sábado, abril 03, 2010

ANCELMO GÓIS

Se meu Fusca falasse...
O GLOBO - 03/04/10

EM TEMPOS DE Caveirão, este, digamos, “Caveirinha” lembra dias que não voltam mais — como diz o coleguinha Celso Raeder, autor da foto. Mas esta velha “Joaninha” existe de verdade. Quarta à tarde, estava estacionada na calçada do prédio da Central do Brasil, que hoje abriga a Secretaria de Segurança do estado. A coluna, como sabe seus leitores, tem suas preferências. Uma delas é simpatia, quase amor, pelo velho Fusquinha. Deus o conserve e a nós não desampare
O drama continua
Quinta, uma juíza de Nova Jersey, EUA, onde vive Sean, aquele menino de 10 anos entregue ao pai americano, David Goldman, negou um pedido para que a avó Silvana Bianchi pudesse visitá-lo.
Seria o primeiro encontro dos dois desde a partida de Sean, no último dia de Natal.
Drama que segue...
Ontem, nos EUA, onde ainda esperava ver o neto, a avó estava inconsolável: — Eu me encontrei com David dias antes, na frente do psicólogo que acompanha Sean nos EUA. O psicólogo tinha recomendado o encontro, pois ajudaria na adaptação do menino em Nova Jersey.
Ainda...
Silvana Bianchi diz também que, até hoje, David Goldman não respondeu a um pedido do governo brasileiro para que um funcionário da nossa embaixada lá possa visitar Sean.
— Quando meu neto estava comigo, ele recebeu, no Rio, a visita de um funcionário da embaixada americana.
Para concluir...
A avó diz ainda que, há 32 dias, perdeu o contato com o neto por telefone e e-mail.
— Acho que Sean está sendo vítima de uma espécie de lavagem psicológica.
A todo vapor
O comércio varejista está bombando.
As vendas nos shoppings da BRMalls (são 40, incluindo o São Conrado Fashion Mall) cresceram 15% em fevereiro.
Viúva da Help
Acredite. Dias atrás, uma mulher passou pela obra do novo MIS, em Copacabana, onde era a boate Help, e pediu para levar as lantejoulas que decoravam o finado templo da saliência.
Explicou que conhecera o marido na casa noturna.
Memória e verdade
OAB-RJ lança dia 16 uma campanha, estrelada por grandes nomes da dramaturgia, em defesa da abertura dos arquivos da ditadura militar.
Nos filmetes, Fernanda Montenegro, José Mayer, Eliane Giardini, Mauro Mendonça, Osmar Prado e outros interpretarão desaparecidos políticos.
Segue...Fernanda Montenegro será Sônia Angel; José Mayer, David Capistrano; Osmar Prado, Maurício Gabois (os três militantes sumiram entre 1973 e 1974).
Fim do pau-de-arara
A Comissão de Justiça da Câmara aprovou projeto do deputado cearense Paulo Lustosa que proíbe o uso de veículos de carga ou mistos (“paus-de-arara”) como transporte escolar.
Em 1954, criança, foi num caminhão assim que Lula deixou Garanhuns, PE, sua terra, com a família, rumo a São Paulo.
ZONA FRANCA
A Forever Living Products, cuja filial no Brasil, presidida por Fernando Junqueira, é a nº 1 em vendas entre 140 países, fará, 16 e 17 de abril, convenção mundial no Rio, no HSBC Arena, com mais de 10 mil participantes.
Cid Nascimento Silva lança segunda “Rio de Janeiro a janeiro”, no Belmonte do Leblon, às 17h.
Flávio Nácul lança “Surgical Intensive Care Medicine”, nos EUA.
O professor Alberto Lott Caldeira participa de mesa-redonda na Jornada de Cirurgia Plástica, em Búzios.
A Oasis apresenta novidades neste fim de semana.
Ronaldo Helal dará curso sobre jornalismo esportivo na Uerj.
Canal Brasil começa hoje programação sobre o centenário de Chico Xavier.
Há testemunhas
De um garotão numa mesa da Casa Brasil, reduto do chope na Praça São Salvador, em Laranjeiras, no Rio, terça à noite, sobre a vitória de Dourado no “Big Brother 10”, da TV Globo: — O cara que venceu é aquele anfíbio! O rapaz queria dizer... “homofóbico”.
Saara 2016
A Saara, comércio popular carioca, lança terça seu projeto 2016 em parceria com a Caixa.
O bancão vai abrir uma linha de crédito, com juros miúdos, para financiar reformas e restaurações de imóveis no “perímetro compreendido como Saara”.
Monobloco
Sabe o Twitter falso do Monobloco? Virou verdadeiro depois de muita negociação.
O fã gaiato de São Paulo que o criou e se passava por alguém da produção cedeu semana passada o nome e a senha do microblog ao grupo carioca.
Bandidos em fuga
Wilson Moisés, presidente da Vila Isabel, diz que o caso com seu filho, relatado aqui ontem, foi consequência de um assalto.
Os bandidos, em fuga, bateram no carro de Vinícius Alves e atiraram.
O veículo é blindado.
— Não teve nada a ver com samba. Foi um fato da violência no Rio.
No mais
O tempo ontem no Rio estava uma delícia, dando razão a Ed Motta e a Ronaldo Bastos na música que diz: “Há um lugar para ser feliz/Além de abril em Paris/Outono, outono no Rio.” Feliz Páscoa.
PRISCILA FANTIN, a atriz tão formosa, posa entre Gláucia Dinis e Izadora Bicalho, da TV Jam (da internet), no Teatro Leblon, onde gravaram bastidores da peça “A marca do Zorro”
MARCELLO ANTONY ouve dicas de Cacá Bueno, no “Esporte Espetacular” de amanhã, na TV Globo.
O ator vai viver um piloto em “Passione”, próxima novela das oito
PONTO FINAL
E o pior é que ainda há gente de boafé que acredita que se fazem mensalões sem o meu, o seu, o nosso dinheiro.

NAS ENTRELINHAS

Lula pensa que é Deus

Leonardo Cavalcanti
Correio Braziliense - 03/04/2010


Só uma coisa pode explicar a megalomania dos discursos do nosso presidente: ele deve acreditar ser um enviado especial dos céus. E, pensando bem, até Serra e Dilma, se tivessem a popularidade do cara, poderiam também se achar divinos

A vida de um homem popular deve ser mesmo difícil. Imagino o camarada ali em meio a câmaras de TV, tentando se conter e evitar apertar o botão de descontrole do ego. Uma hora, mais cedo ou mais tarde, porém, ele se trai e expõe a megalomania. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acionou há pelo menos quatro anos o tal dispositivo que mantinha o desconfiômetro ligado. Quando levou o segundo mandato e percebeu a força de ser reeleito, o nosso comandante começou a falar sobre qualquer assunto, sempre contando vantagens e feitos, como aquele amigo chato — nem a mulher consegue interrompê-lo e avisá-lo sobre o quanto está sendo desagradável ao enumerar supostas habilidades.

Mas nada pode ser comparado às últimas três semanas do presidente. Lula tem se superado ao reiterar piadas sobre as multas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral por campanha antecipada em prol da ministra Dilma Rousseff e ao chamar os adversários para o embate nas urnas. Nas palavras do presidente, não é a sua candidata que deve ser encarada, mas ele mesmo, o senhor dos recordes de avaliação. (Aqui um parênteses: talvez ele não tenha percebido que tais declarações apenas desenganam Dilma, assim como os tucanos enfraquecem o paulista José Serra quando insistem em ter como vice o mineiro Aécio Neves. A leitura de eleitores tanto do PT e do PSDB pode ser simples: o meu candidato não tem força suficiente para ganhar sozinho e por isso precisa do amparo de Lula ou de Aécio).

Mas voltemos ao Lula e à megalomania, pois é a isto que me dedico neste momento, por mais que não tenha a menor aptidão para psiquiatria. Repito: não deve ser fácil a vida de um homem popular. Se alguém pode se achar um Napoleão Bonaparte sem ter qualquer índice de avaliação positiva apontado por um pesquisa, imagine um cara que tem quase 80% de aprovação. Lula poderia muito bem pensar que é Deus. Só isso pode explicar as declarações do presidente na última quinta-feira na Conferência Nacional de Educação: “Eu queria dizer a vocês que, ao terminar o meu mandato, vai quebrar a cara quem pensar que eu vou ser um ex-presidente, porque vocês vão me ver andando por este país, porque a minha luta não era apenas para a gente ganhar a Presidência”.

Se Lula não vai ser um ex-presidente, o que ele será, então? Talvez deseje um cargo nas Nações Unidas, o que é razoável, mas acredito que talvez ele não tenha pensado nisso na hora do discurso. Talvez ele estivesse se referindo ao fato de dar pitaco no governo de Dilma, caso a petista seja eleita. Lula seria o que de Dilma? Uma espécie de ombudsman administrativo ou um cacique a ser consultado a qualquer passo a ser dado pela petista? E se Serra ganhar? Continuaríamos a ouvir a voz de Lula a entoar críticas ao governo tucano? O bordão “nunca na história deste país” poderia ser readaptado. Ao invés de ser usado para exaltar atos do governo, seria sacado para esculhambar os tucanos.

De certa forma, outros presidentes brasileiros também devem ter caído na armadilha de acreditar que foram enviados dos céus. Mas diga-se que nenhum deles conseguiu índices de aprovação parecidos com os de Lula durante tanto tempo. E, pensando bem, se tivessem a popularidade do cara, até Serra e Dilma poderiam se achar divinos. O melhor então seria instituir, a partir de concurso público, o cargo de psiquiatra na Presidência da República a partir do próximo ano.
Outra coisa

Estava a ouvir as paródias feitas num programa da Rádio CBN que mistura declarações dos nossos políticos atuais com o personagem Odorico Paraguaçu — que mais se parece com caciques peemedebistas do atual time de Lula escalado para as urnas em outubro — e acabei intrigado com as semelhanças entre o tom de Serra e Dilma. Desconte, evidentemente, a voz feminina da petista em relação à masculina do tucano e compare.

FERNANDO RODRIGUES

O PMDB grande

Folha de S. Paulo - 03/04/2010
 
A permanência de Henrique Meirelles na presidência do Banco Central eleva ao paroxismo a fase de grande fortalecimento do PMDB. O partido esnobou e humilhou o banqueiro goiano rico. Vetou a sua pretensão de ser candidato a vice-presidente na chapa oficial para o Planalto, encabeçada por Dilma Rousseff, do PT.
Quanta diferença dos anos 80. Na fase final da ditadura militar, o PMDB engoliu de bom grado em suas fileiras o ex-presidente do PDS (ex-Arena) José Sarney para compor a chapa que disputou e ganhou a última eleição indireta para o Planalto. Sarney é (sic) do PMDB até hoje. É o epítome do inchaço da sigla ao longo do tempo. Essa elefantíase foi a causa do desmantelamento da agremiação.
Mas Lula salvou o PMDB. Num determinado momento, a sigla chegou a ter sete ministros na Esplanada. Está unificada de maneira inédita. Entrará pela porta da frente no condomínio lulista indicando o deputado Michel Temer como candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff.
Apesar de ainda haver muita divergência em nível regional, a cúpula peemedebista está fechada em torno do projeto eleitoral federal.
Já traça também planos minuciosos para 2011, quando espera que Michel Temer passe a morar no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente.
No Congresso, o PMDB sonha em manter José Sarney no comando do Senado e entregar a presidência da Câmara para o deputado Henrique Alves, hoje líder da legenda -e o cargo de liderança seria então preenchido pelo laborioso Eduardo Cunha, peemedebista do Rio.
Tudo somado, se Dilma for mesmo eleita presidente, o PT receberá um duro legado de Lula: um PMDB mais forte do que nunca no Congresso e com um apetite para cargos e verbas jamais visto

RENATO FERRAZ

Celibato e pederastia

Correio Braziliense - 03/04/2010
 
A Igreja Católica voltou novamente ao centro das atenções em função dos casos de pedofilia, sodomia, pederastia e outras coisas mais praticadas por padres e bispos. Dois deles chocaram bastante. Um, agravado devido à proximidade conosco, pelas cenas grotescas de vídeo em que um monsenhor faz sexo com um rapaz em Arapiraca, no sertão alagoano. O outro, por citar o papa Bento XVI: quando arcebispo de Munique, ele acolheu em uma de suas paróquias um padre acusado de abusar de crianças. Mas há outro episódio gravíssimo que passou despercebido por aqui (só o jornalista Alberto Dines o abordou): o do padre mexicano Marcial Maciel. Ele, que morreu em 2008, abusava de jovens seminaristas e, pasmem, dos próprios filhos. Sim, ele tinha três filhos com uma mulher que conheceu quando ela tinha 18 anos. Um deles contou recentemente em detalhes como o pai o obrigava a masturbá-lo.

Mas por que esse caso, no meio de tantos, é tão singular? Porque o padre Maciel é fundador da poderosa Legião de Cristo, uma das instituições mais conservadoras do catolicismo. E não, não estou sendo leviano: os próprios legionários foram a público reconhecer esse lado mais obscuro, digamos assim, do seu patrono. Sob o manto da legião, vivem, segundo o jornal espanhol El País, 900 padres, 3 mil seminaristas e mais de 70 mil leigos. É por essas e outras que esse fenômeno está chegando cada vez mais perto da cúpula da Igreja Católica — na melhor das hipóteses, ela até agora pecou por omissão, como no caso de Marcial Maciel, há muito denunciado, e no do então arcebispo Ratzinger.

Junto a tudo isso vem a tiracolo a discussão, nem sempre baseada em argumentos religiosos, sobre a necessidade da manutenção do celibato (regra não dogmática que impede os padres de se casar). Ora, acabar com o solteirismo dos 400 mil sacerdotes em todo o mundo implicaria alguma redução nos escândalos? Provavelmente não. Sou católico e contra o celibato, mas devemos usar outros argumentos para tentar acabá-lo. Afinal, e isso é uma constatação empírica, o maior número de revelações se refere à prática do homossexualismo — algo, e aqui não se faz juízo de valor, presente em qualquer profissão ou segmento social e econômico. Quanto à pedofilia, ela deve ser tratada como é: um crime. Que a Igreja entregue os seus à justiça dos homens. No geral, porém, não é por não serem casadas que essas pessoas estão pondo a Igreja em evidência.

PAINEL DA FOLHA

Múltipla escolha
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/10

Com a recusa do prefeito de Indaiatuba, Reinaldo Nogueira, em deixar o cargo para ser vice de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, o PDT preparou uma lista de nomes para apresentar ao PT na próxima semana. São três sindicalistas (duas mulheres) ligados à Força e o deputado João Dado, mas este o PDT prefere ver puxando votos para a Câmara.
Do outro lado, o PT prevê confusão com a CUT caso o vice venha da Força. O partido acha que se o prefeito de Campinas, Doutor Hélio, desde sempre o pedetista favorito para compor com Mercadante, não topar, talvez seja mais fácil encontrar um nome no PR.
Padrão. Presidente do PDT-SP, o deputado Paulinho responde, lembrando que o vice em Campinas, Demétrio Vilagra, é do PT: "Eles reclamaram que fechamos com o [José] Fogaça no Sul e ficamos com a prefeitura de Porto Alegre, mas se puderem farão o mesmo em Campinas".
Prancheta 1. Chama a atenção, no questionário de pesquisa Vox Populi sobre a sucessão presidencial com campo em 30 e 31 de março, a inclusão de pergunta relativa aos cargos que os candidatos já ocuparam, quebrando o fluxo das respostas espontânea e estimulada sobre intenção de voto. Esse tipo de procedimento é conhecido por distorcer resultados.
Prancheta 2. Para completar, as opções diante do nome de José Serra (PSDB) estão incompletas. Há apenas "governador" e "governador de São Paulo".
Pior para eles. Mergulhado na leitura da biografia de Bismarck, Cesar Maia (DEM) diz que não vai se desesperar diante da rejeição do PV de Fernando Gabeira em tê-lo na chapa como candidato ao Senado: "Para mim tanto faz. A coligação interessa aos deputados".
Outro lado. A propósito da definição dos palanques regionais, o ex-ministro da Integração Geddel Vieira Lima diz que o PMDB é oposição ao PT na Bahia, mas que sua candidatura ao governo estará alinhada à de Dilma Rousseff.
No rastro. O Ministério Público abriu processo para apurar suspeita de irregularidades na declaração de bens de Wilson Lima (PR). O governador em exercício do DF justificou parte dos gastos de sua campanha com a venda de um microonibus a uma servidora indicada por ele. O veículo não foi declarado ao TSE.
Empurra. Em defesa de Agnelo Queiroz (PT), que teve um aliado preso por desvios no Ministério dos Esportes, que ele chefiou, o PT-DF fez circular que o convênio fraudulento com a ONG de kung fu é assinado por Orlando Silva (PC do B), hoje à frente da pasta, mas à época do contrato secretário-executivo.
Vidraça. No próprio PT, entretanto, houve quem aproveitasse o caso para reavivar a disputa interna com o derrotado Geraldo Magela. O argumento é que, como as investigações ainda estão em curso, o nome de Queiroz poderá voltar ao noticiário policial no meio da campanha.
Sacolejo. O cantor Edigar Mão Branca (PV-BA) aproveitou seu último dia na Câmara para gravar, em pleno Salão Verde, o clipe de "Eu Sou Mesmo Forrozeiro". Suplente de Geddel, ele perdeu a cadeira com a volta do titular, que deixou o Ministério da Integração Nacional para disputar o governo da Bahia.
Caravana. De carona na comemoração do Dia do Índio, o Planalto planeja levar Lula em 19 de abril à reserva Raposa/Serra do Sol, palco recente de confronto entre índios e produtores rurais. Hoje no Supremo, José Antonio Toffoli deve integrar a comitiva. À frente da Advocacia Geral da União, ele defendeu a tese pró-demarcação contínua da área e saída dos arrozeiros. 

com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER 

Tiroteio 

Antes de sentar na cadeira, seria bom que o novo ministro lesse todos os compromissos que o Lula já firmou contra o desmatamento. 
De PAULO TEIXEIRA (PT-SP), membro da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, sobre a fala do ministro da Agricultura, Wagner Rossi, segundo o qual "quem deve dizer como se preserva a natureza é quem produz".
Contraponto 
Convescote
Uma equipe de 12 funcionários do PSDB foi encarregada de telefonar a prefeitos convidando-os para o lançamento da candidatura de José Serra à Presidência, no próximo dia 10 em Brasília. Numa dessas ligações, o "cerimonialista" tentava entrar em contato com o tucano Agapito Coelho da Cruz, que administra o município de Capitão Gervásio Oliveira, no Piauí. A chamada, porém, caiu num orelhão, e quem atendeu forneceu um outro número. Também este era um orelhão, e o interlocutor, ao explicar que a prefeitura estava sem telefone, se identificou:
-Fique tranquilo, porque eu sou filho do Agapito e vou dizer pra todo mundo descer pra Brasília no dia 10...

CLÓVIS ROSSI

Sai o vírus da paz, entra Obama
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/2010


Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva consigo o vírus da paz, desde que estava no útero materno, como chegou a dizer em sua recente viagem ao Oriente Médio, certamente esse tipo de vírus não é contagioso: durante e depois da visita de Lula, paz foi tudo o que NÃO houve na região, como, de resto, aparte da rotina. Ataques de parte a parte em Gaza são apenas a prova mais recente.
Agora, sai o voluntarismo de Lula e entra o rolo compressor de Barack Obama. Todos os indícios disponíveis apontam para o iminente lançamento de uma grande iniciativa de paz que irá bem além do conflitos Israel/palestinos. Quão iminente,não faço ideia, mas é razoável supor que estará casada com a movimentação em torno das sanções ao Ira, que Obama pretende ver de pé nesta primavera (do hemisfério Norte, ou seja até meados dê junho).
O bem informado jornal israelense "Haaretz" chegou a anunciar, faz pouco, que, nas tensas conversas entre Obama e o primeiro-ministro Binyaniin Netanyahu, em Washington, ficou evidente "a intenção de impor um acordo permanente entre Israel e os palestinos em menos de dois anos".
Note, leitor, o verbo usado: impor; discutir, dialogar.
Impor só pode significar forçar Israel a aceita concessões que o governo Netanyahu nem pensa em fazer, entre elas paralisar a construção de residências para judeus em áreas palestinas, inclusive em Jerusalém Oriental, que os judeus consideram parte de sua capital "una e indivisível", mas que os palestinos reivindicam como a sua própria, quando for constituído o Estado palestino.
Qualquer iniciativa norte-americana vai mexer com ò estado de espírito de ambos os lados. Por muito curta e corrida que tenha sido minha recente passagem por Israel/territórios palestinos, era palpável que Israel sente-se confortável com o status-quo, agora que o terrorismo está pelo menos controlado. E que os palestinos sentem-se acuados, humilhados e impotentes.
Impressão confirmada por depoimentos dos dois lados. Na "Foreign Affairs" de março-abril, escreve Ehud Yaari, comentarista do Canal 2 da TV israelense e pesquisador do Instituto para Política do Oriente Próximo de Washington:
" A maioria dos israelenses sente que a resistência armada foi derrotada na Cisjordânia e que a ameaça de ataques terroristas foi substancialmente removida desde que Israel desmantelou as redes que recrutavam suicidas e construiu a barreira que fechou a Cisjordânia".
Consequência inexorável: " Os israelenses estão rapidamente perdendo interesse na comunidade palestina vizinha",
Do lado árabe, escreve Osman Mirghani, subdiretor-chefe do principal jornal árabe no exterior, o " Asharq Al-Awsat":
"A situação palestina está agora em seu pior estágio, com a divisão e o conflito entre Hamas e a Autoridade Palestina(...)Enquanto Fatah e Hamas lutam pelo poder, o sofrimento dos palestinos está aumentando: suas terras estão sendo confiscadas, e o sonho de um Estado Palestino diminui dia a dia".
É em meio a esse conforto acomodado e a esse desespero impotente que desembarcará em breve o sétimo da cavalaria. Se levará ou não o vírus da paz é história a ser escrita.

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
sabella e a culpa coletiva
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Fogos de artifício, risos e aplausos. O que leva a massa a comemorar com felicidade a comprovação de um crime monstruoso contra uma menina de 5 anos? Por um lado, a vontade de dizer: fiz parte do júri popular que condenou o pai e a madrasta. Mas Isabella também desperta a consciência do medo de si mesmo. Milhões de crianças sofrem maus-tratos em casa. Tapas, beliscões, chutes, socos, safanões, queimaduras, chineladas, abusos sexuais.
E a maioria desses dramas continua oculta. Alguns milhares de casos chegam a hospitais e delegacias, denunciados por vizinhos, médicos e professores. Ou devido a complicações em ferimentos e fraturas. Como classificar de “morte acidental” um crime contra uma criança indefesa? Um adulto que descarrega sua força, seu ódio e frustrações contra um bebê ou uma criança deveria saber que esganar um filho pode asfixiá-lo.
No Brasil, cerca de 18 mil crianças são vítimas de violência doméstica por dia, segundo a Sociedade Internacional de Prevenção de Abuso e Negligência na Infância (Sipani). Parentes próximos – mães em primeiro lugar, pais, madrastas e padrastos – causam 80% das agressões físicas contra crianças. De hora em hora, morre no mundo uma criança queimada, torturada ou espancada pelos pais ou responsáveis, segundo o Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Como definir “maus-tratos” contra uma criança? Palmadas são maus-tratos? Um beliscão que deixa marca vermelha é abuso? Puxar a criança desobediente pela orelha é crueldade? Dar uma chinelada ou bater de cinto sem causar hematoma é repugnante? Agarrar o bracinho infantil com raiva até deixar a marca dos dedos adultos é covardia? Ou os “maus-tratos” são agressões mais graves, como queimar com cigarro ou ferro, quebrar os ossos com pancadas, esbofetear o rosto e estuprar?
Todo dia, 18 mil crianças brasileiras são vítimas de 
violência – e a maioria dos casos continua oculta
Como mãe, diria que todas essas atitudes são maus-tratos inadmissíveis. Pais não são perfeitos. Nós explodimos. Mas quem recorre à força contra crianças deve se tratar. A agressão contra os filhos, não importa o nível, é um mal que precisa ser combatido com terapia, remédios ou o que seja. Antes que se torne um vício ou ocorra uma tragédia. Evitam-se assim traumas para toda a vida. Famílias agressoras produzem filhos violentos.
Mais chocantes que qualquer pesquisa são as cenas que o médico Jorge Paulete, legista aposentado e professor de medicina legal, testemunhou: “Quanto mais deslavada a mentira dos pais, pior. Eu me lembro de uma criança de 2 anos toda quebrada. E a mãe dizia: ‘O senhor sabe, é que ela tentou trepar na geladeira para pegar o pinguim’. Vi criança com bolhas horríveis na boca, porque os pais, irritados com um palavrão, tinham esfregado malagueta crua nos lábios. Vi criança queimada porque tinha feito xixi. Os pais resolveram sentá-la na chapa do fogão para ela aprender a nunca mais fazer isso”.
A estatística da surra sem marcas não existe. É uma doença social sem registro. Muitos pais e mães que condenam os Nardonis como monstros cometem pequenas atrocidades sem perceber.
“A reação dos pais a uma desobediência do filho depende do bem-estar do casal”, diz a terapeuta familiar Roberta Palermo. “Se a mãe está tranquila, e o filho joga um copo de vidro no chão, ela dá uma bronca, explica que está errado e o ajuda a limpar. Se ela se irritou no trabalho ou com o marido, perde a paciência e o controle.”
Para Roberta, o estresse é o grande vilão. Por isso, há menos agressões a filhos entre os ricos. A mãe que conta com ajuda, creche e babá tem mais paciência. A mãe pobre e sobrecarregada fica mais nervosa e não sabe se impor a não ser pela agressão. Lemos histórias de mães que acorrentam os filhos em casa para sair para trabalhar. Além do estresse, há o alcoolismo. O pai operário que chega tarde e cansado depois de beber dificilmente será sensato com os filhos.
Todos precisam fazer a sua parte, denunciar, assumir e colaborar. Não dá para dormir em paz apenas porque os assassinos de Isabella foram considerados culpados. 

SÉRGIO MAGALHÃES

Desigualdade induzida 
O GLOBO -  03/04/2010


O século XX assistiu ao fenômeno do crescimento das cidades e da formação das megalópolis. Para bilhões de pessoas, a vida urbana permitiu o acesso à educação, à saúde, ao trabalho e ao lazer, sustentando espetacular aumento da longevidade. A cidade se constituiu como o lugar da modernidade. Em busca desse lugar, o Brasil, em cem anos, passou de 6 milhões a 160 milhões de citadinos.

O desenvolvimento nacional é urbano, mas assimétrico. A cidade, que incluiu, também apresenta índices inaceitáveis de desigualdade social.

Recente estudo realizado entre 63 países em desenvolvimento, divulgado pela ONU/Habitat, situa cinco cidades brasileiras entre as vinte socialmente mais desiguais do mundo. Goiânia, no rico CentroOeste, é a mais desigual entre as brasileiras, seguida de Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília e Curitiba.

Ironicamente, três delas são novas capitais planejadas.

A que atribuir essa marca? A desigualdade social intraurbana, é claro, é fundada na estrutura econômica e política da sociedade.

Mas também razões urbanísticas respondem pela desigualdade. Entre estas, devemos considerar a expansão da cidade em baixa densidade populacional, carente de infraestrutura e serviços.

Construir a casa, mesmo precariamente, é o que a família pode fazer.

Ela não pode construir cidade.

Sem política habitacional e urbana, sem financiamento, as famílias são compelidas a construir nas fraldas mais distantes. Assim, nossas metrópoles se apresentam como um oceano de assentamentos precários, desprovidos de cidade, de onde, a cada manhã, partem milhões de trabalhadores em condições desumanas de transporte público, com perdas gigantescas de dinheiro, de força de trabalho e de vida, em busca de sua inserção na sociedade contemporânea.

A exponencial expansão da cidade seria consentânea com a ideia de um futuro infinitamente próspero.

Nos anos sessenta, era possível pensar assim: a população dobrava em pouco tempo, as cidades inchavam, a economia parecia milagrosa e o futuro superaria as dificuldades.

As teorias urbanísticas compartilharam essa crença. A cidade do automóvel, extensa, substituiria a cidade contida, do transporte sobre trilhos. Porém, mesmo nos países ricos, de onde se originou esse modelo, sua insustentabilidade está demonstrada. Infelizmente, expansão urbana e desconcentração populacional são atributos valorizados entre nós. Novas estradas e novos parcelamentos são aplaudidos ainda que indutores da cidade insustentável — isto é, cada vez mais cara e mais pobre.

No Rio, por exemplo, embora a função logística seja suficiente para justificar a construção do Arco Metropolitano (estrada que ligará a petroquímica de Itaboraí ao porto de Sepetiba, passando ao fundo da Baía de Guanabara), ele é sugerido como oportunidade para a implantação de novos bairros e para acolher centenas de milhares de habitantes. Tratase de insistir no modelo expansionista.

Porém, desde os anos 80, o Grande Rio é a metrópole brasileira que menos cresce em população, estando virtualmente estável demograficamente.

Nessa situação, seria legítimo esperar-se, em prazo razoável, universalizar um padrão de urbanidade compatível com nossa contemporaneidade.

Todos sabemos que a carência de infraestrutura, de transporte adequado e de serviços públicos dificulta aos pobres a inserção na educação, no trabalho e no desenvolvimento.

Expandir a cidade, assim, será um reforço à desigualdade e pereniza a injustiça.

O Rio pode dispensar a expansão em novos parcelamentos, mesmo ricos.

Estes também aumentam os custos urbanos. A cidade tem suficientes territórios intraurbanos a ocupar, inclusive vazios centrais.

Lugares a serem recuperados, retirados da anomia, bairros deprimidos que, no entanto, por sua localização, história e cultura podem perfeitamente voltar a ter vitalidade. Inúmeros bairros privilegiados têm ampla condição de abrigar a emergente classe média. Nesse sentido, a região das Vargens Grande e Pequena, na Barra, deveria permanecer tal como definida no Plano Lúcio Costa, destinada a sítios e chácaras. Lembremos que sua área equivale a 25 vezes os bairros de Copacabana e Leme somados. Como pode interessar à cidade tal expansão? O futuro da cidade passa pela qualificação continuada, estratégica, de seu espaço urbano-metropolitano.

É um desdobramento impositivo à capacidade demonstrada pelo sistema urbano brasileiro de incluir milhões de cidadãos. Faz parte de seu desafio, agora, combater a desigualdade.
SÉRGIO MAGALHÃES é arquiteto.

RUY CASTRO

O enigma do genoma
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/10


RIO DE JANEIRO - Foi há quase dez anos, em junho de 2000, num hotel do sul da França. A TV local interrompeu a transmissão de uma partida do Guga pelo torneio Roland Garros, que eu acompanhava com um ouvido no jogo e outro na música das esferas, para dar uma bomba: a ciência acabara de decifrar uma coisa chamada genoma.
Pela empolgação do locutor, parecia algo do outro mundo. À beira do rigor mortis, julguei ouvir palavras como "mapeamento", "sequência" e "genes". Mas tente decifrar uma informação científica dada pela TV francesa, quando se acabou de voltar da praia e bateu aquela modorra. Minha amiga, no outro aposento, ouviu o alarido do locutor e perguntou: "O que houve?".
"Não sei", respondi, bocejando. "Descobriram um negócio chamado genoma. Não entendi se é um remédio ou uma doença."
Certo, ninguém pode se dar ao luxo de ser tão ignorante. Mas, em defesa de meu desconhecimento sobre o que seria um genoma, alego que, poucas horas depois, Larry King entrou ao vivo pela CNN para entrevistar o Dalai Lama. E, como aquele era o assunto do dia, perguntou-lhe o que ele achava do genoma.
Espetado à parede com uma pergunta fora do script, o pobre Dalai começou a revirar os olhos à esquerda e à direita, como que pedindo socorro a seus assessores. E, como nenhum deles veio em sua salvação, limitou-se a sorrir, com sua simpática carinha de tartaruga, e deixou Larry King sem resposta.
Bem, dez anos depois, leio que o Projeto Genoma é um sucesso como banco de dados, mas, pela sua complexidade, ainda não rendeu os efeitos que se esperavam nos tratamentos médicos. A comunidade científica pede paciência.
Não posso falar pelo Dalai Lama, mas os cientistas têm toda a minha compreensão e torcida. O bicho é complexo mesmo.

MANOEL CARLOS


REVISTA VEJA - RIO

Três momentos



Na minha infância e adolescência, a Páscoa não era festejada com egoísmo, como mais tarde passou a acontecer (e até hoje assim é) em quase todas as famílias, em que cada membro — criança ou adulto — devorava seu ovo particular. Eram seis filhos? Eram então seis ovos. Conheci pessoas que guardavam o chocolate no quarto, num armário fechado a chave. Todos os dias, depois do almoço e do jantar, iam até lá e partiam um pedaço, que comiam escondidas de todos. Não. Na minha infância e adolescência dividiam-se o prazer e a alegria entre parentes, amigos, vizinhos e mesmo desconhecidos que passavam pelo bairro em que morávamos, pedindo um prato de comida, um agasalho, um dinheirinho para o cigarro e a cachaça.

Meu pai comprava um ovo grande, bonito, e colocava no centro da mesa. E todos nós e mais as pessoas que passavam pela nossa casa tinham acesso a essa gostosura. Era chegar e pegar um pedaço. Sem formalidade e sem desejo imoderado. E o grande ovo ficava ali quase sempre uma semana inteira, saboreado sem pressa.

Meus pais eram generosos e até pródigos, sem ser ricos. Éramos apenas e tão simplesmente da classe média, situados entre os que eram chamados de pobres e os que eram chamados de ricos. E naquele tempo — acreditem — mesmo os pobres tinham o suficiente para viver, e podiam, desse modo, ajudar o paupérrimo, o miserável, o desprovido de tudo.
* * *

Sempre que uma pessoa morria, fosse qual fosse a vida que levara até o último suspiro, meu pai dizia: viveu como escolheu viver. Com isso ele concedia ao falecido o gozo pleno de seu livre-arbítrio. Nada de fatalidade, de destino. Não. Meu pai, tão crente em Deus e cumpridor de tantos deveres religiosos, não via a mão do Criador conduzindo nossa vida por este ou aquele caminho. Lembro que quando morreu de cirrose, em meio a muito sofrimento, o marido de uma empregada nossa, bebedor contumaz, meu pai comentou sem suspirar:

— Ele quis assim. Não foi por falta de aviso, nem de ajuda. Até hospital eu me ofereci para pagar, se ele quisesse se tratar.



Não sei se meu pai tinha razão. Nem saberei nunca. Minha mãe pensava e agia de maneira diferente, até oposta. Ninguém, para ela, era culpado de coisa alguma; nem mesmo da vida que levava, do mal que fazia, dos maus passos que dava. Diante disso, para ela tudo era perdoável no ser humano. E, também por essa razão, o inferno era uma ficção. Ela só aceitava a existência do céu e de um leve purgatório, uma espécie de spa das almas, que ali ficavam por algum tempo, lavando-se de seus pecados. Para minha mãe, ninguém cometia um pecado, mas uma falta. E um gesto ou uma palavra de ódio era sempre tratado como uma fraqueza momentânea do espírito. Para minha mãe, ninguém morria. Ia para Deus.
* * *

Nunca tive o hábito de ler meu horóscopo nos jornais e revistas, e jamais encomendei um mapa astral. Na verdade, nunca acreditei na influência dos astros sobre as pessoas. Quando vivi um tempo nos Estados Unidos, fiquei bobo ao ver como os americanos levam a sério os presságios do dia. Conheci gente que não saía de casa, nem mesmo para o trabalho, se as previsões dos astros, para aquele dia, fossem negativas, alertassem para possíveis acidentes etc. Concluí que os americanos acreditam em tudo.

A propósito disso, ocorre-me a frase de Umberto Eco, no livro 
O Pêndulo de Foucault: “As pessoas nascem sempre sob o signo errado. E estar no mundo de forma digna significa corrigir dia a dia o próprio horóscopo”.

Feliz Páscoa.

JOSEF BARAT

Diplomacia de mercado 
O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/04/2010


Desde 1995 nossa diplomacia se vem empenhando por uma posição de maior relevo para o Brasil no cenário mundial. Do ponto de vista econômico, vários fatores influenciaram esse empenho: maior abertura da economia para o comércio internacional; estabilidade monetária alcançada com o Plano Real; crescimento e maior inserção competitiva das exportações; e imagem de respeito a contratos e compromissos com capitais e investimentos estrangeiros. Não é pouco para um país situado nesta periferia latino-americana, de muita turbulência e escassa credibilidade.

Cabe lembrar, todavia, que papéis relevantes em escala mundial dependem de uma multiplicidade de fatores que transcendem o desempenho econômico. Tais papéis são reservados a países capazes de gerar cultura, conhecimento, tecnologia e inovação. Num mundo tão afeito a conflitos, é igualmente importante dispor de Forças Armadas com capacitação material e humana para a função primordial de dissuasão. E não menos importante é a capacidade de difusão consistente de valores morais no cenário mundial, que até países pequenos e frágeis podem ter.

Diplomacia bem-sucedida, portanto, é aquela que consegue atuar em função de fatores econômicos, culturais, tecnológicos e de consistência moral. O respeito no concerto das nações decorre naturalmente da coerência de suas ações. Priorizar os fatores econômicos pode conduzir a equívocos e fracassos, principalmente quando não se tem uma visão clara das escalas envolvidas. Se, de um lado, é incontestável o extraordinário crescimento das exportações brasileiras - que passaram de US$ 47 bilhões, em 1995, para US$ 198 bilhões, em 2008 - não se pode esquecer de que a nossa participação no comércio mundial de mercadorias variou de 0,9% para apenas 1,2%. O mesmo ocorre para a soma de exportações e importações. Quanto ao comércio de serviços, em 2008 o Brasil detinha 0,8% das exportações mundiais e 1,3% das importações. Por outro lado, a participação das exportações no PIB brasileiro é de 12% e o seu valor per capita é de apenas US$ 1.030. Das nossas exportações, 54% são produtos primários e, das importações, 70% são manufaturados. Sendo o 8.º PIB mundial, o Brasil ocupa o 22.º lugar no ranking dos países exportadores.

Pois bem, a busca obcecada pelo incremento das exportações levou nossa diplomacia à busca da diversificação de mercados, tentando consolidar novos nichos. Passou a agir de acordo com interesses fragmentados, para viabilizar a venda de mercadorias e serviços. Portanto, uma diplomacia de mercado, servindo de suporte à expansão de grupos empresariais. Esse pode ser um papel importante no trabalho dos diplomatas. Mas, no afã de desempenhá-lo, dispersaram de tal modo seus esforços que acabaram por considerar como prioridade diplomática qualquer país com pequeno potencial de comércio. Acabou-se chegando a uma diplomacia de mercadinho, desprezando grandes oportunidades com parceiros tradicionais. Mas o problema maior foi o do abandono de valores morais sedimentados desde os tempos de Nabuco e Rio Branco.

A busca de mercadinhos transformou-se em bajulação aos regimes políticos mais desprezíveis do nosso tempo. O mais interessante é que essa política de caixeiro-viajante, promovendo a venda de produtos em locais novos ou pouco explorados, foi vestida com uma roupagem ideológica "de esquerda"! Roupagem tão inadequada à democracia brasileira e ao respeito conquistado que imobiliza nossos diplomatas na condenação de regimes - de direita, esquerda ou "meia-volta, volver" - contumazes violadores dos direitos humanos.

Em vez de marcar a diferença, projetando o Brasil como potência econômica responsável e confiável, os mentores da diplomacia de mercadinho enveredaram por tortuosos caminhos de uma ideologia obscura e retrógrada. Uma sucessão interminável de equívocos está pondo em risco a credibilidade conquistada a duras penas. Lembrando o grande Millôr Fernandes, esperemos que o fracasso não lhes suba à cabeça...

BRASIL S/A

Algemas de ouro
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 03/04/10

Dilma reluta em sair da sombra, e Lula segue como o astro de um espetáculo em que é coadjuvante


Elétrico como ursinho de pilha da propaganda, que continua em pé enquanto os da concorrência vão caindo, o presidente Lula resiste a sair de cena, o que fará da eleição presidencial, parafraseando ele próprio, um caso “nunca antes visto na história deste país”.

O tucano José Serra, principal candidato de oposição, faz de tudo para não afrontar o seu governo, com receio da enorme popularidade acumulada por Lula, mas ainda não repassada a Dilma Rousseff, que reluta em sair da sombra protetora do mentor. Na prática, Lula vem sendo o candidato. O que a princípio pareceu para muitos no PT um blefe era realidade. E agora tem jeito de desafio pessoal.

Por que Dilma e não outro petista mais experiente eleitoralmente? Nem no partido as respostas são conclusivas. A mais comum especula que com Dilma, sem pretensões políticas, seria mais fácil para ele voltar a concorrer em 2014. Com ela ganhando ou perdendo, estaria mantido o “vácuo construído” no PT, segundo um cardeal petista.

É a metáfora para a falta de lideranças que rivalizem seu poder. Quem o tinha de fato no PT, como José Dirceu, ou o construía de fora para dentro, como Antonio Palocci, caiu em desgraça.

Hoje, mesmo não tendo mais nenhum desafio a superar, à frente de um governo bem avaliado e popular no último ano do mandato duplo como nenhum outro presidente conseguiu, Lula indica que continua inquieto: quer provar que pode eleger quem quiser, até um poste, conforme o jargão da política para candidatos sem voto próprio.

Outros políticos fizeram o mesmo. O então governador de São Paulo Orestes Quércia elegeu Luís Antonio Fleury, seu vice-governador, que nunca disputara coisa alguma. Aécio Neves lançou o seu também vice Antonio Anastásia, administrador de sucesso que jamais provou o gosto das urnas. Atípico no caso de Lula é que ele está a dizer que vai para o tudo ou nada na campanha por Dilma. Virou aposta.

No fim, ainda que não seja a intenção de Lula, Dilma, não apenas Serra e a senadora Marina Silva, que vai concorrer pelo PV, poderá ter de disputar espaço com a sombra de seu mentor para não passar por marionete, conforma troça do ex-presidente Fernando Henrique.

Ela é agradecida a Lula, como mostrou no discurso de despedida da Casa Civil, mas em algum momento terá de se desgarrar e provar que é mais que somente a preferida. Lula conseguirá conter-se?
Como show da Broadway 
Os blocos dos candidatos já estão na rua, mas Lula é quem comanda o espetáculo. E, por ele, assim será por muito mais tempo, como os musicais da Broadway, que ficam décadas em cartaz. Na sexta-feira, lançou um repto: “Vai quebrar a cara quem pensar que eu vou ser um ex-presidente, porque vocês vão-me ver andando por este país”.

É o oposto do que dissera tempos atrás, referindo-se às críticas de Fernando Henrique a seu governo. Ex-presidentes, segundo Lula, não deveriam meter-se em política. Em seu caso, iria recolher-se a seu apartamento em São Bernardo. Mudou ou nunca cogitou a ideia?
Tutelando a sucessora
A resposta não importa. Tanto quanto outros ex-presidentes, todos ativos na política, Lula pode fazer o que quiser depois que acabar o mandato. Suas declarações torrenciais — “falo demais”, admitiu, ao discursar na Conferência Nacional de Educação —, no entanto, o mostram com dificuldade de se imaginar fora do poder.

É mais que só apoiar a eleição de Dilma. Omitir-se equivaleria a jogá-la na fogueira. Mas ele está falando, mesmo sem tal intenção, de tutelar o eventual governo Dilma, se levada ao pé da letra uma parte de seu discurso no mesmo evento em Brasília.

“Eu digo sempre o seguinte”, afirmou. “Quem quiser me vencer vai ter que trabalhar mais do que eu”. Mas quem quer vencê-lo? Serra e os outros querem a vitória, não necessariamente a derrota de Lula.
Quem seria neoliberal 
Quanto mais escapar essa distinção entre Dilma e Lula, pior será para ela demonstrar que, mesmo precisando da ajuda do presidente, tem personalidade, iniciativa e idéias próprias para governar.

Continuísmo não implica continuidade. Talvez esteja aí a fraqueza da estratégia de colar Serra a FHC. Para Dilma é a popularidade de Lula que a beneficia. Só que Serra divergia da política econômica de FHC, assemelhada à de Lula, e não lhe será difícil contestá-la.

Já o faz. Está mais à vontade para chamar de “neoliberal” o Banco Central de Henrique Meirelles que ela, embora ambos quanto a isso devam ter muitos pontos em comum. Lula tem que deixá-la se expor. A eleição ficaria mais realista. E o PT poderia ter sua alforria.
BC põe o PT no divã 
Esta campanha será cheia de contradições. Para Serra, se ele não se desvencilhar da crença fomentada por Lula e Dilma de que seria criatura da política econômica de FHC. Serra é mais próximo do que o PT aspirava. Lula sabe disso. Mas quem se toca? Só Serra mesmo.

E Dilma, se a oposição for competente em colá-la a Meirelles, sem prejuízo dos acertos do Banco Central. E mais agora, depois que o presidente do BC tentou sem sucesso que o PMDB o indicasse a vice na chapa do PT. Ele ficou no BC, segundo disse, a pedido de Lula, contrariando seus companheiros desenvolvimentistas da Fazenda, que sonhavam em pôr a mão na Selic. Se Dilma vencer, é provável que continue influente no governo. E o PT continuará no divã.