quinta-feira, fevereiro 04, 2010

EDITORIAL - O GLOBO

Arma eleitoral


O Globo - 04/02/2010

É risível a explicação dada pela secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social, Lúcia Modesto, de que a referência, em documento oficial, à possibilidade de o próximo governo alterar o Bolsa Família se deve a um descuido “com a linguagem”.

Diante das características das eleições presidenciais deste ano, a menção nada sutil a uma redução da validade do benefício, a depender de decisão do próximo presidente, não é falta de cuidado no estilo — tem mesmo é objetivo eleitoral explícito. Leia-se: vote em Dilma Rousseff e garanta seu dinheiro.

O presidente Lula, ao antecipar, por sobre a legislação, a campanha eleitoral de 2010 em mais de um ano já sinalizara que o atual grupo no poder tudo fará para se manter nele pelo menos mais quatro anos. E o esforço precisa ser redobrado, devido à escolha de uma candidata sem qualquer quilometragem de palanques.

A arma do terrorismo de campanha não é de uso exclusivo do PT. Em 2002, os tucanos a acionaram, sem êxito, contra Lula. Este, sensato, decidiu não cumprir a profecia da catástrofe, manteve os pilares da economia de mercado, e acertou. Em 2006, o mesmo arsenal foi empregado pelo PT, com sucesso, contra o tucano Geraldo Alckmin.

Apresentado pelo PT como alguém que iria, além de acabar com o Bolsa Família, privatizar a Petrobras e o BB, Alckmin não soube escapar da armadilha. Perdeu o segundo turno, com menos votos que obtivera no primeiro.

O truque se repete, mas agora as bruxarias deverão ser mais virulentas, pois há amplos esquemas encastelados na máquina pública, com livre acesso ao dinheiro do contribuinte, e que, por óbvio, não desejam voltar à planície e perder os generosos repasses liberados por companheiros na Esplanada dos Ministérios.

Corporações de sindicalistas, organizações ditas sociais, ONGs de vários matizes têm provado, nestes sete anos e poucos dias de Era Lula, de fartas benesses do poder expressas em cifrões. Entendese por que lideranças do MST, por exemplo, falam grosso contra Lula antes de eleição, mas trabalham pelo PT quando se trata de preservar vagas e verbas em Brasília.

Não se pode menosprezar, também, a capacidade de a caneta presidencial obter apoios. No final do governo FH, havia pouco mais de 18 mil cargos de confiança — já uma enormidade — a serem preenchidos pelo poderoso de turno. Mas Lula, cujo governo tem no empreguismo e no aparelhamento da máquina burocrática uma das marcas, pôde empregar 23 mil pessoas. Evidente que são todos abnegados militantes do continuísmo.

Devido a tudo isso, é grande o risco de o país enfrentar uma campanha em que haverá mais “alopragens” do que debates sérios sobre temas que importam para a sociedade brasileira. Inclusive o Bolsa Família.

NAS ENTRELINHAS

Uma bela sociedade

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 04/02/2010

O PT protestava nos anos 1990 contra a interdição do debate econômico. Hoje quem interdita o debate é o PT, em aliança com os mesmos vendedores de ilusões do primeiro mandato de FHC. Uns lutam para manter as posições de poder. Outros, os lucros



Ciro Gomes e o PSB experimentam as vicissitudes de um projeto político que não se encaixa no do presidente da República. O script é velho e repetido. Vazam do palácio as manifestações de “carinho”, “apreço” e “consideração” de Luiz Inácio Lula da Silva pelo sonhador da vez. Pode haver até “gratidão” e, no limite, um “apoio”, que nunca se materializa. Enquanto isso, a máquina de moer outros sonhos que não os de sua excelência é colocada para rodar.

Resistirão Ciro e o PSB à blitzkrieg do Planalto? Um vetor da operação política palaciana nos últimos meses tem trabalhado para desidratar qualquer possibilidade de alianças do eventual candidato socialista. A razão é sabida. O PT temia que Ciro, podendo apresentar-se como alguém do “campo lulista”, acabasse tomando o lugar de Dilma Rousseff na polarização.

Como me disse um deputado do PT-SP no fim do ano passado: “O problema do Ciro é encarnar melhor que Dilma o espírito do confronto com os tucanos. Num ambiente de disputa feroz, ele estaria mais à vontade do que ela”.

Mas esses são assuntos de Ciro, do PSB, do PT e das relações mútuas. Que resolvam como acharem melhor.

E o distinto público, teria algo a ganhar com a entrada do deputado e ex-ministro na corrida? Teria sim. E muito. A começar pela desinterdição de certa agenda, a do não financismo. O PT ameaça agitar na campanha a ameaça de que o PSDB vai “mexer na economia”. Dado que os tucanos passarão os próximos meses lutando para escapar da excomunhão do mercado, por que não abrir espaço para alguém disposto a assumir o risco político de dizer que vai alterar o que precisa ser alterado?

O PT protestava nos anos 1990 contra o que chamava de interdição do debate econômico. Criticou especialmente a cortina de fumaça erguida em 1998, com a colaboração da imprensa, para mascarar as fragilidades da economia na véspera da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Hoje quem interdita o debate é o PT, em aliança com os mesmos vendedores de ilusões do primeiro mandato de FHC. Uns lutam para manter as posições de poder. Outros, os lucros. Uma bela e rentável sociedade.

Com um agravante: FHC pelo menos tinha o argumento de que precisava da âncora cambial para quebrar a espinha da inflação inercial. Agora, nem isso.

Um sintoma do ambiente é a presença de Henrique Meirelles na lista de possíveis vices de Dilma. O presidente do BC, aliás, está em plena campanha, cuidando de produzir factoides para distrair, enquanto protege os juros altos. O alvo agora são os bônus dos executivos de bancos. Mas não deixa de fazer algum sentido. Em ambos os casos, ao propor conter os bônus e ao colocar lenha na fogueira dos juros zela em primeiro lugar pelos dividendos dos acionistas das instituições financeiras.

A projeção realista do déficit nas transações com o exterior este ano corresponde a um quarto das nossas reservas internacionais. A conta vai fechar por causa dos investimentos diretos, que o governo espertamente chama de “produtivos”. Como se o dinheiro na bolsa carregasse automaticamente esse rótulo. Como se não fosse um maravilhoso negócio captar dinheiro lá fora para gerar aqui dentro receitas não operacionais.

Esta semana, a produção industrial de 2009 confirmou-se desastrosa. Talvez no fim de 2010 a indústria volte ao nível de 2008. Mas há alguém estrategicamente preocupado com a indústria, com as exportações, com a geração acelerada de empregos? No establishment econômico e político, pelo jeito ninguém. Para que se ocupar disso se o dólar barato funciona como anestesia? Se coloca mais comida na mesa do pobre, garante as viagens e os gastos da classe média no exterior e alivia a vida de todo mundo que precisa importar?

Nesse ambiente, ideal para o petismo será enfrentar adversários manietados pela necessidade de defender a administração FHC. O PT poderá desfilar na campanha como o partido da “ruptura com a herança maldita”, enquanto cultiva a continuidade do que ela tem de pior.

Ciro Gomes, assim como Roberto Requião (PMDB), representaria pelo menos a possibilidade de discutir esses temas. Suas dificuldades políticas são um retrato da miséria do debate político e intelectual hoje em dia no Brasil.

VINICIUS TORRES FREIRE

América Latina na Europa

FOLHA DE SÃO PAULO - 04/02/10


A Grécia terá de dançar miudinho, segundo o pacote que acertou com a União Europeia. Trata-se de um plano fiscal de bitola estreita, como aqueles que países latino-americanos acertavam periódica e frequentemente com o FMI até pouco antes do ano 2000.
O deficit público da Grécia foi a 12,7% do PIB em 2009; o deficit externo, 12%. Quando o Brasil foi à lona, em 1998, o deficit público estava na casa de 7% do PIB. Obviamente não é apenas o tamanho do rombo que faz um país pedir água. Histórico de calotes, tamanho da dívida, seu prazo de vencimento e, em suma, a confiança dos credores são os determinantes. O deficit francês, por exemplo, foi a 8,2% em 2009; os americanos tapam seus rombos na prática "imprimindo" dólares como papel de chiclete, mas o mundo usa a dívida americana como colchão para guardar poupança.
De resto, a Grécia está na eurolândia -caso contrário, penderia no cadafalso dos mercados. Os europeus não podem deixar que um país saia do bloco monetário, desvalorizando a moeda, o que desmoralizaria o euro e, de quebra, levaria pelo menos Portugal na enxurrada e provocaria enchentes na Espanha e na Itália. Por essas e poucas outras, a Grécia não é anedota financeira da periferia europeia como a Islândia, aquele parque de diversões liberalóide.
O governo grego prometeu cortar salários e empregos no governo, reformar a previdência e o sistema de saúde público (isto é, talhar gastos) e criar uma espécie de "fundo social de emergência" de 10%. Isto é, algo semelhante à "desvinculação de receitas da União" aqui no Brasil, coisa criada nos anos FHC e que dura até hoje, um dinheiro que sai do cofre para bancar superavit primários.
O governo ainda aumentou o imposto sobre combustíveis e, pelo andar da carruagem, ainda não muito evidente, vai reprimir aumentos de salários no setor privado também. O deficit do governo grego tem de cair para 3% do PIB até 2012. Em troca, virá ajuda da União Europeia. Mas o arrocho pode dar em algum tumulto.
A Grécia, embora bem mais rica que o Brasil, é o canto pobre da eurolândia à leste (no oeste, é Portugal). Isso significa que o colchão social é mais fininho. A economia deve ficar estagnada outra vez neste ano. A esquerda tem ainda alguma força, em especial nos sindicatos, os estudantes têm tradição de protesto pesado.
No final de 2008, houve greve geral e morte na rua. Foi quando o então líder da oposição, o socialista George Papandreou, dizia "chega desse governo que não entende os problemas do país". Os socialistas venceram a eleição de 2009 e Papandreou se tornou o premiê que vai baixar o arrocho. O mercado gostou da promessa e parou de vender papéis gregos. Portugal, 9,3% de deficit público, virou a bola europeia da vez. O ambiente no mercado mundial está mais azedo. Há o ruído europeu, rumor sobre contínua estagnação no mercado de trabalho americano, sustos e corrida a cada anúncio de aperto monetário na China.
As Bolsas americanas estão no pior nível desde outubro. Sentimos essas marolas por aqui, com estrangeiros dando uma breve escapada de papéis brasileiros -breve por ora. De mais importante, a marola bate no dólar. O que não pega bem quando se começa a discutir inflação e alta de juros.

ILIMAR FRANCO

FH banca Aécio

O Globo - 04/02/2010


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contou, a políticos próximos, que Aécio Neves já concordou em ser o vice de José Serra. Os tucanos dizem que a presença de Aécio na chapa é pré-requisito para que, no futuro, ele seja candidato do partido a presidente. Os serristas também se definiram pela candidatura de Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo. Alckmin é garantia de uma forte votação no estado e de que Serra estará liberado para fazer campanha no restante do país.

O PSB está dividido sobre Ciro
O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) admite que está sendo pressionado por candidatos do partido em situação difícil, como o senador Antonio Carlos Valadares (SE), que disputará a reeleição, e a governadora Wilma de Faria (RN), que concorrerá ao Senado, para retirar sua pré-candidatura a presidente. Eles querem fazer aliança com o PT. Mas pré-candidatos a governador, como o deputado Beto Albuquerque (RS), querem que ele se mantenha na disputa.

“Qualquer partido que queira crescer tem que colocar o bloco na rua”, resume Beto. Ciro quer concorrer, mas considera que é relativa a influência de sua candidatura nos estados.

"Ciro (Gomes) é um potro indomável, não adianta colocar cabresto e rédea nele” — Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB

Namoro
O PMDB deu um jantar, anteontem, em homenagem ao novo líder do governo no Congresso, Cândido Vaccarezza (PTSP).

O petista (na foto, senado à esquerda do presidente da Câmara, Michel Temer) é bem quisto pelos peemedebistas e considerado um dos que mais aposta na aliança com o PMDB nas eleições presidenciais. Presentes os líderes do PT na Câmara, Fernando Ferro (PE), e do PMDB, Henrique Alves (RN).

O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) quer prorrogar por mais 180 dias a CPI das ONGs. O requerimento foi apresentado ontem, com a assinatura de 40 senadores.

A CPI é uma arma da oposição para alvejar o governo Lula.

Mimo
Para agradar o governador Jaques Wagner (PT), o ministro Nelson Jobim (Defesa) mandou criar uma superintendência regional da Infraero na Bahia. No ano passado, Jobim tinha transferido a superintendência para Pernambuco

Dilma aqui e Temer lá
A candidata do PT à Presidência, ministra Dilma Rousseff, confirmou presença sábado na convenção do PMDB que vai eleger sua nova direção. O presidente Lula é dúvida. Para o Congresso do PT, dia 20, que vai deliberar pela candidatura de Dilma, os petistas convidaram o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), e os ministros Henrique Meirelles (BC), Hélio Costa (Comunicação) e Edison Lobão (Minas e Energia).

Trabalhadores apostam no ano eleitoral
As centrais sindicais fizeram uma semana de mobilização na reabertura dos trabalhos do Congresso.

Cerca de 1.500 trabalhadores foram a Brasília pela aprovação de emenda que reduz a jornada semanal de trabalho de 44h para 40h.

Em junho, será realizada a segunda Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, fato que não ocorria desde a década de 80. Os sindicalistas acreditam que aprovam a emenda este ano na Câmara, deixando o Senado para 2011

O HOMEM de confiança da ministra Dilma Rousseff chama-se Giles Azevedo. Ele a acompanha em funções executivas e de assessoria há 20 anos.

O PT pretende continuar com a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e indicar para sua presidência o deputado Pepe Vargas (RS).

A ABL e a Câmara dos Deputados farão eventos conjuntos, de março a novembro, para marcar os 100 anos da morte de Joaquim Nabuco. Por sugestão do presidente da ABL, Marcos Vilaça, será destacada a atuação de Nabuco como deputado federal.

ARI CUNHA

Telefone ontem e hoje


Correio Braziliense - 04/02/2010

Terminada a segunda grande guerra, a aquisição de telefone dependia da autorização direta do presidente da República. Era coisa difícil e rara. Nova York, sofrendo dificuldades, tinha mais aparelhos do que a América do Sul. Aos poucos foi mudando. Brasil crescendo tecnicamente. Telefone deixou de ser novidade. Constata-se que Brasília possui mais de um telefone por habitante. O Brasil não para mais. Até o identificador de chamadas é nosso. Ainda não apareceu quem valorize a patente nacional. Hoje os celulares dominam. A Anatel resolveu colocar ordem na área. Obrigou as operadoras a efetuar o desbloqueio dos aparelhos celulares. Esse é um direito adquirido pelo consumidor. Poder colocar qualquer chip no mesmo celular facilitaria a vida de muita gente. Agora é acompanhar a guerra de Titãs e ver se, desta vez, a Anatel se faz obedecer.

A frase que não foi pronunciada

“Coisa difícil é encontrar um político amador.”

  • Laurinda Amélia, pensando enquanto lê a ficha dos candidatos

  • Ponto

    »
    Muito prático o controle de ponto dos funcionários do Senado. Se o Executivo adotasse o mesmo sistema, certamente seria um caos. Ao vencer as eleições, o PT exonerou pessoal de outros partidos e nomeou a população petista.

    Lupa

    »
    Vale a informação de que, desde setembro do ano passado, um pente-fino na folha de pagamento do pessoal do Executivo detectou pelo menos R$ 700 milhões pagos indevidamente.

    Luz

    »
    No caso do calote aos consumidores, as concessionárias de energia já avisaram: não vão pagar o retroativo. Imagine se os clientes devedores dissessem o mesmo.

    Maldade

    »
    Injustiça o que suspeitam do documento publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Dizer que em 2011 as diretrizes do programa Bolsa Família poderão ser alteradas pode ser entendido que o próximo governo vai melhorar o que já existe. Por que não?

    Bomba

    »
    Vale ler o artigo publicado no Correio de Sylvain Levy. Depois da divergência de opinião sobre os juros entre Henrique Meirelles e Guido Mantega, a população brasileira pisa em campo minado sem perceber.

    Adeptos

    »
    Depois de roubada a prova do Enem, gasto para reiniciar o processo, investigação e busca dos culpados, mais uma informação. As universidades que acolhem os estudantes que conquistaram boas notas no Enem são cada vez menos numerosas. De 58 só 23 aderiram ao sistema.

    De fato

    »
    A redução dos juros do Fies foi recebida com bastante entusiasmo pelos estudantes. Nenhuma carta formal ou qualquer correspondência pré-eleitoral. Simplesmente menos juros no boleto.

    Imoral

    »
    Alunos com certificado de conclusão do ensino médio expedido pelo Ilal continuam a via crucis. O Ilal não era autorizado pelo MEC a emitir certificado. O Ministério da Educação não fiscalizou e as universidades aceitaram o documento. Sem a presença do Estado, cabe aos estudantes a responsabilidade de consertar o que não é da sua alçada.

    Novidade

    »
    Ayahuasca é legal. O chá do santo-daime foi regulamentado pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. Só poderá ser usado em rituais religiosos. Proibido comercializar ou o dar-lhe uso terapêutico.

    História de Brasília

    Estão querendo tirar a cabeça do cutelo os responsáveis pelos escândalos do D. I. da Novacap. Houve muita coisa irregular e a comissão de sindicância deve ir até o fim, chegue aonde chegar.(Publicado em 24/2/1961)

    NELSON DE SÁ - TODA MÍDIA

    Brasil, França & Irã

    FOLHA DE SÃO PAULO - 04/02/10


    Na semana de festa pelo aniversário da revolução, o Irã transmitiu ontem, ao vivo, o lançamento de um foguete tripulado por animais.
    O porta-voz de Barack Obama, no "New York Times", respondeu de forma contida: "É obviamente um ato de provocação. Mas o presidente acredita que não é tarde para o Irã fazer a coisa certa: vir à mesa com a comunidade internacional e respeitar as suas obrigações."

    Por outro lado, a agência americana AP despachou a reação também contida do porta-voz do Departamento de Estado ao "gesto iraniano" do dia anterior, aceitando enviar urânio para enriquecer no exterior: "Tudo o que os iranianos têm de fazer é dizer que estão prontos para aceitar" o plano da Agência Internacional de Energia Atômica, que prevê o envio.
    Por fim, a agência iraniana Ilna noticiou e agências ocidentais ecoaram o detalhamento do diretor da Organização de Energia Atômica do Irã: "França, Brasil e um país asiático serão parte do processo de troca nuclear. As conversas com França e Brasil para suprir combustível nuclear enriquecido continuam e o acordo final será anunciado publicamente".

    OBAMA VEM AÍ
    A Agência Brasil anunciou e a chinesa Xinhua já ecoou que Obama deve vir ao Brasil "até o segundo semestre", para acordo em "temas como etanol e suco de laranja".
    Hillary Clinton vem antes. Em cerimônia no Departamento de Estado, para despachar o novo embaixador, Thomas Shannon, ela "ressaltou que o Brasil participa das principais negociações globais, sem se esquivar".

    HU JINTAO TAMBÉM
    Xinhua e agências ocidentais noticiam, de Pequim, que o Brasil vai sediar a segunda cúpula dos Brics no dia 16 de abril, em Brasília, reunindo "os chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia e China".
    Roberto Jaguaribe, subsecretário do Itamaraty, declarou à agência chinesa que o foco será "cooperação financeira e econômica". E que não está previsto o questionamento do "status do dólar".

    CORRIDA ESPACIAL
    Em reportagem sobre o "eclipse lunar" do programa dos EUA, o "Guardian" destacou que "abre caminho para a China na corrida de volta à Lua". Sobre os Brics, anota que a Índia quer a Lua, a Rússia prioriza Marte e "o Brasil ficou para trás na corrida espacial" após o acidente de 2003

    ARMAS SEM CRISE
    "Washington Post" e outros postaram que, segundo o londrino Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, os "gastos militares não foram afetadas pela recessão" global. Os países-chave "China, EUA, França e Japão" elevaram seus orçamentos. Só a Rússia baixou.
    Para o futuro, a expectativa é que os países da Otan cortem gastos. Mas "emergentes como Brasil, Índia e China devem prosseguir com a modernização militar".

    CHINA E A IMPRENSA LIVRE
    Charles Zhang, presidente do Sohu, segundo maior portal de internet da China, e "conhecido por sua franqueza", segundo a Reuters, questionou ontem em Pequim o controle governamental sobre a mídia. Acusa ele: "Os jornais e TVs chineses não enfrentam concorrência significativa e não têm personalidade independente, e por isso lhes falta autoridade e respeito. Caso o 'Wall Street Journal' e o 'New York Times' reportem algo, o mundo presta atenção e acredita. O direito da China de falar ao mundo está ausente porque o país não conta com organizações de mídia capazes de conquistar respeito."

    A POLARIZAÇÃO
    O sociólogo Mauro Paulino deu entrevista ao Terra, para a manchete "Diretor do Datafolha: transferência de Lula para Dilma é certa". Para ele, "comprovadamente Lula já está transferindo muitos votos para Dilma", pois é "a mulher forte do governo e já está em campanha". Diz que "a polarização é inevitável, não tem como fugir".
    No iG, o diretor do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, que antes previa vitória de José Serra, agora diz que, "se Dilma ganhar, não me surpreenderia". Avalia que ela pode chegar logo aos 30%, com a transferência, mas "a partir daí será difícil conquistar cada ponto a mais".
    Para o diretor do Vox Populi, Marcos Coimbra, no "Correio Braziliense", "tudo indica que teremos um embate PT vs. PSDB já no primeiro turno". Diz ser equivocada a visão de que "Ciro Gomes tira mais votos de Serra do que de Dilma", argumentando que ele carrega maior "conhecimento" pela participação em eleições nacionais.

    DESVIOS MORAIS
    Em meio às muitas entrevistas de ontem, reafirmando sua candidatura, Ciro atacou as pesquisas de intenção de voto, segundo o site da "Veja", por "desvios estatísticos, sempre; morais, também".

    CRECHES, NÃO
    Manchete do Valor Online, abrindo o dia, "Dilma revela foco em creches na segunda fase do PAC". Manchete do portal G1, fechando, "Palanque com Dilma só no segundo turno, afirma Ciro".

    LUIZ PAULO HORTA

    Testando os limites


    O Globo - 04/02/2010

    Um ser humano chegar ao topo do mundo é sempre um espetáculo raro. Se ele é brasileiro, fica mais interessante ainda. Pois o nosso presidente chegou lá — e não lhe faltam méritos.

    Ele foi o Homem do Ano para o “El País” e para o “Washington Post”. Foi o Estadista Global do Fórum de Davos.

    Deve ser, hoje, o político mais invejado do planeta, depois que Barack Obama viu minguar a sua lua de mel com o povo americano.

    Como é viver no ar rarefeito dessas alturas? Costuma ser tão complicado que todas as grandes culturas humanas deixaram conselhos a esse respeito. A Bíblia trata disso naquela misteriosa passagem do Gênesis em que Deus diz a Adão: “Comerás de todas as árvores do jardim do paraíso, mas não da árvore da ciência do bem e do mal, pois no dia em que comeres, certamente morrerás.” Ao que a serpente contra-argumenta, escolhendo Eva como interlocutora: “De forma alguma: no dia em que comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses.” O que esse texto propõe, usando a linguagem dos mitos, é a noção dos limites: algumas coisas se pode fazer; outras, não. Isso também aparece nas histórias de fadas, como na do Barba Azul, que dá à sua jovem esposa todas as chaves do castelo, explicando que ela pode abrir todas as portas, menos uma.

    Lula começou os seus dois períodos de governo singularmente atento à noção dos limites. Soube, com a sua fantástica intuição, que podia fazer muitas coisas, mas não mexer naquela última porta — a da política econômica, atacada por todos os seus colegas de partido.

    Seguiu esse rumo por sete longos anos. Balançou no “mensalão”. Marcou ponto nos projetos sociais.

    De uns tempos para cá, ele está diferente.

    Começou a adotar um tom de voz tonitruante, como se dissesse: “eu sou o dono do poder”; a explodir em palavrões; a gastar o que tem e o que não tem, contratando um cenário preocupante para quem estiver na sua cadeira em 2011.

    Fez coisas que um presidente não pode fazer — como ignorar decisões do Tribunal de Contas. Começou a campanha presidencial fora de hora, desrespeitando a Justiça Eleitoral.

    Mas acaba de receber um aviso: pressão a 18 por 11, nada aconselhável no começo de um ano como este.

    Não estou desfazendo da sua notável performance política. Ele é o povo brasileiro chegado ao poder; e o povo fala com voz rouca, não toma chá em salões Luís XV. Mas a noção dos limites fica sempre no fundo do cenário, e, um dia, cobra os seus direitos.

    Aceitar os limites pode ser chato; mas é algo que faz parte da nossa maneira de ser. Não somos deuses, como queria a serpente. E é por imaginar que pode viver sem limites que o homem de hoje parece, às vezes, tão desorientado.

    Num maravilhoso capítulo de Orthodoxy que se chama “The Ethics of Elfland”, Chesterton explica por que é a noção de limites que dá o sabor desta nossa aventura terrena. A Terra é preciosa porque é única — e telescópios apontados em todas as direções ainda não descobriram outra fonte de vida semelhante à nossa. A pessoa querida é preciosa porque é única, irrepetível.

    E o ser humano é mais feliz num ambiente que reproduza um pouco as suas limitações — uma casa que não seja grande demais, uma paisagem que tenha um horizonte.

    Lula mandou dizer a Davos que é preciso reinventar o mundo. Bonito.

    Não se vive sem utopia. Mas o mundo não se deixa reinventar facilmente. E é por isso que, ao longo da história, os idealistas têm de dialogar com os pragmáticos. O “Dom Quixote” é o maior romance da literatura ocidental porque criou um adorável par de personagens: o Quixote idealista e o Sancho pragmático. Um não vivia sem o outro.

    Lula sempre teve o physique du rôle de um Sancho Pança. E foi assim que ele se firmou na arena política: vestindo a voz dos oprimidos com um toque de realismo. Agora, ao que parece, ele se sente solto — “descolou do chão“, dizem alguns adversários políticos.

    Isso poderia comprometer, a médio prazo, uma aventura pessoal que não tem paralelo na nossa história política.

    Ele é muito melhor que um Chávez.

    Mas depois de ter resistido (sabiamente) à tentação do terceiro mandato, precisa também resistir às sereias que cantam sem parar quando se chega ao topo do mundo. A democracia só funciona bem vários palmos abaixo disso

    ELIANE CANTANHÊDE E IGOR GIELOW

    França baixa preço e Brasil compra caça

    FOLHA DE SÃO PAULO - 04/02/10


    Dassault diminui preço, e Lula escolhe caça francês
    Valor do pacote de 36 caças cai quase R$ 4 bi, e governo bate o martelo pelo Rafale

    Mesmo com redução, avião fabricado pela França custará quase 40% a mais do que o concorrente mais barato, o sueco Gripen




    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Nelson Jobim (Defesa) bateram o martelo a favor do caça francês Rafale. A decisão foi tomada depois que a fabricante, Dassault, reduziu de US$ 8,2 bilhões (R$ 15,1 bilhões) para US$ 6,2 bilhões (R$ 11,4 bilhões) o preço final do pacote de 36 aviões para a Força Aérea Brasileira.
    Mesmo com a redução, os caças franceses têm preço muito superior ao dos concorrentes. Conforme a Folha apurou, a proposta do modelo Gripen NG, da sueca Saab, foi de US$ 4,5 bilhões, e a dos F-18 Super Hornet, da norte-americana Boeing, de US$ 5,7 bilhões.
    Além do custo do pacote, que inclui avião, armas, logística e custo de transferência tecnológica, a Dassault estimou que a manutenção dos aviões por 30 anos custará US$ 4 bilhões.
    Os valores foram revistos após o presidente Lula anunciar antecipadamente a vitória do Rafale, em setembro. O preço unitário, sempre uma estimativa, era então menor para todos os concorrentes porque o pacote não previa vantagens incluídas na renegociação -como o custo de a Embraer fabricar o caça futuramente.
    Norte-americanos e suecos dizem que houve também uma mudança de condições na negociação. Na seleção da FAB, cujo relatório foi finalizado em dezembro, os preços eram fechados e inegociáveis. Pelo documento, o Rafale ficou em último (o Gripen liderou a lista).
    Com a redução apresentada a posteriori pela França, o preço ficaria sujeito a alterações futuras, informação que não é confirmada pelo governo.
    A redução de US$ 2 bilhões na oferta francesa foi concluída no sábado, quando Jobim passou por Paris na volta de uma viagem a Israel. Deu o aval após reunião com o embaixador brasileiro, José Maurício Bustani.
    O secretário de Economia e Finanças da Aeronáutica, brigadeiro Aprígio Azevedo, foi a Paris para participar da negociação. É a FAB quem arca com os custos de manutenção.
    A intenção de Jobim, conforme disse à Folha em janeiro, era reavaliar pessoalmente os critérios no relatório técnico da FAB e, após redistribuir o sistema de pesos para cada um, o que poderia mudar o resultado final, levar o relatório próprio ao presidente. A ideia não evoluiu porque o formato do relatório da FAB era muito rígido, e o Rafale não foi o melhor em nenhum dos critérios.
    Assim, Jobim estudou o relatório, elaborado em mais de dez meses pela Copac (Comissão Coordenadora do Programa Aeronaves de Combate), e fez, anteontem, uma exposição a Lula para justificar a escolha do Rafale, decidida há meses.
    Jobim comunicou a decisão ao comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, que, conforme relatos, ficou "desolado", mas determinado a acatar o posicionamento político do Planalto e da Defesa.
    Depois de desistir de alterar os pesos dos critérios da FAB, Jobim vai defender a escolha do Rafale contrariando os argumentos técnicos e os meses de estudos, viagens e avaliações dos aviadores da Copac.
    A decisão de Lula sobre a escolha é soberana, segundo a Constituição. Governo e Congresso têm de aprovar financiamentos, e o TCU checa as contas. É uma decisão de difícil reversão após assinada.
    A base da justificativa vai ser que o F-18 é americano e o Gripen NG tem componentes dos EUA, como o motor, e ambos deixariam o Brasil vulnerável -os EUA já impediram a Embraer de vender os aviões Super Tucano à Venezuela por terem peças americanas.
    No caso do Gripen NG, Jobim vai dizer que o avião "é só um projeto" e reúne peças de diferentes países, o que poderia exigir múltiplas negociações para revenda internacional.
    A Aeronáutica argumenta que o motor é "apenas mecânico". A aviônica (parte eletrônica) e o sistema de armas ("comunicação" entre o avião e seu armamento), esses sim, poderiam sofrer vetos e restrições.
    Nenhum aspecto técnico poderia demover o governo de fechar com a França, decisão tomada no contexto do que Planalto, Defesa e Itamaraty classificam de parceria estratégica.

    Vitorioso foi o último colocado em avaliação


    Além de ter ficado em último lugar na avaliação técnica da Força Aérea Brasileira, que irá operar os novos caças no mínimo pelos próximos 30 anos, o francês Rafale, da Dassault, não foi considerado o melhor em nenhum dos sete critérios finais.
    O jato francês foi apontado como a pior opção em cinco desses critérios: técnico, logística, compensações tecnológicas/comerciais, geração de emprego e preço.
    O vencedor, o Gripen NG, foi considerado melhor em quatro quesitos: técnico, transferência de tecnologia, geração de empregos e preço.
    Seu maior ponto fraco, a ser explorado pelo relatório político elaborado pelo ministro Nelson Jobim, foi o fator "risco", pois se trata de uma evolução do Gripen original, ainda em fase de teste.
    Na questão de oferta de empregos, a comissão da FAB ouviu as empresas brasileiras de defesa e avaliou que a proposta da Saab pode gerar 22 mil postos; a da Boeing, 5.000, e a da Dassault, 2.500. Responsável por uma das avaliações externas, a pedido da FAB, a Embraer apontou a proposta sueca como mais estimulante à indústria nacional.

    Decisão é vitória pessoal de Jobim

    Igor Gielow - ANÁLISE


    O previsível desfecho da novela dos caças, ainda a ser confirmado com assinaturas e compromissos financeiros, consolidou a parceria estratégica entre Brasil e França e foi uma vitória pessoal de seu maior defensor, Nelson Jobim.
    Foi ele quem costurou o amplo acordo militar em que o Brasil atrelou sua força de submarinos e helicópteros aos franceses no ano passado, e nunca escondeu que a escolha do vetor de aviação de combate tinha de seguir a mesma lógica.
    O ponto central: acesso a tecnologias agora e no futuro, além da abertura de canais que ultrapassam a área militar. A- lém disso, ao atropelar a preferência da FAB, Jobim manteve a consolidação do poder do Ministério da Defesa sobre as Forças Armadas -algo que só começou a ocorrer agora, mais de dez anos depois de sua criação.
    Mas a escolha levanta dúvidas sobre a conveniência de manter tal dependência de um só país num campo tão sensível quanto o militar. Agora, serão mais de R$ 30 bilhões a depositar nos cofres franceses. Historicamente, isso não é favorável.
    E há a questão básica pela qual a FAB havia preferido o sueco Gripen NG: o Rafale é uma aeronave cara de comprar e, principalmente, de operar. O motivo é justamente o que o governo e a França apontam como vantagem, que é o fato de que o avião não usa tecnologia sensível de nenhum outro país.
    Como só é usado hoje pelos franceses, o aparelho sofria de encarecimento por falta de escala industrial. Tudo é feito na França a custos altos. O contrato brasileiro, quando assinado, dá sobrevida ao avião como produto comercial e poderá até baixar seus custos futuros. De todo modo, as reduções de preço propaladas ainda têm de ser vistas em contratos e sob lupa.
    A FAB preferia o Gripen também por ser um projeto em desenvolvimento de um caça já existente, que abria mais possibilidades de interação e transferência de conhecimento. O Rafale é um avião pronto.
    O F-18 americano é um avião desejado por pilotos e com preço competitivo, mas pesa contra ele o fato de que nunca estaria livre da sombra de embargos eventuais no futuro. Ainda vai demorar para Washington superar essa desconfiança.

    ROBERTO MACEDO

    O 'Bolsa-Lucro'

    O ESTADO DE SÃO PAULO - 04/02/10


    A ala do governo federal que atemoriza o País com ideias exóticas produziu mais uma que caberia bem na sua obra mais completa, o decreto do Programa Nacional de Direitos Humanos. O novo produto obrigaria as empresas à distribuição compulsória a seus trabalhadores de pelo menos 5% do seu lucro líquido.

    Sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas já existe lei federal, a 10.101, de 2000, que não define esse mínimo e remete o assunto à negociação coletiva. E vale lembrar que empresas querem lucrar. Com esse objetivo procuram estimular seus empregados a serem mais produtivos física e intelectualmente. Para tanto, por si mesmas, adotam procedimentos que alcançam parte ou a totalidade de seus trabalhadores, em geral com alguma forma de compensação econômica.

    Empresa, contudo, é um termo genérico, e entre outros fatores seu lucro líquido depende da sua natureza individual, dos mercados em que atua, do capital e da mão de obra com que conta, do sindicato que representa seus trabalhadores, dos tributos que paga, dos seus processos de produção, do empenho em buscar o desenvolvimento tecnológico e as inovações e dos investimentos que realiza para essa finalidade e para expansão.

    Assim, é esse contexto específico de cada uma que define a conveniência e os limites de seus programas de incentivo. Quanto a outros de caráter coletivo, tais especificidades recomendam a negociação, pois uma regra única, tal como o limite mínimo que se quer impor, pode prejudicar o desenvolvimento das empresas, desestimular o surgimento de outras, e com isso prejudicar os próprios trabalhadores.

    Em várias matérias, este jornal esclareceu a origem do novo movimento atemorizante. A ideia veio do ex-ministro de Assuntos Estratégicos Roberto Mangabeira Unger e foi encampada pelos ministros Carlos Lupi, do Trabalho, e Tarso Genro, da Justiça, também conhecidos no ramo das ideias exóticas. Mais recentemente, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que sucedeu a Unger, também a subscreveu. Não vi referência à opinião da área econômica do governo, que ou se omitiu ou, em lulês, foi posta para escanteio.

    Tanto pela própria ideia como pelos personagens que a impulsionam e pelos argumentos que utilizam, o foco é na distribuição. Nas palavras de Mangabeira Unger, encerrando entrevista a este jornal, "a distribuição de renda, da riqueza e do poder".

    Não vi igual atenção a uma questão elementar, a da produção, que, obviamente, precede a distribuição. E a proposta tem de tudo para prejudicar a produção. Além disso, a própria distribuição também ocorreria de forma distorcida.
    Assim, num processo também de distribuição, mas de prejuízos, a atividade produtiva seria danificada pela criação do que equivaleria a mais um avanço dos estratosféricos encargos trabalhistas das empresas brasileiras, a onerar seus custos de produção, reduzir seus lucros e até a recomendar que seus novos investimentos, e o de empresas interessadas em vir para o Brasil, fossem realizados em outros países. É sabido que a regra internacional, em particular da nossa turma dos emergentes, é a de estimular a produção, sem prejuízo de estímulos distributivos, sejam os oferecidos pelas empresas, sejam os negociados coletivamente com seus empregados, mas sem o governo definir o placar, como esse de 5% dos lucros para um lado, logo no início do jogo.

    A ideia equivale também a um imposto sobre lucros com distribuição dentro da empresa tributada, sem passar pelo governo e agravar estatísticas de carga tributária e de gastos sempre em expansão. No detalhe, quer que 2% do lucro líquido seja distribuído de forma igualitária entre os trabalhadores da empresa e 3% conforme metas, méritos, gerências e resultados. É de estranhar que alguém do governo não tenha chamado a coisa de "Bolsa-Lucro", mais um programa federal.
    Quanto à distribuição, poderia até agravar a concentração no que diz respeito aos rendimentos do trabalho. A razão é que a proposta beneficiaria com muito maior vigor os trabalhadores de empresas altamente capitalizadas, ou seja, nas quais é mais alta a proporção entre o estoque de capital e o número de empregados, nesse caso, em geral, também mais bem remunerados. Em face disso, relativamente a outras elas geram um volume de lucros maior, e que seria distribuído a um número menor de empregados, relativamente ao seu capital. Ou seja, uma minoria de trabalhadores ganharia muito e a maioria receberia pouco, e não sei no que isso melhoraria a distribuição dos rendimentos do trabalho.

    Um caso interessante e muito conhecido, o da Petrobrás, serve de exemplo. Ela tem um imenso estoque de capital na forma de prédios, imóveis, instalações, refinarias, plataformas, dutos, navios e outros, que gera também um grande volume de lucros, relativamente à folha de salários, mesmo com os exageros desta. Nessas condições, 5% sobre os lucros corresponderiam também a um grande valor. Aliás, os funcionários dessa empresa já devem estar lambendo os beiços diante de mais um banquete em potencial. Já os trabalhadores de empresas pouco capitalizadas teriam de se contentar com migalhas, além de pagarem a própria conta dele, pois como monopólio a Petrobrás poderia transferir o novo encargo aos preços dos seus produtos.

    No meio de tanta insensatez, uma manifestação lúcida, a do embaixador Pinheiro Guimarães, dizendo que a proposta não será enviada com pressa ao Congresso, ainda que isso indique o caráter eleitoreiro do surgimento dela neste momento. Disse também: "... a hora é de amadurecer o debate, acho que quanto mais debate, melhor."

    Muito bem, mas nesse debate não pode faltar a equipe econômica. Que participe, então, seja para renunciar à omissão, seja para sair do escanteio.

    Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo

    CELSO MING

    Antes o meu, depois o nosso

    O Estado de S.Paulo - 04/02/2010


    Esta Coluna tem apontado para graves limitações na coordenação de macropolíticas numa economia que se globaliza e que, no entanto, esbarra na estreiteza das pressões locais.

    Aqui vão alinhavadas algumas das situações em que essa contradição tem aparecido com mais intensidade:

    (1) Relação bancos centrais e bancos comerciais - Uma das causas da última crise financeira foram as falhas graves na fiscalização e supervisão dos bancos. Essas falhas se aprofundaram porque as grandes instituições financeiras têm atuação global enquanto os bancos centrais são apenas guardiões locais da moeda. Em 2008, por exemplo, três bancos minúsculos da Islândia destruíram meia centena de bilhões de dólares em patrimônios na Alemanha, na Holanda e na Inglaterra, sem que nenhum dos três bancos centrais, que teoricamente deveriam estar envolvidos nas operações, se desse conta da lambança. Apesar da necessidade cada vez maior de controle internacional das finanças, os Estados Unidos, por sua vez, se opõem liminarmente à criação de uma agência internacional de regulação financeira, aparentemente porque não querem admitir que seus bancos sejam xeretados por estrangeiros.

    (2) Regulação bancária - Entre as principais propostas de controle da atividade dos bancos anunciadas pelo presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, está o fatiamento das grandes instituições financeiras americanas. É mais uma proposta que avança na contramão da necessidade de aumento da densidade dos grandes bancos com atuação global.

    (3) Liberação comercial e protecionismo - A maioria dos países de alta renda somente poderá sair da crise se contar com um mercado crescente para suas exportações. E, no entanto, aumenta o protecionismo global, determinado, em última análise, por lobbies locais. Fracassaram todas as tentativas feitas até agora de retomar as negociações de liberação comercial no âmbito da Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). De mais a mais, nas atuais regras de votação, qualquer ilhota que faça parte da OMC está em condições de vetar qualquer acordo internacional de comércio.

    (4) Fracasso da política ambiental - O desfecho da Conferência de Copenhague mostrou que os interesses puramente locais foram e continuam sendo o principal obstáculo para um amplo acordo mundial contra o avanço do aquecimento global.
    (5) O jogo na União Europeia - Os representantes da União Europeia nos fóruns informais de coordenação de políticas, especialmente no G-7 e no G-20, comparecem mais para impor seus próprios interesses nacionais do que para defender o ponto de vista do bloco. As crises nas economias de segundo escalão da Europa, notadamente os Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), revelam as dificuldades de coordenação de políticas até mesmo dentro da União Monetária Europeia.

    As três últimas décadas mostraram que a soberania dos Estados nacionais está estreitada pela própria globalização. No entanto, quando se trata de criar instituições que sejam capazes de colocar alguma ordem nesse processo, são os acanhados poderes locais que acabam prevalecendo.

    Confira
    Mergulho - Os preços das commodities tiveram um início de ano de baixa, como mostra o gráfico. E vai ser difícil uma reação enquanto a situação fiscal dos Piigs europeus (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) não se equacionar.

    CARLOS ALBERTO SARDENBERG

    Lula e o mundo


    O Globo - 04/02/2010

    O presidente Lula tomou ao pé da letra o prêmio Estadista Global, que lhe foi concedido pelo Fórum Econômico Mundial. No discurso de agradecimento, deu lições para o mundo e mostrou o Brasil, sob sua liderança, como exemplo de sucesso. Disse que, de 2003 para cá, “o Brasil, mesmo com todas as dificuldades, fez a sua parte”. E questionou: “Podemos dizer que o mundo também melhorou?” Podemos.

    De 2003 até a crise financeira de 2008, o produto mundial cresceu na média de 4,5% ao ano, o que foi extraordinário.

    O comércio mundial expandiuse mais de 10% ao ano, ritmo inédito. E a circulação global de capitais também bateu todos os recordes.

    O Brasil pegou a onda. As exportações, que mal passavam de US$ 60 bilhões/ ano, chegaram a quase 200 bilhões em 2008. De investimentos externos diretos, o Brasil recebeu US$ 142 bilhões entre 2003 e 2008.

    Finalmente, as empresas brasileiras levantaram capital na Bolsa de Valores, o que só foi possível com a globalização financeira. Em 2007, no auge do processo, as companhias privadas locais obtiveram nada menos que R$ 167 bilhões com a emissão de ações, debêntures e outros tipos de papéis. A maior parte desse dinheiro veio do exterior.

    Lula gosta de dizer, porém, que, ao contrário do crescimento mundial, o do Brasil se fez com redução da pobreza.

    Mas também não é prerrogativa sua. Nos anos de ouro da globalização, de 1990 a 2007, nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza no mundo — o que dá mais de 30 milhões/ano.

    O mundo ofereceu oportunidades e o Brasil estava preparado para aproveitá-las. Por exemplo: o mundo precisou de comida e o agronegócio brasileiro, construído ao longo de décadas, atendeu essa demanda.

    A prova de que o mundo foi o fator crucial está na crise. O Brasil, que vinha crescendo mais de 6% ao ano, caiu para menos de zero. As exportações perderam nada menos que US$ 50 bilhões.

    Mas o mais importante, e que tornou o Brasil uma estrela global, mesmo depois da crise, foi a estabilidade macroeconômica. O maior mérito de Lula foi ter mantido as bases dessa estabilidade — superávit primário das contas públicas, câmbio flutuante e regime de metas de inflação com Banco Central independente, herdadas do governo FHC. Estável, com responsabilidade na sua moeda, o Brasil oferece amplas oportunidades e uma sólida democracia.

    A bonança econômica é a base da popularidade de Lula, assim como a de muitos outros governantes. Mas Lula é mais que popular, é um fenômeno.

    Isso vem da propaganda maciça (fala todos os dias para as mais diversas plateias, sempre se elogiando), da presença constante aqui e mundo afora (só no ano passado, 83 dias de viagens pelo Brasil e 91 dias por 31 países) e, especialmente, do Bolsa Família ampliado e dos reajustes elevados do salário mínimo. Os dois programas combinados beneficiam diretamente algo como metade da população. Pode-se incluir aí a contratação de funcionários e o reajuste dos salários públicos, que garantem o apoio de um setor formador de opinião.

    Além disso, Lula distribuiu recursos públicos para um amplo elenco de empresas, atraindo boa parte do empresariado, e para todo o movimento sindical. E fez isso com base nos inéditos ganhos de arrecadação, fruto da atividade econômica.

    A presidente do Chile, Bachelet, fez algo parecido — solidez econômica e programas sociais — e obteve popularidade até maior que a de Lula.

    Foi, inclusive, mais responsável com as contas públicas. Mas por que não é ela a Estadista Global? Porque o Chile é menor que o Grande Rio. E porque, entre os grandes emergentes, a China é uma ditadura, a Índia não definiu uma liderança única e o Ocidente desconfia do russo Putin.

    Lula disse que é preciso “reinventar o mundo”. Precisa nada.

    Basta restabelecer um bom sistema financeiro — o que não é pouca coisa — e preservar aberto o comércio mundial.

    O Brasil também não precisa inventar nada. Basta aperfeiçoar o que fez nos últimos 15 anos e melhorar a educação (aqui, sim, uma reinvenção) e a infraestrutura.

    MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

    Consumidor do Nordeste tem menos consciência de tributos

    Folha de S.Paulo - 04/02/2010


    Consumidores da região Nordeste do país estão menos conscientes dos tributos que incidem nos produtos. Mais de 5% da população de Recife não sabe que paga impostos quando vai ao supermercado e compra uma cesta com dez pães, um leite e uma manteiga.

    Em Belo Horizonte, a desinformação é verificada em apenas 1% da população.

    Os dados foram extraídos do Índice de Confiança na Justiça, medido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e pelo Ibre, com divulgação prevista para hoje. O levantamento, relativo ao quarto trimestre do ano passado, abordou cerca de 1.600 pessoas, em sete regiões metropolitanas do país.

    Na média nacional, 97,3% do total afirmou que sabia que estava pagando tributos nessa compra. O percentual cai para 94,6% em Recife e para 93,9% em Salvador.

    Em Belo Horizonte, onde a informação é maior, 99% dos entrevistados afirmaram que sabiam que estavam pagando tributos na compra da cesta de produtos, seguida por Brasília e Porto Alegre, com 98,6% cada uma. São Paulo (97,7%) e Rio de Janeiro (96,8%) também registraram índices mais altos.

    "A concentração de pessoas que não sabe que está pagando é considerável. É uma conclusão importante em anos eleitorais e em momentos em que se discute o tema. A população que mais paga imposto relativamente, que é a de baixa renda, é justamente a que menos tem a percepção de estar pagando", afirma Luciana Gross Cunha, professora da Escola de Direito de São Paulo da FGV.

    É possível construir o perfil de uma pessoa desinformada, segundo Cunha. "Trata-se, provavelmente, de uma mulher, entre 35 e 44 anos, sem instrução ou com primeiro grau incompleto e com renda mensal de até R$ 1.000", afirma.

    A população que mais paga imposto relativamente, que é a de baixa renda, é justamente a que menos tem a percepção de estar pagando
    LUCIANA GROSS CUNHA
    professora da Escola de Direito de São Paulo da FGV

    Sede de Mercado
    O mercado de purificadores de água cresce a uma taxa média de 10% ao ano no Brasil. De olho nesse crescimento vigoroso, mais empresas passam a investir nesse nicho. É o caso da Consul, que lança neste ano o seu primeiro purificador de água, um compacto não elétrico. "Acreditamos que esse é um mercado de tamanho relevante. Em 2009, gerou receita de US$ 230 milhões no país. E estimamos que o ritmo de expansão irá crescer", afirma Nathalie Tessier, vice-presidente da Whirlpool Latin America, que atua no Brasil com as marcas Brastemp, Consul e KitchenAid. Apenas 20% dos lares brasileiros possuem um purificador de água, de acordo com pesquisa do IBGE. "Ainda é um mercado de pouca penetração. Temos muito a conquistar", disse Tessier. A vice-presidente da companhia diz que é grande a preocupação de consumidores com a qualidade da água e a sustentabilidade. A Whirlpool não quis revelar os investimentos da empresa no novo produto.

    Banco não pode exigir hora extra no interior de SP
    O banco Santander não pode mais exigir hora extra de seus funcionários nas agências de Ourinhos (SP) e região, a não ser em casos excepcionais, segundo determinação do juiz do trabalho Levi Rosa Tomé, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas).

    A decisão da Justiça do Trabalho, de dezembro passado, é de primeira instância. O banco ainda pode recorrer. Procurado, o Santander informou, por meio da assessoria, que "não comenta assuntos que estão sub judice".

    A Justiça recebeu denúncias do sindicato da categoria de Bauru e do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região (em Bauru), de 2003, de que o banco, à época, Santander/Banespa, exigia, mas não pagava horas extras.

    Auditoria fiscal do Ministério do Trabalho constatou fraudes nos controles de ponto de agências da instituição, segundo o procurador do trabalho Luís Henrique Rafael. As horas trabalhadas não condiziam com a real jornada de trabalho.

    "Verificou-se em agência de Ourinhos que, após cumprido o tempo de trabalho, o ponto dava como encerrada a atividade do funcionário. Só que, a pedido do gerente, ele continuava na agência com outra senha", diz Rafael.

    "Fiscalizações em Sorocaba, Bauru e Araçatuba também constataram problemas." Rafael diz que entrará com recurso no TRT da 15ª Região para que a decisão seja válida em todo o Estado e requisitará que o Ministério do Trabalho fiscalize todas as agências paulistas.

    O juiz Levi Rosa Tomé fixou multa de R$ 5.000 por trabalhador envolvido e por dia de trabalho extraordinário, a ser revertida para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

    De Plástico
    O programa do Walmart Brasil para redução de uso de sacolas plásticas em supermercados registrou, após um ano, 138 milhões de sacolas a menos no ambiente. A empresa oferece crédito nas compras do consumidor que não usa a sacola plástica e também vende sacolas retornáveis.

    Cadeira
    Omilton Visconde Júnior irá tomar posse na presidência do Sindusfarma (sindicato da indústria farmacêutica de São Paulo), na próxima semana, para um mandato de três anos. Júnior, que atualmente é presidente do laboratório Segmenta, já atuou à frente do laboratório Biosintética.

    Batismo
    A OceanAir será rebatizada com o nome da companhia colombiana Avianca dentro de três ou quatro meses. A mudança depende da aprovação, pela Agência Nacional de Aviação Civil, da incorporação da OceanAir pela Avianca, ambas controladas pelo empresário brasileiro de origem boliviana German Efromovich.

    Atraso
    A mudança do nome estava prevista para o início deste ano, mas, com a fusão da Avianca com a companhia aérea Taca, de El Salvador, a Avianca deixou de ser controlada em mais de 80% por um brasileiro.

    Rearranjo
    Foi preciso fazer um novo rearranjo societário para enquadrar a Avianca na legislação brasileira, permitindo que ela controle a OceanAir. A OceanAir é a quinta companhia aérea nacional e detém 2,5% do mercado.

    Guarda-chuva 1
    As chuvas aqueceram os preços nas gôndolas de frutas, legumes e verduras, segundo o IPS (Índice de Preços dos Supermercados), feito pela Apas (Associação Paulista dos Supermercados) em parceria com a Fipe.

    Guarda-chuva 2
    Durante o mês passado, as verduras tiveram alta de mais de 13% nos preços, com destaque para os aumentos em alface (18,1%), repolho (15,4%) e coentro (15,0%). Frutas e legumes também registraram altas expressivas, como o abacaxi (25,2%), a laranja (22,9%), a vagem (48,6%), o chuchu (25,9%) e a abobrinha (36,5%). O aumento médio de preços de todos os produtos comercializados nos supermercados durante o período foi de 1,05%.

    LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS

    Alunos do velho guerreiro

    FOLHA DE SÃO PAULO - 04/02/10


    O governo transformou uma boa notícia em problema e vendeu a ideia de que todos os gargalos do país serão resolvidos com o pré-sal


    OS NÚMEROS da rápida e acentuada deterioração das contas externas brasileiras são alarmantes e põem ainda mais luz sobre os efeitos danosos da mudança do marco regulatório do pré-sal patrocinada pelo governo do PT, sobretudo neste momento em que o Congresso Nacional retoma as suas atividades.
    No ano passado, pela segunda vez consecutiva, o país voltou a ter deficit nas suas transações com o exterior.
    Segundo dados do Banco Central, o rombo chegou a US$ 24,3 bilhões, o equivalente a 1,55% do PIB.
    Agora em 2010, as contas externas brasileiras devem amargar um saldo negativo de US$ 47,5 bilhões, o pior da história, segundo a última projeção do relatório Focus.
    Para 2011, a expectativa é de novo recorde: US$ 59,5 bilhões.
    O sucessivo rombo resulta da queda expressiva nos saldos da balança comercial e na elevação do deficit da conta de serviços e rendas, sobretudo pela maior remessa de lucros e dividendos pelas empresas multinacionais para suas matrizes no exterior.
    Outro item é a redução nos investimentos estrangeiros diretos no Brasil. De modo geral, o deficit nas transações correntes é compensado pela entrada de investimento produtivo.
    Sem o empuxo das exportações, ficamos na dependência do ingresso de capitais para investimento, empréstimos ou aplicações em Bolsa para que as contas fechem.
    Ocorre que os investimentos estrangeiros diretos no Brasil caíram acentuadamente em 2009. De acordo com os dados BC, foram US$ 25,9 bilhões, com queda de 42,4% na comparação com o ano anterior. Logo após o anúncio da descoberta das reservas da camada pré-sal, o governo retirou da nona rodada de licitação de blocos da ANP as áreas do pré-sal localizadas nas bacias de Santos, Campos e Espírito Santo.
    A decisão, ainda em 2007, paralisou os investimentos no setor e impediu que expressivos recursos entrassem no país. Dinheiro que agora seria muito bem-vindo para fechar as contas do país com o exterior.
    Em outras palavras, o governo conseguiu transformar uma boa notícia em um problema e ainda vendeu para a população a ideia de que todos os gargalos do país serão resolvidos com os recursos do pré-sal.
    É a tática do governo Lula de seguir à risca o bordão do Chacrinha: "Vim para confundir, e não para explicar".
    Como tudo o que diz respeito ao pré-sal é grandioso e impreciso, as estimativas dão conta de que a exploração das reservas necessita de investimentos da ordem de US$ 600 bilhões a US$ 1 trilhão, algo entre 40% e 60% do PIB do ano passado. Acontece que ninguém do governo sabe dizer de onde virá esse dinheiro.
    Outro ponto fundamental é que, no futuro, quando o petróleo adormecido a mais de 6.000 metros de profundidade virar riqueza monetária, esses recursos devem ser bem geridos.
    Essa riqueza toda pode, sim, fazer do país um importante gestor de ativos. Estou falando do dinheiro do povo e das futuras gerações. É fundamental que esse dinheiro seja bem gasto e não se esvaia em benesses para a "companheirada".
    É razoável pensar que o Estado brasileiro (independente do governo de plantão) acumule de US$ 1 trilhão a US$ 2 trilhões nas próximas duas décadas caso consiga atrair os investimentos necessários para a exploração do pré-sal.
    Diante desse volume de recursos, não seria saudável para a economia gastar esse dinheiro à medida que entrar nos cofres públicos, ao contrário do que parece estar tentado a fazer o governo. Isso inundaria a economia de dólares, causando a chamada doença holandesa.
    O ideal seria a criação de um autêntico fundo soberano, em dólares e aplicado no exterior, para gastar no país apenas o rendimento desses recursos. Isso nada tem a ver com o fundo já criado pelo atual governo, em reais e formado a partir de títulos da dívida pública. Na prática, um fundo submergente para mais um truque fiscal.
    O gasto de 3% ao ano desse montante equivaleria ao saldo em conta corrente. Mais uma vez, a lógica seria inversa à do modelo petista, que também criou um fundo soberano, só que com recursos fiscais.
    De novo, seguiram a máxima do velho guerreiro.

    LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS é deputado federal pelo PSDB-ES e presidente do Instituto Teotônio Vilela.

    JANIO DE FREITAS

    A conveniência como problema

    FOLHA DE SÃO PAULO - 04/02/10

    É um jogo difícil: não amarrar o PMDB pode ser problema eleitoral excessivo; amarrá-lo pode resultar arruinante

    A QUESTÃO DO VICE de Dilma Rousseff está engasgada por um obstáculo no qual nenhum dos que o conhecem pode falar. Embora, no fundamental, não seja ignorado por ninguém.
    A interpretação mais difundida localiza a origem do problema na discordância entre a indicação mais natural do PMDB, que é o seu presidente Michel Temer, e a não declarada, mas insinuada preferência de Lula por algum outro peemedebista. De qualquer modo, então, seria um peemedebista, pela obviedade da contribuição esperada por Lula, para a pretendida eleição de Dilma, da engrenagem eleitoral peemedebista e do tempo de propaganda gratuita do PMDB.
    A esses dois componentes da posição de Lula é atribuída sua ideia, não formalizada ao partido, mas reiterada de público algumas vezes, de que o PMDB deveria apresentar uma lista de três indicações para vice. Reiterações às quais se segue a conversa barata do "não sou eu que vou escolher, é a candidata", ou "é o PT", e outras lulices. O importante, nessas circunstâncias, é que o PMDB nem pode pensar em uma alternativa ao banho-maria em que Lula o mantém, supondo-se que possa ter alguma, nem pode impor-se com sua indicação. Apenas vagueia, há tempos, entre o constrangimento e a desconfiança.
    A imensa conveniência eleitoral de que o PMDB é portador projetaria, quaisquer que fossem as peculiaridades da disputa sucessória, contrapartida custosa para o candidato de Lula e para o PT, se vitoriosos. Seria o chamado preço da vitória. Na atual disputa há, porém, um componente que eleva a contrapartida a um risco talvez maior do que a conveniência da aliança para a vitória menos duvidosa.
    Tanto se soube que Dilma Rousseff estava doente como se sabe que foi curada. Não é provável que sofra uma recidiva, mas é possível, o que a deixa ainda por três a quatro anos sob vigilância constante. Se eleita, no caso improvável, mas possível de uma recidiva, não é desprezível a hipótese de uma passagem da Presidência ao vice.
    Tal ocorrência significaria, por efeito de uma chapa PT-PMDB, o governo nas mãos dos peemedebistas. Ou seja, o fim da continuidade imediata do atual governo, com tudo o que esse propósito tem exigido de Lula, e da continuidade subsequente do lulismo em 2014, muitos acreditam que como projeto do e com o próprio Lula.
    É um jogo difícil. Não amarrar o PMDB pode representar problema eleitoral excessivo; amarrá-lo pode resultar arruinante. Jogo a ser jogado com luvas de veludo, e só com aliados de confiança extrema, como, entre pouquíssimos, Ciro Gomes. Porque nem a menor pista sobre a natureza da situação pode transparecer. Ou lançaria sobre a candidatura de Dilma Rousseff inseguranças muito perigosas.