Duque de Caxias, no Rio, os seguranças da estatal tentaram impedir a entrada do Corpo de Bombeiros no local.

Acredite. O comandante da unidade teve de dar ordem de prisão ao chefe de segurança da companhia para conseguir entrar e conter o fogo.

Chegou o NatalA árvore de Natal da Bradesco Seguros completa 15 anos agora em 2010.

Sábado, os flutuadores, que formam a base de 810 metros quadrados da árvore, vão ser transportados para a Lagoa Rodrigo de Freitas. O tema deste ano será “Uma estória de reencontros”.

A inauguração será dia 4 de dezembro.

Despejo no Jockey
O Jockey Club ganhou ação na Justiça do Rio que manda despejar, por falta de pagamento, a família Mantuano, inquilina do estacionamento e da antiga bilheteria do Hipódromo da Gávea, onde funciona um restaurante.

Rock in chuva
Roberto Medina contratou o Cacique Cobra Coral para proteger o Rock in Rio, que acontecerá em 2011, das chuvas.

Resta saber se é crendice ou marketing do publicitário

Saliência
Outro dia, o canteiro de obras de Angra III teve que acionar um serviço de limpeza para a estação de tratamento de esgoto por causa de um entupimento dos banheiros.

Motivo: muitas camisinhas.

WASHINGTON NOVAES

Cidades verticais, civilização rural?
Washington Novaes 
O Estado de S.Paulo - 17/09/10



Na época em que morou no Rio de Janeiro, de meados da década de 1960 ao início da de 1980, o autor destas linhas se assustava com a rapidíssima verticalização da até ali amena "Cidade Maravilhosa", a partir da derrubada do gabarito de quatro pavimentos nas praias de Ipanema e do Leblon, seguida pelo início da ocupação intensa de São Conrado e da Barra da Tijuca, até então lugares quase só de piqueniques e praias prolongadas dos poucos donos de automóveis. Dizia, por isso, em tom de blague, que chegaria o dia em que derrubariam o Pão de Açúcar para, com o material de demolição, aterrar a Lagoa Rodrigo de Freitas e, nela e nos vizinhos Jockey Club e Jardim Botânico, erguer imensos edifícios. Passados 30 anos, a lagoa não foi aterrada, mas, assoreada por esgotos e outros materiais, já provoca enchentes nas chuvas mais fortes; discute-se se uma parte do Jardim Botânico deve ou não ser atribuída a moradores; e, agora (Estado, 10/9), informa-se que o Jockey Club do Rio já negocia 20% de sua área para construção de edifícios de escritórios, um centro comercial e um centro médico.

Será esse um destino inescapável das cidades brasileiras? Há uns dois meses (Estado, 17/6), o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo (Condephaat) decidiu tombar a área ocupada pelo Jockey Club de São Paulo, que também pretendia ceder cerca de 100 mil metros quadrados para a construção de torres comerciais e um shopping center - seguindo uma tendência de verticalização ainda mais forte que a do Rio. Um mapa da verticalização de São Paulo (Cia. de Imprensa, 25/8) mostra que entre 1990 e 2000, segundo dados do IBGE, os bairros do Jabaquara, Moema, Pinheiros e Ibirapuera registraram mais de oito domicílios novos por metro quadrado de solo.

Há outros bairros com tendência semelhante, ainda mais lembrando que o mesmo IBGE prevê que São Paulo terá mais 600 mil habitantes em dez anos. No Rio, o Tribunal de Contas do Município mostra (O Globo, 27/6), preocupado, que a expansão urbana levou à ocupação de áreas de preservação ambiental por 65 favelas (eram 17 em 2003).

Qual será o caminho adequado? O adensamento de áreas já edificadas, para impedir que novas ocupações nas periferias exijam do poder público altos investimentos (sem recursos disponíveis) na instalação de todas as infraestruturas urbanas (viária, de energia, saneamento, educação, saúde, segurança, transporte, lazer, etc.)? Mas esses adensamentos também não geram problemas indesejáveis (congestionamentos, poluição, insegurança, etc.)? Será o IPTU progressivo para áreas não edificadas e imóveis ociosos (420 mil na capital) uma solução? Não vamos chegando a um tempo em que até a ocupação de áreas por cemitérios se torna problemática, como em São Paulo, com geração de necrochorume e contaminação do solo e da água em 40 deles (Estado, 24/5)? Problemas como os de São Paulo não se repetem da mesma forma em toda uma rota de cidades "médias" que chegam ao Triângulo Mineiro?

Ao que parece, chega-se a um momento em que a questão terá de ser repensada de forma muito ampla. Vários estudos nos últimos anos têm mostrado o agravamento do problema na mesma proporção em que se acentua a urbanização no mundo. Já chegamos a mais de 50% da população global vivendo em áreas urbanas - o que amplia muito certas necessidades, como as de transporte, energia, habitação, alimentação industrializada, etc. A China, em poucas décadas, urbanizou mais de 300 milhões de pessoas e multiplicou suas necessidades de energia (e as emissões poluentes, pelo uso intensivo do carvão). Ainda vai urbanizar mais 100 milhões. A Índia, quando se discutem mudanças climáticas, tenta demonstrar sua impossibilidade de renunciar ao carvão mineral como fonte energética, já que 400 milhões de indianos ainda não dispõem de energia elétrica.

Só que o caminho da urbanização progressiva, que é parte do modelo industrial/civilizacional que vivemos, já se mostra inviável. Estudo recente publicado na revista Science por Steven Davis e vários outros cientistas dos EUA e do Canadá (Agência Fapesp, 10/9) mostra que as atuais tecnologias disponíveis são insuficientes para manter a concentração de dióxido de carbono na atmosfera em nível (até 450 partes por milhão) que não permita a temperatura do planeta subir mais que dois graus Celsius. Só com as estruturas atuais, sem um só automóvel novo ou novas fábricas, a emissão de dióxido de carbono adicionará em 50 anos mais 496 bilhões de toneladas à atmosfera. E com isso a temperatura se elevará em mais 1,3 grau (já subiu 0,6). Se a concentração de poluentes na atmosfera, hoje em 385 partes por milhão, continuar subindo e ultrapassar 450 partes por milhão, a temperatura poderá subir além de 2 graus, com consequências gravíssimas.

Mas continuamos a urbanizar. A colocar no mundo 170 mil automóveis novos por dia. E essa e outras fontes poluidoras, principalmente combustíveis fósseis, seguem, segundo a Agência Internacional de Energia, recebendo US$ 557 bilhões anuais em subsídios de governos, enquanto as energias "limpas" e renováveis recebem US$ 46 bilhões. Para onde irá o chamado padrão civilizatório?

O professor Ignacy Sachs, mestre de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris, defende, na revista Estudos Avançados, da USP, um modelo que se assente no tripé biodiversidade-biomassas-biotecnologias, que permita a países tropicais como o Brasil "um novo ciclo de desenvolvimento rural", que configure "civilizações modernas do vegetal, movidas a energia solar captada pela fotossíntese". Seria um modelo capaz de manter populações na zona rural, com renda e dignidade; produzir bioenergias, adubos verdes, materiais de construção, matérias-primas industriais, insumos para química verde, farmacopeia e cosméticos. É um tema que precisa ir com urgência para nossa pauta política.