domingo, julho 11, 2010

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Mais uma tentativa de tutela
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 11/07/10

Sob a justificativa de melhorar a qualidade de vida dos brasileiros e atender a determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) baixou, no final de junho, uma resolução que obriga os produtores de bebidas não alcoólicas e alimentos industrializados a informar nas embalagens os males causados por produtos com alto teor de sal, açúcar e gordura saturada. A resolução deu prazo de seis semanas para que os fabricantes incluam frases de advertência e mensagens de alerta nos pacotes de seus produtos, e impôs várias exigências para o uso de desenhos e personagens na propaganda impressa ou televisiva.

Para os burocratas da Anvisa, a iniciativa representa um avanço na defesa da saúde da população, na medida em que poderá resultar, a médio prazo, na diminuição de doenças coronarianas, doenças renais, diabetes, obesidade e cáries dentárias. Nos meios empresariais e jurídicos, no entanto, a resolução foi recebida como mais uma tentativa de cerceamento da liberdade de escolha dos consumidores e pode acabar sendo questionada nos tribunais pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação, por colidir com o capítulo dos direitos e garantias fundamentais da Constituição.

O motivo da polêmica está no modo como a resolução foi editada. O consumo de alimentos industrializados com alto teor de sal, açúcar e gordura é um problema que decorre basicamente dos hábitos da população. Mas, em vez de tentar mudá-los por meio de campanhas informativas e educativas, planejadas com o objetivo de estimular os consumidores a assumir comportamentos mais saudáveis, a Anvisa optou pela estratégia intervencionista que se tornou uma das marcas do governo Lula. A exemplo do que ocorreu com as tentativas de controlar as atividades jornalísticas, os meios de comunicação e a produção cultural, a agência também levantou uma bandeira "politicamente correta", intrometendo-se na vida das pessoas e intervindo no domínio da iniciativa privada, em especial nas atividades de marketing e propaganda comercial.

O viés dos burocratas da Anvisa ficou evidente desde a apresentação da primeira minuta da resolução, há cerca de três anos. Ela era tão drástica que chegava a proibir a veiculação de propaganda de alimentos industrializados ? mesmo com frases de advertência ? pelo rádio e pela televisão entre as seis horas da manhã e as oito horas da noite. Também vedava a distribuição de brindes, a realização de promoções e até a utilização das figuras, desenhos e personagens mais admirados pelas crianças nos comerciais. Diante da flagrante inconstitucionalidade do texto, a Advocacia-Geral da União recomendou à Anvisa que o modificasse, reduzindo o alcance das proibições e escoimando o texto de suas aberrações. Mas, apesar da remoção das passagens mais radicais, o novo texto da resolução da Anvisa continua sendo inconstitucional, uma vez que, pela Carta de 88, as atividades de publicidade comercial somente podem ser disciplinadas e regulamentadas por lei devidamente aprovada pelo Congresso. E, no mérito, a resolução se destaca por uma visão autoritária, que considera os cidadãos incapazes de tomar decisões ? e, por consequência, dependentes de uma autoridade que os guie e tutele.

Exemplo disso foi dado recentemente pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, numa entrevista em que comentou os resultados da Lei Seca e defendeu a necessidade de induzir a população a reduzir o consumo de bebidas alcoólicas. Em ato falho, ele afirmou aos repórteres que a sociedade americana precisou, naquele momento, "de um pai, de um limite".

Essa é a lição elementar que não só o ministro da Saúde, mas também todos os dirigentes indicados no governo Lula para a agência reguladora não aprenderam. Se, desde a redemocratização do País, os brasileiros podem exercer os mais elementares direitos civis, inclusive escolher seus dirigentes pelo voto direto, por que precisam de burocratas que lhes digam, por meio de resoluções absurdas, o que podem ou não podem comprar e o que podem ou não podem comer no dia a dia?

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

PATRULHA LABIAL
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
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SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Alfajores
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/07/10
Cerca de 40% torcedores argentinos optam pela Laranja Mecânica hoje na decisão da Copa contra a Espanha.
A justificativa é simples: o príncipe Willem-Alexander, herdeiro do trono holandês, é casado com a portenha Máxima Zorreguieta.
Planilha verde
André Lara Resende, Edmar Bacha, Eduardo Giannetti, Gustavo Franco, José Roberto Mendonça de Barros, Pérsio Arida e Luiz Gonzaga Belluzzo estão entre os 15 entrevistados do livro O que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade. A organização é de Ricardo Arnt.
Lançamento previsto para agosto. E sai pela Editora 34.

Olho mágico
Definido o novo modelo de relógio digital que será instalado na cidade de São Paulo. Além de filmar o que acontece nas ruas, o cuco informará sobre acidentes, alagamentos e sugestões de desvios no trânsito.
Só precisa agora que os vereadores aprovem as regras da licitação do mobiliário urbano.

Dose dupla
Não foi só Maria Adelaide Amaral quem reviu a novela Ti ti ti, de 1981.Rita Lee, autora da trilha sonora, fez o mesmo.

Difícil, a vida fácil
O filme sobre Bruna Surfistinha, O Doce Veneno do Escorpião, ainda está com seu orçamento de R$ 5 milhões em aberto. Mesmo sendo estrelado por Deborah Secco.
A produtora TV Zero vê preconceito e conservadorismo, pois a trama fala de prostituição.
Katia Avillez, Lidia Goldenstein e Waldick Jatobá estão em contagem regressiva. Em junho do ano que vem, o trio abre a Design São Paulo - mostra inspirada em salões montados nas cidades de Milão, Paris, Londres e Miami. "É um caminho para projetar nossos designers lá fora", justifica Jatobá, idealizador do evento e colecionador de arte. E aproveitando que a exposição acontece simultaneamente à SPFW, o executivo fechou acordo com Paulo Borges. "Moda e design é um casamento que só pode dar certo", completa.
Responsabilidade social
Encontro de mestres. Especialistas de 17 países em cirurgia minimamente invasiva da coluna vertebral desembarcam em SP para o 2º Cominco. A partir do dia 22, no Sheraton.
DeMillus, fabricante de lingerie, dá exemplo de solidariedade. Doará 8.000 peças de roupas íntimas às vítimas das enchentes em Pernambuco.
Tico, filho de Amilton Godoy do Zimbo Trio, capacita jovens de baixa renda para trabalhar no mercado da música. Trata-se do projeto Buchanan"s Forever.
A Dufry financia centro social que apoia 600 crianças e mães, prevenindo o abandono infantil, em Igarassu, região metropolitana de Recife.
O Hospital de Câncer de Barretos comemora. Ganhou da Scania dois caminhões que vão percorrer o Brasil fazendo prevenção e diagnósticos de câncer.
Com a participação de 8.000 funcionários, a Copa Voluntário Gerdau desenvolve ações de sustentabilidade em escolas da rede pública.
Roqueiros famosos vão desfilar como garçons na noite beneficente Nem Tudo Acaba em Pizza. Em prol da Liga Solidária. Amanhã, no restaurante Chácara Santa Cecília.
Doze funcionários da Telefônica na Europa e na América do Sul vão pegar no batente durante férias no Brasil. Serão voluntários em entidades que combatem o trabalho infantil em Santos.
A agência Agnelo criou campanha contra tortura e maus tratos para a OAB-SP. Produziu spot de rádio e banner que estimulam denúncias pelo 181.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

A Copa num boteco do Leblon

JOÃO UBALDO RIBEIRO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/07/10


-Alencar, tristeza do Ceará, me traz um chope de emergência! Nada de papo antes de eu aplicar esse chope, meu metabolismo ainda está desequilibrado.
- É, você está atrasado mesmo, cheguei a pensar que não vinha mais.
- É, e eu quase não venho mesmo. Eu não aguento mais a Copa, não quero mais saber desse assunto, pra mim esse papo de Copa morreu, já estou nas Olimpíadas e olhe lá. Por mim, o Chico trocava de canal aí e botava no Reino Animal. Não, Reino Animal não, já enchi o saco de bicho, com essa Copa na África. Desliga a tevê, então, é melhor, ninguém vai perder nada. E o primeiro que tocar uma vuvuzela eu abato a tiros! Quiseram proibir essa desgraça, mas disseram que não podia, porque é tradição cultural. Já pensou, na Copa de 14, todo mundo tocando cuíca no estádio? Cuíca também é cultura. Eu não aguento mais besteira, não quero mais saber de papo de Copa.
- Mas ninguém aqui estava falando em Copa, você é que já chegou fazendo um discurso sobre a Copa.
- Pois é, eu quis logo prevenir. Eu sou admirador do povo americano, que por sinal está ficando bom de bola. Foi garfado mais de uma vez nesta Copa, mas está melhorando e, quando eles resolverem se dedicar mesmo, você vai ver. Dentro de alguns anos, vão disputar uma final de Copa com os japoneses, escreva o que eu estou dizendo. Pois é, eu sou grande admirador do povo americano e outro dia aprendi um grande ditado americano que eu não conhecia e é perfeito. É o seguinte: Me mostre um bom perdedor e eu lhe mostro um perdedor. Sacou? Aprendeu a perder bem, aprendeu a perder, ponto final. Esse negócio de perder bem não tá com nada, não tem nada de perder bem, essa conversa de esportividade é pra enganar perdedor.
- Taí, eu não sei se concordo com você. Você viu como é que foi a chegada da seleção da Argentina a Buenos Aires? Foram milhares de torcedores, uma festa.
- Foi somente pra não dar o braço a torcer, até parece que você não conhece argentino. Não, não tem nada que dar festa pra perdedor, tinha que ser como no tempo da União Soviética, a boa e velha Cortina de Ferro. Quando o time deles dava vexame, eles mandavam todo mundo, dos jogadores ao roupeiro, para uma temporada de pelo menos 15 anos na Sibéria, é assim que está certo, todo mundo lá na Sibéria. Você sabe como é que eu acho que a seleção devia ter sido recebida aqui?
- A seleção se dispersou na volta, cada um foi pra seu lado.
- Pois, não tinha nada que permitir isso, tinha que manter todo mundo junto, que era para serem recebidos aqui no Rio de Janeiro, você sabe como?
- Não sei, não sei se, nesse caso, pegava bem um caminhão dos bombeiros.
- Mas quem está falando em caminhão dos bombeiros? Caminhão da Comlurb! Eles tinham que desfilar num caminhão da Comlurb!
- Que é isso, cara, isso é radicalismo, vamos ser um pouco mais realistas. Teve muito time bom, nessa Copa.
- Então você viu outra Copa. Você e os comentaristas. Quando a Argentina começou, eu não me esqueço de uns alegres como você mesmo, com a conversa de que a Argentina isso e aquilo e Messi não sei o que, o que se viu foi o Maradona ainda mais atochado do que já é, olhando as quatro bolas que a Alemanha enfiou neles. E podia ter enfiado mais, se alemão soubesse jogar bola.
- Que é isso, cara, como é isso de "se alemão soubesse jogar bola", tá na cara que eles jogam bola, você está querendo tapar o sol com uma peneira.
- Jogam. Muito. Jogaram muita bola, quando perderam da Sérvia. E jogaram muita bola, quando os espanhóis botaram eles na roda. Eles jogaram muita bola porque a Argentina não estava com nada, isso é que é a bola deles! Eu sou mais o Uruguai.
- Ah, não, isso não. O Uruguai pode jogar com muita garra, muito amor à camisa, mas o time é fraco.
- É fraco, mas perdeu roubado da Holanda. Se não tivesse sido roubado, talvez agora a final fosse com ele. Você viu que tinha um holandês impedido, atrapalhando o goleiro do Uruguai, na jogada do gol da Holanda. Tungaram o Uruguai. Aliás, os dois Guais podiam ter se dado melhor, o Paraguai também podia ter se dado melhor.
- Qual é, também aí é exagero.
- Exagero pra você e os comentaristas. Hoje está todo mundo babando com a seleção espanhola, mas, se o Paraguai não perde um pênalti por afobação, a Espanha bem que já podia ter ido pra cucuia. Ou seja, está demonstrado que nesta Copa ninguém está com essas bolas todas e tem sido tudo uma questão de detalhe.
- Espere aí, não concordo. Você não pode dizer que um time como o da Alemanha...
- Só chegou até aí porque entrolharam a Inglaterra! Você está esquecido? Se o juiz dá aquele gol da Inglaterra, eu queria ver onde a Alemanha estaria agora.
- Bom, por esse tipo de raciocínio seu, qualquer time podia entrar nessa final.
- Exatamente, exatamente. Inclusive o time do Dunga. O que me dói é isso.

ARNALDO NISKIER

O que falta é vontade política
ARNALDO NISKIER
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/07/10

A má qualidade da educação pública opera a favor da desigualdade social; são aconselháveis parcerias público-privadas para o setor



Nada menos de 21 Estados brasileiros deixaram de aplicar R$ 1,2 bilhão de reais no ensino básico em 2009. A acusação é do Ministério da Educação (MEC). Esses recursos não foram repassados ao Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). Foram desviados para outras atividades, possivelmente menos prioritárias.
Não é pouco dinheiro: no Rio foram R$ 28 milhões, mas em São Paulo a irregularidade foi superior a R$ 600 milhões. Se isso acontece e é denunciado publicamente, pode-se inferir que a perda é da própria educação, no seu conjunto. Devemos louvar o esforço do ministro Fernando Haddad. Ao falar no "Seminário Internacional de Avaliação de Professores da Educação Básica", no Rio de Janeiro, foi bastante enfático na defesa da cultura da avaliação, de que andamos divorciados por tanto tempo.
Mostrou que o Ideb representa um avanço considerável, com a radiografia, hoje, de 50 mil escolas, e mostrou, sob aplausos, que "não há boa educação sem professores altamente qualificados".
É claro que isso também envolve salários compatíveis com os de outras profissões. Por essa razão, o MEC criou, de forma inteligente, as bolsas de iniciação docente, que neste ano chegarão ao número de 20 mil. É uma reação que não pode passar despercebida.
As políticas públicas devem ser transparentes, para que sejam apoiadas de forma total, numa representação do que chamamos de vontade política de corrigir os rumos do setor que, atavicamente, sempre recebeu críticas, desde os primórdios do Brasil.
Quando foi candidato à Presidência da República, no início do século passado, Rui Barbosa já reclamava do elevado número de analfabetos existentes. Estratégias, táticas e ações que configurem o planejamento a médio e longo prazos requerem mudanças que ainda estão longe de acontecer.
Quando citamos desenvolvimento de competência, gestão integrada ou gestão corporativa, para o devido compartilhamento de tarefas, na discutida relação ensino-aprendizagem, parece que atraímos expressões de outro planeta.
É natural que o resultado desse atraso secular seja a reduzida satisfação de alunos e professores, comprometendo a necessária fidelização dos mesmos às escolas em que atuam. Vestir a camisa passou a ser expressão somente do futebol (estamos em época de Copa), mas deve valer também para o mundo da educação, com vistas aos seus resultados. A má qualidade da educação pública opera a favor da condenável desigualdade social.
São aconselháveis parcerias público-privadas, como fez o Chile, na década de 70, com o governo distribuindo vouchers a todas as famílias para que elas escolham as escolas dos seus filhos. O resultado escolar assinalou ganhos apreciáveis. Agora mesmo é o presidente Barack Obama, dos EUA, que anuncia o reforço a esse programa de parcerias, selecionando 4.000 escolas que receberão recursos federais.
Atende-se a mais de 1 milhão de estudantes da educação básica, que, de outra forma, talvez estivessem condenados ao abandono.
ARNALDO NISKIER, 74, é doutor em educação, professor de história e filosofia da educação, membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia das Ciências de Lisboa e presidente do Ciee/RJ (Centro de Integração Empresa-Escola).

CLAUDIO DE MOURA CASTRO

O milagre brasileiro
CLAUDIO DE MOURA CASTRO
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MERVAL PEREIRA

Reforma partidária
Merval Pereira
O GLOBO - 11/07/10

O anúncio de que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) volta a se mobilizar para enviar ao Congresso um novo projeto, desta vez sobre a reforma política, é um sinal de vitalidade da sociedade, mas precisa ser visto com cuidado

Formado por diversas Organizações Não Governamentais (ONGs) que se mobilizaram para colher assinaturas para o projeto de ação popular que desaguou na lei da Ficha Limpa, o MCCE agora quer defender a adoção do financiamento público de campanha e o voto em lista fechada como maneira de mudar a política partidária brasileira.

A iniciativa tem o condão de desatar um nó que é impossível de ser desatado pela classe política que, eleita pelo sistema atual, não tem nenhum interesse em mudar as regras que afinal lhe foram favoráveis.

A tese da Constituinte exclusiva para tratar do assunto já me pareceu uma boa solução, pois o Congresso eleito com essa finalidade poderia tratar da principal reforma sem interesses imediatos.

Mas infelizmente esse instrumento, assim como as consultas populares, foi distorcido pelos governos de tendências ditatoriais da região, e acabou virando uma arma para os que querem usar métodos democráticos para anular a democracia.

A candidata do PT Dilma Rousseff passou a defender a tese da Constituinte exclusiva por orientação do PT, o que pode significar a tentativa de uma escalada autoritária de um eventual governo petista.

Sendo assim, uma ação popular que deságue no Congresso à base de milhões de apoios, assim como aconteceu no caso da Ficha Limpa, pode dar início a um debate sem fins ideológicos, com o objetivo apenas de finalmente fazermos uma reforma política que nos dê partidos reformulados e reforçados em sua estrutura.

Chegamos a tal ponto de distorção em nosso quadro partidário e no nosso sistema político que o mais importante neste momento é fortalecer os partidos, mas dentro de uma reforma que democratize suas estruturas e suas decisões.

Certa vez escrevi aqui na coluna que “já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor”.

“Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar”.

O projeto da Ficha Limpa é um primeiro passo para depurar a vida partidária, mesmo que neste primeiro momento algum peixe grande escape da rede.

Mas ela será cada vez mais abrangente, à medida que a Justiça Eleitoral for regulamentando sua aplicação.

Caberá ao próximo presidente da República dar partida a essa renovação de ares, com o novo Congresso mais depurado pelas urnas e pela nova legislação.

Por isso, a iniciativa de discutir uma reforma do sistema eleitoral deveria ser precedida dessa reorganização partidária.

É uma distorção de nosso q u a d ro p a r t i d á r i o , p o r exemplo, o fato muito enaltecido pelo presidente Lula de que todos os candidatos à sua sucessão são considerados “de esquerda”.

Não existe nenhum país que tenha um sistema partidário democrático que não tenha um partido liberal, de direita, que represente essa parcela do eleitorado.

No atual quadro partidário, temos vários partidos que se dizem “de centro”, mas nunca “de direita”, a começar pelo Democratas, o maior deles.

Mas o Democratas tem o mesmo dilema do PMDB, são partidos que optaram por serem coadjuvantes de PT e PSDB, que têm “vocação presidencial”.

Dando os vices de seus parceiros, Democratas e PMDB continuam com a opção de não apresentarem candidatos próprios à presidência da República, mesmo para perder.

O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB “cristianizou” primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.

Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos demonstravam uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes.

Esse fato explicaria porque eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional, principalmente o PMDB, que elegeu as maiores bancadas da Câmara e do Senado e tem o maior número de prefeitos e vereadores.

O Democratas sofreu um baque, caindo de 85 para 56 deputados federais, mas mantém uma bancada importante no Senado, que poderá, no entanto, ser reduzida nas próximas eleições.

Perdeu muitas prefeituras nos últimos anos também.

Enquanto o DEM tenta se recuperar politicamente e joga tudo na vitória de José Serra à presidência, tendo por isso forçado politicamente indicar seu vice, o PMDB se prepara para assumir um papel de protagonista num eventual governo Dilma Rousseff.

O episódio do programa registrado no TSE é emblemático dessa nova posição que o PMDB reivindica.

Quando a vitória da candidata oficial parecia mais fácil, o PMDB ficou em posição desvantajosa na coligação e em várias oportunidades o PT tentou puxar-lhe o tapete.

Com a definição do empate técnico entre os candidatos, o poder de barganha do PMDB cresceu a ponto de ele ter conseguido vetar o registro do programa petista, considerado muito radical e não representativo do governo de coalizão em que o PMDB pretende ter o mesmo peso político que o PT.

Dependendo do resultado das urnas, esses movimentos políticos tendem a facilitar uma rearrumação do quadro partidário no próximo Congresso.

Mas caberá ao futuro presidente a liderança para que a reforma permita uma organização mais harmoniosa das forças políticas, retirando da política brasileira essa carga fisiológica e pragmática que enfraquece o Congresso.

GAUDÊNCIO TORQUATO

A bolsa dos votos
Gaudêncio Torquato 
O Estado de S.Paulo - 11/07/10

Nem bem a campanha eleitoral ganha as ruas, petistas e tucanos afinam as trombetas para anunciar: "A bolsa é nossa." Ambos disputam a paternidade do Bolsa-Família, gigantesco ímã capaz de atrair votos para seus candidatos à Presidência da República. Não seria mais útil se cada partido apresentasse modos de aperfeiçoar esse programa de distribuição de renda, de forma a torná-lo meio, e não um fim em si mesmo? Mas se brigam pela paternidade, qual deve ser apontado como pai do programa-símbolo da era Lula? Sob o amparo bíblico do rei Salomão, vale anotar que ambas as siglas estão por trás da ideia original, eis que exemplos pioneiros e simultâneos de políticas de combate à pobreza foram o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM) e o Bolsa-Escola, implantados em 1995 e patrocinados, respectivamente, por um tucano, o prefeito Magalhães Teixeira, de Campinas, e pelo então petista Cristovam Buarque, no governo do Distrito Federal. Pouco antes, em 1993, o sociólogo Betinho levantava a bandeira da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

Vieram, depois, os desdobramentos. No ciclo FHC, José Serra criou o Bolsa-Alimentação e o ministro da Educação na época, Paulo Renato Souza, sob a supervisão da antropóloga Ruth Cardoso, instalava o Bolsa-Escola e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. A era Lula abriu o malsucedido Fome Zero, que deu lugar à unificação dos programas de distribuição de renda, surgindo assim o Bolsa-Família, hoje poderoso canal que despeja nos lares de 12,4 milhões de famílias (totalizando 49,2 milhões de beneficiários) cerca de R$ 13 bilhões. Feitos os devidos créditos, aos candidatos sobra o desafio de dizer o que e como farão para melhorar a eficácia daquela ação, cujo caráter paternalista é duramente criticado por não apresentar portas de saída do ciclo da pobreza. Os candidatos começam a campanha dizendo que a questão social está no cerne de suas preocupações. A ex-ministra Dilma Rousseff argumenta que a condição para o Brasil galgar o patamar das nações desenvolvidas está na erradicação da miséria. Serra, por sua vez, recebeu de seu partido a proposta de elevar o valor do Bolsa-Família ao teto de R$ 255. Hoje esse valor vai de R$ 22 a R$ 200.

Ora, prometer continuar com o programa ou elevar simplesmente a quantia recebida pelas famílias parecem medidas eleitoreiras. Importa, sobretudo, saber que alternativas os presidenciáveis vislumbram para evitar que o Bolsa-Família se perpetue como moeda de troca nos instantes eleitorais e possa transformar-se em ferramenta de desconstrução do círculo vicioso da exclusão social. É um erro tratar do Bolsa-Família sem considerar outras frentes voltadas para as metas de inclusão e desenvolvimento autossustentável das populações. Deveriam complementar o programa de segurança alimentar ações nas áreas de saúde e educação e políticas de articulação e integração dos setores produtivos das regiões. No tocante à educação, a radiografia da qualidade do ensino no País, exposta com a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb), pode ser o ponto de partida para a construção da ponte que liga a base assistencialista a outros vetores mais centrais da cidadania. O aluno de uma escola pública, como se viu, está três anos atrás do aluno de uma escola particular, mesmo com tempo maior de estudo. Já a qualidade do ensino brasileiro caiu em mais de mil municípios no ano passado, apesar de as médias nacionais terem subido entre 2007 e 2009.

Sem educação de qualidade será mantido o status quo do assistencialismo. Essa é a indicação que passa pela unanimidade dos especialistas. Como disse Mandela, "a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo". Revolução educacional não é uma utopia. Bom exemplo é Cajuru, cidade de 22 mil habitantes na região de Ribeirão Preto, com orçamento de R$ 33 milhões, dos quais R$ 12 milhões vão para a educação. Cajuru conseguiu a média mais alta do Ideb - 8,6 -, numa escala de 0 a 10, contando com um corpo de 200 professores, 136 dos quais fizeram curso de Pedagogia, e com escolas modernas e bem aparelhadas. Ali não há evasão escolar. O Brasil arcaico, como se pode aduzir, está preso à carcomida estrutura educacional. Neste ponto, cabe arrematar: o desenvolvimento autossustentado do País só ocorrerá quando a população tiver, a partir da educação, acesso ao pleno emprego, à renda e ao consumo.

A iniciativa privada, por sua vez, há de ser convocada para a tarefa de colaborar com os programas de elevação social, principalmente os que buscam inserir as pessoas no mercado de trabalho. Em alguns Estados nascem experiências interessantes. Grupos privados, abrindo uma portinha de saída para o Bolsa-Família, implantam sistemas de seleção de trabalhadores, com perfis predefinidos, dando preferência aos beneficiários do programa. Há casos de pessoas que ganhavam R$ 120 e passaram a ter um salário de R$ 1 mil. No interior de Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, essa alternativa passa a ser adotada. Trata-se de iniciativa pioneira que engaja nichos produtivos sediados nas regiões cobertas pelos programas assistenciais do governo. Outros exemplos dão conta da oferta de crédito e assistência técnica a grupos dispostos a iniciar um pequeno negócio. Com a prosperidade do empreendimento as pessoas podem dispensar o benefício. Vale lembrar que em muitos municípios se desenvolve muita resistência à inserção no mercado por causa da cultura de acomodação propiciada pela bolsa. Beneficiários declinam de ofertas de emprego nas municipalidades - serviços de limpeza de ruas, por exemplo - por não desejarem perder o auxílio do governo. Essa é uma faceta dos danos gerados pelo programa. E que, infelizmente, dá vazão ao lamuriento canto de Gonzagão: "Mas, doutô, uma esmola a um homem qui é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão." Hoje, mais vicia do que mata de vergonha.

DORA KRAMER

Devagar com o andor
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/07/10

O presidente Luiz Inácio da Silva conseguiu um belo feito: pôs em pé uma candidatura presidencial saída do nada de forma a poder disputar as eleições em ótimas condições de competitividade.
Daí a dizer que a parada não só está ganha como tem grande chance de ser resolvida no primeiro turno, é ignorar a distância entre o exagero e a realidade.
Em março do ano passado Dilma Rousseff tinha 11% das intenções de voto contra 41% do tucano José Serra. Hoje estão ambos empatados na casa dos 38%. Serra não perdeu e Dilma ganhou bastante, este é o fato.
Naquela pesquisa de um ano e pouco atrás havia Ciro Gomes com 16% e Heloísa Helena com 11%. Quando o principal candidato de oposição era representado por Aécio Neves (17%), Dilma ganhava apenas um ponto porcentual, Heloísa Helena subia para 17% e Ciro para 25%.
De lá para cá o presidente conseguiu juntar os eleitores que não querem votar em José Serra sob Dilma, mostrando que do ponto de vista estratégico ele estava certo na tese da candidatura governista única.
Só que nesse período com toda sua fortaleza, popularidade e desassombro - para não dizer ausência de escrúpulos - o presidente da República não conseguiu dilapidar o patrimônio eleitoral da oposição: os que em março de 2009 declaravam disposição de votar no candidato do PSDB não mudaram de ideia.
Poderiam ser hoje em maior número caso Lula não tivesse visto que o mar não estava para peixe e que ou deixava de lado os limites e partia o quanto antes para a luta ou entregaria o poder de bandeja de volta aos adversários.
Utilizou-se à farta dos instrumentos, legais e ilegais, à disposição e produziu o empate com moldura de vitória, tão disseminada é a certeza de que a candidatura de situação cresce enquanto a de oposição míngua.
Para que essa impressão correspondesse aos fatos, entretanto, seria preciso que os índices da candidata de Lula fossem maiores e os do candidato da oposição menores e o cenário que se tem, com todas as vantagens ao alcance de Lula, é um rigoroso zero a zero, cujo desempate se dará de agora em diante em resultado imprevisível.

QUEM DIRIA
Olhar jornais antigos é bom exercício de reativação da memória, confronta posições e às vezes desvenda manipulações.
Análise do marqueteiro João Santana, hoje responsável pela campanha de Dilma, logo após a vitória da reeleição de Lula em 2006: “Lula, depois que se tornou presidente, sempre que esteve na situação de vítima saiu lucrando. É outra teoria minha, a do ‘fortão’ e a do ‘fraquinho’. Os que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e tornou-se um poderoso. Quando ele é atacado o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo. Nesse caso, Lula vira o bom e frágil ‘fraquinho’ que precisa ser protegido.”
Bravata do então presidente do PT, Ricardo Berzoini, logo após Lula anunciar, em novembro de 2008, que Dilma era o nome que ele tinha “na cabeça” para disputar com a oposição a Presidência: “A preferência do presidente tem peso, mas o rito do PT comporta outras opções.” 
Aposta de Ciro Gomes em agosto de 2008: “Aécio é praticamente imbatível.” 

SEM FUNDO
O Congresso mantém uma relação esquisita com a Fundação Getúlio Vargas: contrata a entidade para elaborar reformas administrativas, paga pelos serviços e não realiza os projetos.
Recentemente, em maio, o Senado resolveu recontratar a FGV para refazer um trabalho feito um ano antes e não executado. Pagou R$ 250 mil em 2009 e vai pagar R$ 250 mil de novo este ano
Em 2006 a Câmara contratou a fundação para elaborar uma proposta de corte de gastos, pagou R$ 140 mil e engavetou as sugestões.
Se a FGV não corresponde às expectativas não faz sentido a insistência na contratação. Se a fundação faz o trabalho direito, o Legislativo incorre em malversação de recursos públicos.

PAINEL DA FOLHA

Acionista majoritário
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 11/07/10

Submetidos ao purgatório na esteira do mensalão e de outros escândalos da era Lula, expoentes do antigo campo majoritário do PT, hoje rebatizado como Construindo um Novo Brasil, não escondem a certeza de que o papel relevante por eles desempenhado na atual campanha será seguido por outro, ainda mais central, no eventual governo de Dilma Rousseff.
Após assumirem as tarefas mais espinhosas de defesa da candidatura de Dilma, como enquadrar o PT do Maranhão aos Sarney, membros do CNB acreditam que falta pouco para recuperarem os postos na máquina federal hoje ocupados pela Mensagem ao Partido, corrente liderada pelo ex-ministro Tarso Genro.


Ao lado A despeito da dominância do CNB, pelo menos um petista ligado à Mensagem está cada vez mais próximo de Dilma: José Eduardo Cardozo. O deputado, que optou por não disputar novo mandato, é cotado para virar ministro da Justiça em caso de vitória da petista.

No bolso 1 O núcleo da campanha petista comemora: a primeira parcela do reajuste de 7,7% aos aposentados e o retroativo de janeiro a junho serão pagos em agosto, mês em que Dilma estreia, ao lado de Lula, na propaganda eleitoral na TV.

No bolso 2 Lula, que defendia inicialmente um reajuste de 6,14%, sinalizou várias vezes que vetaria o percentual maior aprovado pelo Congresso. Mas, para evitar desgaste à campanha de Dilma, o presidente acabou sancionando o valor integral.

Usina... A primeira reunião do recém-anunciado "conselho político" da candidatura de José Serra (PSDB) ainda nem ocorreu e, nos bastidores, muita gente já fustiga a iniciativa. Teme-se que, pós-crise da escolha do vice, os encontros virem oportunidade para "lavar roupa suja" e, na sequência, produzir noticiário a negativo para a campanha.

...de problemas O PT também quebra a cabeça para definir a integração dos partidos aliados ao comando da campanha de Dilma. Uma coisa é certa: a atual direção do partido não quer nem ouvir falar numa coordenação executiva e operacional com dezenas de pessoas. Ou seja: a solução deve passar por uma divisão de tarefas, não necessariamente no comando central das atividades.

Contas Ex-assessor do clã Sarney e candidato a deputado federal pelo PMDB-MA, Chiquinho Escórcio diz que não há tanta discrepância entre seu patrimônio atual (R$ 26,8 milhões declarados à Justiça Eleitoral) e o de 2006 (R$ 2,4 milhões). Ele alega que, quatro anos atrás, informou ao TSE "o valor histórico" -e portanto desatualizado- de seus bens.

Toy Story Suplente do pai, que quer renovar o mandato de senador pelo PMDB do Maranhão, Edison Lobão Filho, o "Lobinho", declarou um "helicóptero acidentado" no valor de R$ 44 mil.

Colecionador Candidato à reeleição, o governador Jaques Wagner (PT-BA) incluiu em sua declaração um Ford 1929. Valor: R$ 5.000.

Barreira 1 Num esforço para reduzir a liderança folgada de Geraldo Alckmin (PSDB), a campanha de Aloizio Mercadante quer montar um "cinturão de resistência" em municípios do entorno da capital paulista comandados por prefeitos do PT. Aposta-se que daí sairá a maioria dos deputados eleitos pelo partido. A ideia é que Mercadante consiga pegar carona.

Barreira 2 Em 2008, o PT foi de 57 para 64 prefeituras. Estrelas do "cinturão", Guarulhos, São Bernardo, Osasco, Diadema e Mauá somam 2,5 milhões de eleitores.
com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

tiroteio

Depois de assinar um programa que não leu, parece que quem está precisando de mais um professor em sala de aula é a Dilma.
DE PAULO RENATO SOUZA (PSDB-SP), secretário estadual da Educação, sobre a crítica da candidata do PT à Presidência ao programa do governo paulista que prevê a presença de universitários para auxiliar o professor dentro da sala de aula na primeira série do ensino fundamental.

contraponto

Plim-plim!

Na campanha de 1989, Fernando Collor visitou Silvio Santos para alegar que estaria sendo prejudicado nos telejornais do SBT, episódio narrado em biografia do empresário e apresentador feita por Arlindo Silva. Silvio disse ao candidato do PRN que sua orientação era para que não houvesse favorecimento a ninguém:
-Não posso ficar amigo de um e inimigo de muitos.
Conversa encerrada, Collor e Silvio saíram para atender a imprensa, e uma repórter brincou:
-Olha aí, Silvio, a sua chance de aparecer na Globo!
SS riu muito. Collor fechou a cara e se despediu.

MÍRIAM LEITÃO

Hora errada
Miriam Leitão
O GLOBO - 11/07/10

Curva não é local para manobras radicais.

Mudança de governo é curva. Ao se aproximar dela, o país está vendo governo e governistas mudando o modelo de exploração de petróleo, redistribuindo impostos estaduais, alterando a legislação de proteção ambiental e forçando uma hidrelétrica cuja construção é um impasse de pelo menos 20 anos.

Sobre nada disso há consenso.

São áreas conflagradas ou que estão sob alterações que invertem lógicas e exigem novas ponderações.

Nada disso pode e deve ser feito num fim de governo e no final de legislatura.

O novo modelo do petróleo foi fatiado para melhor passar pelo Congresso.

Semana passada, criou-se a nova empresa estatal de petróleo. Questões mais polêmicas como a mudança na distribuição de royalties, que fere profundamente as finanças de Rio e Espírito Santo, e a aprovação de um sistema equivocado de exploração de petróleo ficarão provavelmente para depois das eleições.

No caso dos royalties, o governo não quer perder votos no Rio. O novo modelo que o governo propôs tem inúmeros riscos.

Se já era inapropriado votar questões controversas assim num período eleitoral, é ainda mais absurdo decidir sobre isso com uma legislatura nos seus estertores.

Vários deputados e senadores que votarão nestas questões, no fim do ano, terão perdido as eleições e estarão nos últimos tempos do mandato, sem representatividade para votar em decisões que se projetam para o futuro de forma tão decisiva.

A mudança do Código Florestal é mais do que o cenário de uma briga entre ambientalistas e ruralistas.

É uma área em que a ciência tem adicionado evidências de uma questão fundamental para o futuro climático do Planeta. Estudos científicos de órgãos oficiais brasileiros e de universidades públicas fazem alertas sólidos sobre o risco que corre a Amazônia. O desmatamento além de um determinado ponto pode ser um tipping point, ou seja, detonar e apressar a savanização da floresta. O debate foi apequenado pelo relator Aldo Rebelo (PCdoBSP) quando o colocou como uma luta xenófoba contra supostos conspiradores internacionais, quando se aliou tão indisfarçavelmente a um dos lados do conflito e, principalmente, quando não ouviu a ciência.

São muitos os cientistas que escreveram artigos nos últimos dias registrando a insuficiência da consulta a eles na preparação do relatório.

Semana passada, o texto foi aprovado por 13 parlamentares na Comissão Especial e está pronto para ir a plenário. O relatório foi feito para atender aos ruralistas, mas agora eles querem mais. Já avisaram que o próximo passo é lutar para que seja reduzida a reserva legal em cada bioma, principalmente na Amazônia.

Não basta que sejam anistiados do desmatamento ilegal já feito.

Por tudo o que o mundo mudou nos últimos tempos, é insensato fazer uma radical alteração do Código Florestal na direção de facilitar o desmatamento.

Acenar com o perdão de dívidas a desmatadores que têm tanto poder, financeiro inclusive, numa época eleitoral é mais do que inconveniente. Promover a impunidade de quem desmatou e fazer isso em nome de aumentar a área para produção agrícola é um duplo tiro no pé porque incentiva mais desmatamento e aumenta a vulnerabilidade brasileira às barreiras verdes no comércio internacional. E como os especialistas já mostraram, à exaustão, há muita terra ociosa no Brasil que pode ser usada na agricultura por ter sido desmatada para nada, ou usada e abandonada.

A construção de Belo Monte foi imposta como fato consumado de uma forma extraordinariamente autoritária para um governo democrático. Reuniões na Casa Civil impuseram cronograma inapelável ao órgão regulador ambiental, favores excessivos dos cofres públicos garantiram o aparecimento do grupo empresarial que ganhou a licitação, dúvidas técnicas, econômicas, energéticas e ambientais foram soterradas por uma pressa inexplicável.

Fundos de pensão de estatais foram constrangidos a viabilizar a usina que tem retorno e custos incertos. É falso dizer que a construção da usina está em debate há 20 anos. A usina é um impasse de 20 anos por inúmeras dúvidas não resolvidas. Passou-se agora um trator de esteira sobre elas. Mas elas cobrarão seu preço durante a construção. Os especialistas prevêem que dificuldades de engenharia e inconsistências nos cálculos dos custos vão levar a novos impasses e atrasos ao longo dos próximos anos. Essa pressa em iniciar mais uma obra de grande porte no finalzinho do governo é de novo estranho. Para dizer o mínimo.

O governo tem que governar até o final do mandato, mas certas decisões mais polêmicas e que trarão reflexos para muito além dele deveriam ser adiadas, mais bem pensadas. Faltam cinco meses e 20 dias para o fim do governo Lula. Não é o momento de mudar regras e modelos que durante os sete anos e meio anteriores ele não mudou.

A pessoa que for eleita este ano presidente do Brasil deve ter a prerrogativa de propor temas polêmicos como esses. No início de um mandato é que o governo faz propostas de mudanças desse porte. O presidente Lula, como tem deixado claro, está mais mobilizado pelo desafio de eleger sua candidata. Foi ele que escolheu prejudicar o fim do seu governo nessa busca de um mandato para Dilma Rousseff. Se ele estiver pensando mesmo em pedir licença do cargo, ficará ainda mais claro que não é o momento de decisões sobre assuntos controversos.

Que eles aguardem o próximo governo.