terça-feira, janeiro 05, 2010

BRASÍLIA -DF

O xis da sucessão

Luiz Carlos Azedo

CORREIO BRAZILIENSE - 05/01/10


O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), está que não se aguenta para abrir uma polêmica sobre os rumos da economia na era do pré-sal. Não fez isso ainda porque não quer um confronto aberto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pretende esperar a campanha eleitoral para se digladiar com a candidata petista à sucessão presidencial, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nos meios empresariais, Serra já bate na tecla de que o Brasil caiu numa armadilha macroeconômica: os maiores juros do mundo; a taxa de câmbio mais valorizada do planeta; e uma explosão de gastos correntes sem precedentes com moeda estável (argumenta que no governo Sarney houve explosão de gastos, mas a inflação era de dois dígitos ao mês).

O que Serra mais questiona é a megavalorização da moeda. Considera um erro crasso de uma estratégia desenvolvimentista ma non troppo. A política cambial, agravada pela taxa de juros, seria muito prejudicial à indústria nacional. Além da invasão de bens de consumo chineses, desestruturaria cadeias produtivas estratégicas, como aquela que produz peças e equipamentos para a Embraer. O Brasil produzia 60% dos componentes dos aviões. Agora, não passariam de 30% do valor gerado. Segundo Serra, a médio prazo, o Brasil pode virar um país agrário-exportador e deixar de gerar milhões de empregos na indústria.


Tripé

Lula pode argumentar que Serra tem saudade da inflação, pois o câmbio garante a estabilidade dos preços para a grande massa da população consumir. E que suas críticas não passam de xororô do empresariado paulista menos competente, que precisa melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos. Para Serra, porém, o problema da competitividade do Brasil não tem nada a ver com teses neoliberais ou desenvolvimentistas. Só teria a ver com a forma errada de armar o tripé do “mais do mesmo”: responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação.

Afobado

O prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Faria, lamenta não ter deixado o acordo com o governador Sérgio Cabral (PMDB) — no qual abriu mão da candidatura a governador — para depois do Carnaval. Ao jogar a toalha, a vaga de candidato ao Senado do PT, também pleiteada pela ex-governadora Benedita da Silva, passou a ser assunto exclusivo do PT e da aliança com Cabral.

Socorro

Em conversa por telefone com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), ontem, o presidente Lula prometeu liberar recursos em conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os moradores que sofreram prejuízos com os deslizamentos de terras em Angra dos Reis e com as enchentes na Baixada Fluminense. Nos mesmos moldes do socorro a Santa Catarina, medida provisória também liberará recursos para obras de emergência, inclusive para o assentamento de desabrigados.

Jeitinho

O governo minimiza as críticas aos cortes das verbas destinadas à Copa do Mundo de 2014 no relatório final do deputado Geraldo Magela (PT-DF) ao Orçamento Geral da União para 2010. Na execução orçamentária, recursos de outras áreas serão remanejados para cobrir o rombo de R$ 1,8 bilhão

Saúde

Ainda convalescente de uma delicada cirurgia no pâncreas, realizada em outubro, o governador licenciado de Sergipe, Marcelo Déda, do PT, comemora os indicadores de saúde de seu estado. Proporcionalmente, é o que mais investe na área, com recursos na ordem de R$ 300 milhões. Em valores absolutos, Minas Gerais lidera o ranking, com um investimento de R$ 400 milhões.

Aspone/Assessor da direção do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, o sindicalista Nilo Mendes foi confinado num hotel do Cairo pela polícia do Egito, após ser detido quando tentava atravessar a fronteira com a Palestina carregando a bandeira do Sindipetro-RJ. Pretendia fazer agitação na faixa de Gaza, na Marcha pela Liberdade em apoio aos guerrilheiros do Hamas.

Bronca/ O deputado Alfredo Kaefer (PSDB/PR) não desistiu de reapresentar requerimento para a realização de uma audiência pública, na Comissão de Finanças e Tributação, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Eles não foram à audiência marcada para o fim do ano passado.

Dieta/Acerca da nota Gula, publicada domingo, o presidente do Sindilegis, Magno Mello, esclarece que os salários dos consultores legislativos não corresponderão ao previsto inicialmente no substitutivo da administração do Senado (PL nº 372, de 2009). Receberão, em fim de carreira, R$ 1,6 mil a menos do que os R$ 24,2 mil divulgados pela coluna.

Fica

O líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF), foi reconduzido ao cargo pela bancada socialista. Quer se lançar candidato a governador do Distrito Federal.

JANIO DE FREITAS

A FALTA DE INTERDIÇÃO NAS CIDADES FAVELIZADAS RESULTOU EM UMA ESPÉCIE DE URBANISMO CRIMINOSO

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/10


Um ato inovador

COM O ATRASO denunciado em uma quantidade inqualificável de mortes, o prefeito de Angra dos Reis adota uma providência administrativa que o põe à frente dos mais de 5.000 prefeitos brasileiros, no que seja respeito ao próprio dever, coragem política e contribuição social. Tal medida de Juca Brandão é a que proíbe construções e ampliações em 15 morros de Angra. Ao menos até que as perícias de geotécnica manifestem-se sobre a segurança das áreas.
A falta de tal interdição nas cidades favelizadas, proveniente apenas da conveniência eleitoreira, resultou em uma espécie de urbanismo criminoso, que tantos administradores públicos têm praticado por tão longo tempo, com a permissão para o crescimento de favelas (formas de degradação da vida urbana) e para a especulação imobiliária (como degradação também da natureza).
Se não era possível conter a debandada rural para cidades grandes, sob auspícios das problemáticas oportunidades de ascensão econômica, um mínimo de orientação e racionalidade todos os administradores públicos de tais cidades e Estados deviam estabelecer, até por obrigação preliminar. Mas os novos conglomerados não foram vistos como acréscimos de gente, de pobreza e da necessidade de ação: aos olhos dos políticos, o que chegava e se instalava eram votos disponíveis.
A atitude das administrações não foi e não é, por acaso, uma tolerância por compreensão social, como pretendem tantos argumentos atenuadores dos problemas implícitos na favelização, pelo país todo? As condições deprimentes das favelas ("onde o Estado não entra", admitem os mesmos argumentos) têm as assinaturas daqueles todos que permitiram, ou permitem ainda, o seu surgimento indiscriminado e crescimento alucinado. Perversidade que segue, por si mesma, um processo de evolução sob as mesmas responsabilidades: favelas hoje são áreas também de especulação imobiliária, com a criação da indústria das lajes e da expansão sorrateira.
O "choque de ordem", que o recém-prefeito carioca Eduardo Paes tenta aplicar no Rio, demoliu como exemplo um vasto prédio que se alastrava em uma favela. O exemplo ficou para quem não mora em favela, lê jornal e assiste à TV: sobreposição de quatro, cinco andares, sobre bases precárias, e muitas delas expulsando ou sufocando vizinhos a poder de violências, continuam a subir. A indústria da laje é o enriquecimento, relativo, mas enriquecimento, à custa da subcondição favelada. Sempre sob o patrocínio da conveniência eleitoreira.
As vidas que correm risco ou se perdem com as ocupações sem critério, permitidas porque ricas ou porque pobres, não jamais foram as dos administradores públicos.

MERVAL PEREIRA

Estratégias

O GLOBO - 05/01/10



A grande discussão política que domina os debates sobre a próxima eleição presidencial de outubro é se o presidente Lula terá a capacidade de transferir sua popularidade para a candidata que tirou do bolso de seu colete, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. E se a eleição será plebiscitária.

A centralidade da figura de Lula na sua sucessão é a confirmação de que ele encerra seus oito anos de Presidência em situação singular na história política brasileira recente.

Não bastassem os 83% de popularidade interna, o reconhecimento internacional consolidou-se no final de 2009 com diferentes homenagens à sua liderança, vindas de órgãos da grande imprensa europeia, como os jornais “El País”, da Espanha (considerado hoje o mais importante jornal europeu), “Le Monde”, da França, e o “Financial Times”, de Londres, que colocou Lula entre os 50 personagens que mais influenciaram a década que se encerra.

Mas querer, como Lula quer, transformar a próxima eleição em um plebiscito onde ele estará em jogo, não é meramente um movimento político esperto, mas uma redução do momento que o país vive, uma tentativa de evitar que a população escolha o melhor candidato para restringir a escolha a uma questão quase pessoal.

Dentro das circunstâncias, a estratégia do governador de São Paulo, José Serra, virtual candidato do PSDB à sucessão de Lula, está se mostrando adequada. Muitos o criticaram, inclusive eu, por ter evitado críticas diretas ao presidente Lula e, ao contrário, até mesmo querer mostrarse em público como um político próximo a Lula.

Mesmo correndo o risco de criar a impressão de que não se coloca como uma alternativa de mudança em outubro, Serra está na verdade empenhado em não deixar que a eleição se torne plebiscitária.

Impedir que o eleitorado o identifique como o “anti-Lula”, transferindo para Dilma o papel que foi escolhida para representar de “o mesmo que Lula”, é a decisão certa.

Ao fazer isso, Serra mantém sua possibilidade de ampliar o eleitorado para a direita e para a esquerda, da mesma maneira que o lulismo fez nas eleições de 2006, mudando a geografia eleitoral do candidato Lula.

O professor Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, já havia identificado esse fenômeno a partir da análise da penetração da votação de Lula nos grotões do Norte e Nordeste com base nas políticas assistencialistas como o Bolsa Família e no aumento do salário mínimo.

O cientista político André Singer, que já foi porta-voz do presidente Lula e hoje é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, publicou recentemente um estudo onde mostra que os votos do “subproletariado”, beneficiado pelos programas assistencialistas do governo e pelo aumento do salário mínimo, foram para Lula, mas dentro da lógica da direita, que identificou no governo um fiador da estabilidade econômica e garantidor de sua nova situação financeira.

Segundo o estudo, em 2006, enquanto os eleitores de escolaridade superior dividiamse por igual entre os campos da esquerda (31%), do centro (32%) e da direita (31%), entre os que frequentaram até a quarta série do ensino fundamental, a direita tinha 44% de preferência, mais do que o triplo de adesão que tinha a esquerda (16%) e o centro (15%).

Segundo Singer, “na ausência de um avanço da esquerda, o primeiro mandato de Lula terminou por encontrar outra via de acesso ao subproletariado, amoldandose a ele, mais do que o modelando, porém, ao mesmo tempo, constituindo-o como ator político”. A isso ele chama de “lulismo”.

O voto em Lula sofre então “uma mudança ideológica”, segundo André Singer, aumentando em direção aos extremos, “tanto esquerdo como direito”, e caindo em direção ao centro. Lula passaria a representar, então, uma opção nova, que “mistura elementos de esquerda e de direita, contra uma alternativa de classe média organizada em torno de uma formulação de centro”.

Permanecendo em posição neutra com relação ao presidente, exercendo suas críticas ao governo em direção a pontos específicos, como a política do Banco Central de juros e câmbio, o governador paulista tenta manterse uma alternativa viável para esse eleitorado de Lula.

Tanto de direita, representado pelo que Singer chama de “subproletariado”, como mostra sua boa penetração no Nordeste, graças, segundo as pesquisas qualitativas, ao seu trabalho como ministro da Saúde, quanto de esquerda, que possam identificálo como uma opção mais consistente do que a ministra Dilma Rousseff.

Essa tendência explicaria também a guinada à esquerda do governo Lula no segundo mandato, e a escolha de uma política ligada aos movimentos de guerrilha na época da ditadura militar, para garantir esse eleitorado, que no primeiro turno de 2006 foi em parte para os candidatos oriundos do PT, Cristovam Buarque e Heloísa Helena, e hoje têm tanto em Serra como na senadora Marina Silva opções ao voto oficial.

O aprofundamento dos programas assistencialistas, como o aumento do valor do pagamento do Bolsa Família e a garantia de aumentos reais para o salário mínimo, garantiriam os votos do subproletariado.

A tentativa de fazer uma eleição plebiscitária esbarra também na percepção por parte do eleitorado de que Dilma não é Lula, e portanto a escolha pode ser outra, até mesmo Ciro Gomes no Nordeste.

Para um eleitorado mais escolarizado, há também o incômodo de querer transformar a eleição em uma espécie de “herança” em vida para uma escolhida, mesmo que não tenha melhores qualificações que os adversários.

Para Dilma, há uma dificuldade adicional, por paradoxal que seja: quanto mais Lula ganha homenagens e se torna um mito para seu povo, mais ela se distancia de seu criador, suas deficiências aparecem e fica mais difícil convencer o eleitorado de que ela é “Lula de novo”.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Brasil terá a menor "taxa de desconforto social" em 2010

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/10



"Em 2010, teremos o menor desconforto social da história brasileira", diz Octavio de Barros, diretor do Depec (Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos) do Bradesco.
Barros baseia-se no indicador Misery Index, criado por Arthur Okun em 1968, que mede a taxa de desconforto no Brasil. O índice é obtido com a simples soma aritmética da taxa de inflação e da taxa de desemprego.
O Depec reduziu a sua projeção da taxa média anual de desemprego para este ano, de 7,5% para 7,3%.
Por outro lado, o Brasil irá registrar no ano que vem o terceiro maior deficit em conta-corrente do mundo. Ficará atrás apenas dos Estados Unidos e da Espanha.
Com relação à necessidade de recursos externos, o Brasil vai precisar de US$ 91 bilhões para 2010 (conta-corrente e amortizações de dívida), segundo cálculos de Barros. "É muito, mas não assusta. Por enquanto", diz ele.
"O financiamento será abundante a ponto de permitir acúmulo de reservas em 2010."
Na opinião de Barros, o país deve rolar, no mínimo, 120% do que vence de dívida. "Investimento direto, ações e renda fixa sobrefinanciarão os R$ 91 bilhões", afirma.
O diretor do Depec estima que 3,1% do PIB (Produto Interno Bruto) não é muito para um país credor líquido como o Brasil, com R$ 230 bilhões de reservas e grau de investimento, em um mundo com penúria de oportunidades.
Para o câmbio, porém, mais do que o tamanho do deficit, três fatores serão decisivos, em 2010, segundo Barros: o que ocorrerá com o dólar no mundo e com o câmbio chinês; com os termos de troca; e qual será a percepção do mercado em relação às eleições brasileiras. A taxa deverá ficar em R$ 1,70 nos próximos trimestres, de acordo com projeções do banco.
"Com menor espaço para seguir deteriorando indicadores externos, a apreciação sistemática do câmbio pode estar perto do fim", afirma Barros.

CADEIRAS
Paulo Kakinoff, presidente da Audi do Brasil, passa a integrar o conselho da Gol. Kaki, como é conhecido, já foi diretor de vendas e marketing da Volkswagen do Brasil e diretor-executivo para a América do Sul na matriz da Volks na Alemanha. Com a chegada de Kakinoff, o conselho da Gol passa a ter cinco membros independentes. Além dele, a empresa conta com Álvaro de Souza, Antonio Kandir, Richard Lark Jr. e Luiz Kaufmann.

BAGAGEM DE MÃO
O mercado de turismo de negócios de São Paulo se aqueceu em 2009. A ICCA (International Congress and Convention Association) elevou a cidade do 23º lugar para o 12º entre os melhores destinos para eventos. São Paulo passou metrópoles como Madri, Sydney, Atenas e Vancouver, firmando-se como o grande centro de diálogo empresarial e financeiro do continente americano. A arrecadação de impostos do setor deve fechar 2009 em R$ 127 milhões, um recorde. "Antes, o homem de negócios só participava dos eventos e logo ia embora. Isso mudou. Graças a uma agenda cultural rica, os profissionais que ficaram em São Paulo em média 2,6 dias em 2006 gastaram 3,8 dias em 2009, o que significa mais dinheiro para a nossa economia", diz Caio Luiz de Carvalho, presidente da São Paulo Turismo, órgão municipal.

PROPOSIÇÕES DE NOVO ANO
de Fábio Barbosa

Como presidente da Febraban

Metas cumpridas em 2009
Os impactos da crise no mercado internacional foram sentidos no Brasil, mas os bancos daqui estavam sólidos e foram parte da solução

Crescimento nos volumes

Redução nas taxas e "spreads"

Metas para 2010
Alongar os prazos dos empréstimos

Levar o serviço bancário a uma parcela cada vez maior da população

Como presidente do Santander Brasil

Metas cumpridas em 2009
Integração entre Santander e Banco Real, consagrada com a realização do maior IPO do Brasil e o maior do mundo no ano

Valorizar o melhor das culturas dos dois bancos para formar uma nova, mais completa, que contemple sustentabilidade, inovação e relacionamento

Metas para 2010
Completar a integração dos dois bancos

Consolidar os resultados

Dar mais um passo para ser o melhor prestador de serviços financeiros do país

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK e DENYSE GODOY

HELOISA MAGALHÃES

A Telebrás provoca arrepios


Valor Econômico - 05/01/2010

Ficou para fevereiro o lançamento pelo governo federal do Plano Nacional de Banda Larga. Estava previsto para o fim de janeiro mas, devido ao período de férias presidenciais e do ministro das Comunicações, Helio Costa, as agendas precisaram ser revistas, diz Cezar Alvarez, assessor direto do presidente Lula e coordenador das políticas de inclusão digital do governo. De qualquer forma, o plano ainda não está totalmente pronto. Alvarez contou que uma equipe trabalhou, entre os feriados de Natal e Ano Novo na montagem do projeto. Mas uma definição, por enquanto, parece clara: a rede da Eletronet vai ser incorporada ao Plano Nacional de Banda Larga e o novo veículo para prestar o serviço deverá ser a Telebrás.

O que se sabe é que, além da reação de boa parte da sociedade civil brasileira, que sente arrepios quando se fala em reviver estatais, dentro do próprio governo o assunto causa polêmica. O Ministério das Comunicações lidera as reações contrárias quando o tema é a volta da Telebrás, a presença estatal em mercados que exigem pesados investimentos e que podem ser operados pelas empresas privadas.

A discussão no setor é que mesmo ativando a rede da Eletronet não seria necessário reviver a Telebrás. Os argumentos contra passam pela constatação de que existem Eletronorte, Eletrosul, Furnas e Chesf, estatais que já oferecem capacidade de rede para telecomunicações. Bastaria criar um mecanismo de coordenação, como um comité do próprio setor elétrico onde estão as empresas.

Aliás, as quatro companhias fecharam contratos com a Eletronet quando esta foi criada. Mas hoje a questão é política. A área de energia está ligada ao PMDB e a infraestrutura de rede voltada para a oferta de banda larga ficaria atrelada ao ministro das Minas Energia, Edison Lobão, e seus aliados.

Por outro lado, ainda não está claro o que Telebrás vai fazer. Há dúvidas se irá operar um serviço ou vai oferecer infraestrutura. Se for serviço de banda larga existe um complicador jurídico, pois enquadram-se em serviços privados. Ou no Serviço de Comunicação Multimidia (SCM), que é prestado em regime privado, ou no Serviço Móvel Pessoal (SMP), mas, como diz o nome, é móvel e onde está hoje a terceira geração da telefonia celular.

A Telebrás foi montada para coordenar o planejamento integrado e a estrutura financeira das concessionárias em regime público, e para passar para regime privado, como é definido para quem presta banda larga, seria necessário uma lei para garantir a transformação, avaliam especialistas.

Outro complicador é de ordem técnica e econômica. Uma empresa para realizar prestação de serviços e causar impacto no mercado precisa de expressivo orçamento de investimentos e projeto operacional em horizonte de médio prazo. A pergunta ainda não respondida é qual o orçamento que o governo federal estaria planejando para ativar a Telebrás, se este for realmente o plano gestado no Planalto.

Alvarez, que é moderado em suas posições, nega-se a divulgar números e detalhar a proposta. Argumenta, entretanto, que não faz sentido deixar de lado uma rede com pouco uso como a da Eletronet. Frisa que serão usadas "todas as infraestruturas disponíveis do governo para transformar o ativo de fibra óptica do sistema Eletronet". Admite que também não faria sentido e nem há recursos para replicar as redes das operadoras privadas, mas a proposta é o governo atuar como "elemento regulador para dar conta das discrepâncias do mercado privado de banda larga", afirma.

É conhecido que onde não há concorrência o preço do serviço de banda larga sobe. As operadoras não escondem que, quando não têm exigências fixadas pela Anatel, buscam privilegiar a presença nas cidades mais populosas e nas áreas onde é maior o poder aquisitivo da população. Alvarez cita estudo do J.P. Morgan. O resumo, publicado pelo noticiário "Teletime News", mostra que, onde há apenas as concessionárias de telefonia, o preço do serviço de banda larga de 1 a 2 Mbps é R$ 118, e pode cair para pouco mais de metade, quando há a presença da Net e da GVT.

De acordo com o assessor do presidente Lula, o que vem sendo montado é a articulação de uma política pública com serviços privados, mas estimulando a competição, passando pelo "constrangimento da indução e do subsídio" e que "nenhum instrumento está fora da cesta de hipóteses" do plano de governo.

Alvarez destaca que a questão da rede é um ponto de uma proposta muito mais ampla e ambiciosa para reduzir o fosso do acesso ao mundo digital entre os de baixa e alta renda .Um lado interessante do projeto é toda uma articulação de políticas públicas para ampliar o acesso da população não só à banda larga como também ao computador, uma vez que é grande o percentual de pessoas que não sabe usar e, talvez por isso, acabe não tendo interesse de navegar pela internet. A estratégia é também criar condições para que o preço dos computadores continue caindo - em dezembro, o ministro Mantega anunciou a reedição da medida de isenção de PIS e Cofins.

Ontem, foi publicada no "Diário Oficial da União" portaria interministerial para criação de novos 3 mil telecentros no país, que serão somados aos 5,5 mil existentes. Os interessados em sediar, sejam prefeituras ou organizações não governamentais, têm 60 dias para apresentar propostas. O governo fica responsável pelo investimento, que prevê a instalação em local de fácil acesso, uma área com 10 estações de trabalho, 11 estabilizadores, um roteador wireless, uma impressora a laser, uma câmera para monitoramento remoto. Também é oferecido treinamento e apoio-bolsa aos monitores.

Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad) relativa ao ano de 2008 mostrou o fosso digital. O volume de pessoas que usam a internet vem crescendo, mas os dados mostraram que 65,2% da população brasileira (104,7 milhões de pessoas) não utilizou a rede nos três meses anteriores à data da entrevista. Os principais motivos foram a falta de interesse, com 32,8% do total; a falta de conhecimento para navegar, com 31,6% do total; e a falta de acesso a um microcomputador, com 30% do total.

Heloísa Magalhães é chefe da redação do Rio de Janeiro

PAUL KRUGMAN

Aquela sensação de 1937 poderá se repetir agora

O Estado de S. Paulo - 05/01/2010


Segundo o noticiário econômico, o próximo relatório sobre o emprego poderá mostrar que, pela primeira vez em dois anos, estão sendo criados empregos nos EUA, e o próximo relatório sobre o Produto Interno Bruto (PIB) provavelmente apontará para um sólido crescimento no final de 2009. Haverá inúmeros comentários otimistas - e os apelos, que já ouvimos antes, para que acabem os estímulos e se suspendam as medidas do governo e do Federal Reserve (Fed, banco central americano) destinadas a amparar a economia, se tornarão ainda mais fortes.

Entretanto, se estes apelos forem atendidos, repetiremos o grande erro de 1937, quando o Fed e o governo Roosevelt decidiram que a Grande Depressão havia acabado, e estava na hora de a economia largar as muletas. Os gastos foram reduzidos, a política monetária sofreu novo aperto - e a economia imediatamente mergulhou na crise.

Isto não deveria acontecer. Ben Bernanke, presidente do Fed, e Christina Romer, chefe do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Barack Obama, são estudiosos da Grande Depressão. Romer advertiu explicitamente que os eventos de 1937 não podem se repetir.

Mas os que lembram do passado, às vezes o repetem.

Como lemos nos noticiários, é importante ter em mente, em primeiro lugar, que os rápidos lampejos que acendem nossas esperanças - os números positivos ocasionais desprovidos de significado - são comuns mesmo quando, na realidade, a economia está mergulhada numa crise prolongada. Por exemplo, no início de 2002, os primeiros relatórios mostravam que a economia estava crescendo a uma taxa anual de 5,8%. No entanto, a taxa de desemprego continuou subindo por mais um ano.

E no início de 1996, relatórios preliminares mostraram que a economia japonesa se expandia a uma taxa anual superior a 12%, provocando declarações triunfalistas como "a economia finalmente entrou numa fase de recuperação autoalimentada". Na realidade, o Japão estava na metade de sua década perdida.

Ocorre que estes sinais ocasionais muitas vezes são ilusões estatísticas. Mas o que é mais importante ainda é que, em geral, são provocados por um "salto dos estoques". Quando a economia entra em crise, as companhias em geral ficam com grandes estoques de bens não vendidos. Para eliminar estes excedentes, elas reduzem a produção; uma vez eliminado o excesso, elas voltam a aumentar a produção, o que parece um crescimento repentino do PIB. Infelizmente, este crescimento é apenas momentâneo, a não ser que haja uma recuperação das fontes da demanda, como gastos dos consumidores e investimentos a longo prazo.

O que nos traz de volta à situação ainda sombria dos fundamentos da nossa economia.

Nos bons anos da década passada, o crescimento foi impulsionado por um boom da habitação e por um aumento dos gastos com o consumo. Nada disso deverá acontecer novamente. Não pode haver outro boom da habitação enquanto a nação continua com um estoque extraordinário de casas e apartamentos vagos em consequência do boom passado, e os consumidores - hoje US$ 11 trilhões mais pobres em relação ao que eram antes da crise da habitação - não têm a menor condição de retomar aos hábitos de então, ou seja, "comprar agora e nunca poupar".

O que acontecerá então? Neste momento, um boom dos investimentos das empresas seria muito útil. Mas é difícil imaginar onde poderia se dar: a indústria apresenta um enorme excesso de capacidade, e os alugueis comerciais estão despencando, dada a superoferta.

A ajuda poderia vir das exportações? Durante algum tempo, a queda do déficit comercial americano permitiu atenuar a crise econômica. Mas o déficit voltou a crescer, em parte porque a China e outros países superavitários se recusam a fazer um ajuste das suas moedas.

Portanto, há grande probabilidade de que as eventuais boas notícias econômicas que a gente possa ouvir no futuro próximo sejam falsos sinais, e não uma indicação de que estamos caminhando para uma recuperação sustentada. Mas é possível que os responsáveis pelas decisões políticas interpretem erroneamente as notícias e repitam os erros de 1937? Na realidade, já estão fazendo isto.

O plano de estímulo fiscal de Obama deveria alcançar seu efeito máximo sobre o PIB e sobre o emprego na metade deste ano, e depois começaria a desaparecer. Será muito cedo para fazer isto: para que retirar a ajuda considerando o persistente e maciço desemprego atual? O Congresso deveria ter adotado uma segunda rodada de ajuda meses atrás, quando ficou claro que a crise se agravaria e duraria mais do que o previsto. Mas nada foi feito.

Ao mesmo tempo, no Fed fala-se da necessidade de uma "estratégia de saída" para as suas medidas de apoio da economia. Uma destas medidas, as compras dos títulos da dívida do governo americano de longo prazo, já chegou ao fim. Acredita-se que outra, a das compras de títulos atrelados às hipotecas, será suspensa em alguns meses. A consequência será um aperto monetário, mesmo que o Fed não eleve diretamente as taxas de juros - e há fortes pressões para que Bernanke o faça. O Fed se dará conta de que o combate à crise não acabou? E o Congresso? Se isto não acontecer, 2010 será um ano que começou com esperança e acabará na aflição.

ELIANE CANTANHÊDE

prefere caça sueco a francês

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/10


Contrariando Lula e Jobim, FAB opta por caças suecos
Aeronáutica recomenda compra do Gripen NG, o mais barato dos finalistas do FX-2

Relatório técnico contraria preferência pública pelos franceses manifestada pelo governo federal; decisão final cabe ao presidente


O caça francês Rafale, da empresa Dassault, ficou em terceiro e último lugar no relatório técnico que o Comando da Aeronáutica entregou ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, sobre o projeto FX-2, de renovação da frota da FAB. O Gripen NG, da sueca Saab, ficou em primeiro lugar na avaliação, e o F-18 Super Hornet, da norte-americana Boeing, em segundo.
O resultado tende a gerar constrangimentos no governo e mais atrasos para a decisão final sobre o projeto de compra de 36 caças, ao contrapor a avaliação técnica da Aeronáutica pró-suecos à preferência política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da área diplomática pela oferta que foi apresentada pelos franceses.
A decisão pró-Rafale chegou a ser anunciada em nota conjunta assinada pelos presidentes Lula e Nicolas Sarkozy, em setembro passado, mas o governo brasileiro recuou depois da repercussão negativa na FAB e entre os concorrentes, já que a avaliação técnica nem sequer havia sido concluída.
Agora, o governo está num impasse: ou passa por cima do relatório da FAB e fica com os Rafale, ou desagrada o governo francês e opta pelo Gripen NG. Formalmente, o presidente Lula está liberado para escolher qualquer um dos três.
Conforme a Folha apurou, o "sumário executivo" do relatório da FAB, com as conclusões finais das mais de 30 mil páginas de dados, apontou o fator financeiro como decisivo para a classificação do caça sueco: o Gripen NG, até por ser monomotor e ainda em fase de projeto (se baseia no Gripen atual, uma versão inferior em performance), é o mais barato dos três concorrentes finais.
A diferença de valores é tanto no quesito preço do produto como no custo de manutenção. A Saab diz que ofereceu o Gripen pela metade do preço do Rafale, ou seja, algo na casa dos US$ 70 milhões. Afirma que a hora-voo de seu avião é quatro vezes menor do que a do francês, o que a Dassault rejeita: como o Rafale tem duas turbinas, é mais caro de operar, mas teria melhor performance.
Quem vai arcar com todos esses custos, durante os cerca de 30 anos de vida útil do jato, é a FAB, que considera a questão prioritária.
Pesou também o compromisso de transferência de tecnologia. O Gripen NG é um projeto em desenvolvimento que oferece em tese mais acesso a tecnologias para empresas futuramente parceiras, como a Embraer. Há a promessa genérica de produção final no Brasil, mas de resto o Rafale também diz isso. O problema é que o francês é um produto pronto, supostamente com menor taxa de transferência de conhecimento de produção.
O relatório da FAB não considerou como negativo o fato de o jato sueco ser monomotor, já que em aviões modernos isso é visto com um problema menor na incidência de acidentes.
Já o Rafale apresentou três obstáculos, na análise da FAB:
1) Continuou com valores considerados proibitivos, ao contrário do que o presidente da França, Nicolas Sarkozy, havia prometido a Lula.
2) O prometido repasse de tecnologia foi considerado muito aquém da ambição brasileira. Trata-se de um "produto pronto", que teria, ou terá, dificuldades para ser vendido a outros países a partir do Brasil.
3) A Embraer, consultada pela Aeronáutica, declarou que, se fosse o Rafale, não teria interesse em participar do projeto, pois lucraria muito pouco em tecnologia e em negócios.
O relatório foi feito pela Copac (Comissão Coordenadora do Programa Aeronaves de Combate) e ratificado pelo Alto Comando da Aeronáutica no dia 18 de dezembro.
Jobim voltou ontem à noite a Brasília pronto para se reunir com o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito. Oficialmente, para ganhar tempo, a versão do governo é que a FAB ainda não lhe entregou o documento.
O ministro já sabe do resultado desde uma viagem que fez com Saito à China e à Ucrânia, no final do ano. Os dois aproveitaram uma escala justamente em Paris para discutir a questão com o presidente da Copac, brigadeiro Dirceu Tondolo Noro, que, conforme a Folha apurou, foi chamado de última hora a viajar à capital francesa para encontrá-los.
É uma das grandes compras em curso no mundo, e pode bater os R$ 10 bilhões.
Em entrevista à Folha em dezembro, Jobim admitiu que tinha interferido para mudar as regras do relatório da Copac, mas sem assumir que a intenção era evitar que a FAB indicasse um favorito que não batesse com o do Planalto.

ROBERTO NICOLSKY

Crescimento insustentável

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/10


Exportamos cinco toneladas de soja ou quatro de minério de ferro pelo preço de um laptop, cuja produção gerou mais empregos e renda


FELIZMENTE o Brasil já superou os principais reflexos da recente crise econômica mundial. Mas mesmo assim a economia brasileira, que entre 2006 e 2008 cresceu a uma taxa média de cerca de 5% ao ano, em 2009 não repetirá esse desempenho e deverá até encolher um pouco, conforme as estatísticas irão mostrar. A questão a se discutir, portanto, é se o modo de crescer que o governo vem praticando é sustentável.
O crescimento brasileiro tem sido puxado, principalmente, pelos produtos agropecuários, extrativos e primários. São as chamadas commodities, de muito pouco valor por unidade física. Crescemos também produzindo para o mercado interno mediante a expansão do crédito, o que levou famílias a consumir mais, mas também a aumentar muito o seu endividamento. O inconveniente desse tipo de crescimento é que ele se sustenta no crescimento, bem mais acelerado, de outros países, como a China. Os preços de commodities são definidos pela demanda do mercado mundial, e se nos últimos anos têm estado elevados é porque a China compra muito. São fatores que fogem ao nosso controle e qualquer mudança pode paralisar o nosso crescimento, exatamente como aconteceu neste ano.
Esses fatores, em conjunto com a apreciação do real frente ao dólar, geram uma forte pressão de substituição da produção interna por produtos importados, principalmente aqueles de maior intensidade tecnológica e maior valor agregado. Ou seja, exportamos cinco toneladas de soja ou quatro de minério de ferro pelo preço de um laptop, cuja produção gerou muito mais empregos e renda. A indústria brasileira de transformação, que agrega tecnologia e deixa o produto pronto para o consumidor final, está crescendo bem menos do que o PIB. A nossa economia é cada vez mais produtora de commodities agropecuárias e minerais, de produtos básicos e de serviços simples, como o comércio.
A indústria instalada no país, seja eletrônica, farmacêutica, de máquinas e equipamentos etc., importa mais e mais componentes com os quais finaliza ou monta os produtos, sem que o governo aja na defesa da renda e dos empregos industriais. Já tivemos a quinta indústria de bens de capital do mundo e hoje temos apenas a décima quarta, com muito menos conteúdo tecnológico próprio. Isto é a desindustrialização! Entre 2006 e 2008, o deficit do comércio exterior em produtos de maior valor agregado e alta intensidade tecnológica quadruplicou, alcançando US$ 51 bilhões, enquanto exportávamos cada vez mais commodities.
A consequência dessa inconsistente política industrial é que o crescimento da indústria de transformação tem sido inferior ao do PIB. Só em 2008, enquanto a produção interna bruta total cresceu 5,08%, a indústria de transformação registrou um acréscimo de apenas 0,85%, perdendo quatro pontos percentuais de participação no PIB, o que significa menor oferta de empregos de qualidade nos centro urbanos e menor massa salarial na economia.
Mas é possível crescer mais do vimos crescendo? Claro que sim, pois esse é o desempenho de países como China e Índia, que têm crescimento entre 9% e 11% por ano puxado pelas suas manufaturas. Durante a crise que acarretou a redução do nosso PIB deste ano, a China cresceu 8,9% e a Índia 6,5% ao ano.
Como seria possível termos um desempenho semelhante? Colocando o nosso foco no desenvolvimento rápido da indústria de transformação mediante investimentos na acelerada agregação de inovações tecnológicas com preservação ambiental e sem reduzir as atividades agropecuárias e de mineração. Ou seja, ao invés de apenas esburacarmos cada vez mais a nossa terra e desmatarmos as nossas florestas para fazer pastos ou plantar soja, devemos usar a nossa criatividade para desenvolver e agregar as inovações que o mercado mundial quer em nossos produtos, de uma maneira compatível com a sustentabilidade -as chamadas tecnologias verdes-, tornando-nos altamente competitivos e disputando esse mercado até com produtores asiáticos, que ainda não têm uma ação ambiental consistente.
Este é o caminho para o país crescer de modo sustentável: investir pesadamente no desenvolvimento de tecnologia nacional e na incorporação de inovações em nossas manufaturas para que elas atendam o mercado global, gerando empregos qualificados e renda bem distribuída, sem prejudicar o meio ambiente. Fala-se que podemos crescer mais de 5% em 2010. É possível, se o rápido crescimento da China deixar, pois, como visto, esse modelo é para nós um crescimento insustentável.

ROBERTO NICOLSKY é doutor em física e diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).

PAINEL DA FOLHA

Showman

SILVIO NAVARRO(interino)

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/10

No ano em que se dedicou a consolidar o nome da ministra Dilma Rousseff como candidata do PT à sua sucessão, o presidente Lula bateu o recorde de exposição à imprensa, segundo contabilidade do próprio Palácio do Planalto. De acordo com os números, Lula concedeu 260 entrevistas no ano passado -média de cinco por semana. Em 2008, foram 182. No ano eleitoral de 2006, somaram apenas 92.
O crescimento se explica pelo aumento dos contatos com veículos regionais e internacionais. Das 117 entrevistas exclusivas no ano passado, 52 foram para imprensa estrangeira, especialmente interessada nos seguintes assuntos: crise internacional e a organização da Copa-2014 e da Olimpíada do Rio, em 2016.



Talheres. Lula chamou o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), para uma reunião na segunda quinzena do mês junto de outros "dois ou três peemedebistas". Depois do desgaste da "lista tríplice" para escolher o vice de Dilma, avisou que a conversa tratará de "tudo sobre 2010".

Débito... Uma cena chamou a atenção dos frequentadores de uma pizzaria em Brasília anteontem: o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau jantava acompanhado de duas pessoas. Na saída, pediu a conta, deixou o dinheiro na mesa e seguiu para o carro.

...ou crédito? Imediatamente, um garçom saiu em disparada atrás de Rondeau ao perceber que faltava dinheiro. O engano foi logo resolvido pelo ex-ministro, investigado pela Polícia Federal por fraudes no setor elétrico.

Autarquia. Após as mortes no Suriname, a Comissão de Relações Exteriores do Senado votará no retorno do recesso um projeto de Valdir Raupp (PMDB) que cria a Secretaria de Apoio a Brasileiros no Exterior -apesar de o Itamaraty possuir uma estrutura similar. Como o projeto já obteve o aval da CCJ, se aprovado, a decisão é terminativa.

Poeira. Um grupo de tucanos se reuniu na Paraíba no final de semana para ver o show da cantora Ivete Sangalo. Os mais animados eram os senadores Cícero Lucena, anfitrião, e Marisa Serrano (MS).

Zíper. Ambientalistas, ONGs e deputados se queixam do silêncio do ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) sobre o decreto de 2009 de Sérgio Cabral (PMDB) que permitiu maior ocupação em áreas protegidas, como o local da tragédia em Angra de Reis.

Currículo. Em férias pela Amazônia, Minc tem mandato de deputado estadual e foi secretário da área na gestão Cabral. "Até a Marina Silva já apareceu para falar do assunto", provoca um deputado.

Negócios 1. Especialistas em questões ambientais de Angra lembram que, no final de 2007, a cidade foi alvo da Operação Carta Marcada da Polícia Civil, que prendeu funcionários da prefeitura acusados de montar um esquema de fraude em licenças ambientais para liberar obras.

Negócios 2. Na lista de presos, suspeitos de desviarem R$ 80 mi dos cofres públicos, estavam o ex-presidente da Câmara Municipal Carlinhos Santo Antônio, o ex-secretário de Meio Ambiente Marco Antônio de Paula Silva e empresários.

Retard. O ministro Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) desistiu de vistoriar Angra dos Reis, conforme havia sido anunciado. Ele foi desaconselhado por Cabral e pelo vice, Luiz Fernando Pezão, que argumentaram dificuldade de acesso à região.

Espera. Com exceção à assistência emergencial às vítimas no Rio, o Ministério da Integração Nacional só vai bater o martelo sobre o tamanho dos repasses às regiões atingidas pelas chuvas depois de receber relatórios com dados concretos dos prejuízos.

com LETÍCIA SANDER e MALU DELGADO

Tiroteio

"O Lobão deveria primeiro aprender um pouco sobre como evitar apagões para depois dar palpite em questões ambientais."

Do deputado RICARDO TRIPOLI (PSDB-SP), sobre o ministro Edison Lobão (Minas e Energia), para quem o Brasil não pode ficar "refém dos humores" do Meio Ambiente para construir usinas hidrelétricas.

Contraponto

Sem filtro Um dos ministros mais plugados no Twitter na Esplanada, Paulo Bernardo (Planejamento) passou a virada do ano conectado. A deputada Manuela D'Ávila (PC do B-RS) aproveitou para deixar uma mensagem:
-Ministro, eu o vi na TV agora a pouco. Além da pauta positiva sobre o salário mínimo, vi que tomou sol! Já eu não dei sorte... Ótimo ano!
Conhecido pelo bom-humor, Paulo Bernardo respondeu na hora:
-Obrigado! Você deve ter reparado que estou ainda mais brilhante, com a careca tostadinha...

RODRIGO CONSTANTINO

Correlação e causalidade


O Globo - 05/01/2010

Uma falácia lógica muito comum é assumir que dois eventos que ocorrem em sequência cronológica estão necessariamente interligados através de uma relação de causa e efeito. O galo canta antes do nascer do sol, mas este não nasce porque o galo canta. Infelizmente, a arte de manipular dados vem ganhando cada vez mais terreno, com efeitos nefastos para a sociedade. A estatística não pode ser a “refinada técnica de torturar os números até que eles confessem”.

Tomemos como exemplo a taxa de crescimento econômico nacional.

Muitos, numa análise simplista, chegam à conclusão de que o governo Lula causou o crescimento acelerado dos últimos anos, sem levar em conta as inúmeras e complexas variáveis que influenciam tal crescimento, como, por exemplo, o contexto mundial. Crescer 4% ao ano enquanto os demais países emergentes crescem 6% ou mais não é um desempenho tão louvável assim.

Se o preço das commodities que exportamos subiu, se houve uma abundância de capital no mundo, se a taxa de juros permaneceu artificialmente reduzida nos países desenvolvidos, nada disso faz parte desse julgamento superficial. Basta verificar o crescimento econômico e atribuí-lo à gestão atual, como se o mérito fosse do governo.

Não é assim que se faz uma análise séria. E quando colocamos uma lupa nos dados, com o auxílio de uma sólida teoria econômica, o que emerge pode ser oposto à intuição inicial. O governo Lula contou com muita sorte durante seu mandato, onde fatores externos, como o crescimento chinês, favoreceram bastante o país.

Seu maior mérito foi não ter feito aventuras na macroeconomia. Já as reformas estruturais que poderiam ter colocado o Brasil na rota do crescimento sustentável foram todas deixadas de lado. Aquilo que o governo chama de medidas “anticíclicas” contra a crise não passa de estímulos insustentáveis à demanda agregada. Inchar os gastos públicos de forma permanente e expandir o crédito através dos bancos estatais não é receita de crescimento sustentável. Faltam investimentos produtivos e reformas estruturais, e os gargalos de sempre poderão limitar o crescimento a mais um voo de galinha. O longo prazo foi sacrificado em prol do foco imediatista eleitoreiro.

O economista francês do século XIX, Frédéric Bastiat, chamou a atenção para aquilo que se vê, e aquilo que não se vê. Um bom economista deveria ser capaz de enxergar um horizonte distante, evitando as armadilhas da miopia. Somente assim ele poderia compreender o custo de oportunidade das medidas econômicas.

Se o governo anuncia um programa de gastos através da impressão de moeda, ele deve alertar para a inflação à frente. Se o governo aumenta os repasses para famílias mais pobres, ele deve considerar o aumento dos impostos, que retira da iniciativa privada recursos que poderiam estar gerando novos empregos. Se o governo aumenta o salário mínimo, ele deve projetar seu impacto negativo no nível de emprego formal. Enfim, analisar as medidas do governo somente com base em seus efeitos imediatos é um perigoso equívoco.

A pergunta que todos deveriam fazer é: qual a alternativa? Se o governo não retirasse do setor privado determinado recurso, como este seria aplicado? Se o governo tivesse feito as reformas estruturais, qual teria sido o crescimento no período? Não basta comparar taxas de crescimento entre governos. Correlação não é causalidade. O sol não brilhou mais forte no Brasil porque o galo cantou mais alto; o galo é que está cantando mais alto porque o sol começou a brilhar mais.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Contra a crise, desoneração

O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/01/10

Decretos assinados na virada do ano, e que José Serra deve anunciar hoje, estenderão até o fim de junho um pacote de incentivos fiscais que venceram dia 31. Um deles suspende o ICMS devido na importação de bens de capital sem similar nacional, concedida a 119 setores industriais. Além disso, foram beneficiados com a renúncia fiscal mais 24 segmentos.
"Foram escolhidos os setores que geram maior quantidade de empregos por renúncia fiscal", explica Mauro Ricardo Costa, da Fazenda. Com o pacote de hoje, a desoneração - uma das saídas adotadas no início de 2009 para enfrentar a crise - se estende a 143 áreas.

Desoneração 2
Nas contas da Secretaria da Fazenda, a medida vai aliviar o caixa de cerca de 90 mil empresas - e os setores selecionados respondem por 1,2 milhão de empregos. As novas áreas incluem motores elétricos, equipamentos hidráulicos, geradores, pneumáticos e carrocerias.
Outro decreto estica até o fim de março a redução para 12% da carga tributária de setores de couro, vinho, brinquedos, laticínios e perfumes, entre outros.

Guerra dos bispos
Quando a briga é entre bispos, o prejudicado vai queixar-se a quem? No Ceará, à Secretaria de Segurança.
Foi o que fez d. Angelo Pignoli, da Diocese de Quixadá. Mergulhado há meses em uma guerrinha particular com o bispo anterior, d. Adélio Tomasin, ele se diz até ameaçado de morte.
Aposentado por idade, d. Adélio continuou morando na cidade e se desentendeu com o sucessor, que queria inspecionar sua gestão. A briga já passou pela CNBB e foi parar no Vaticano.

Geraldo na madruga
Geraldo Alckmin deu um novo passo para ficar mais próximo de Serra.
Largou antigos hábitos e passou a acessar regularmente o e-mail. E as conversas entram madrugada adentro.

Voo solo
Fernando Gabeira decidiu: melhor brigar sozinho do que mal acompanhado.
Consultou o TSE sobre a possibilidade de sair para o Senado... sem suplente.

Teleguiados
Empresas estrangeiras de aviões não pilotados, usados pela polícia para vigilância, tentam fechar negócios no Brasil a mil por hora.
É que duas empresas nacionais estão com modelos prontos para lançar na praça.

Viagra do B
Um Viagra genérico nacional está pronto para ser lançado na praça. A Eurofarma só aguarda o fim da patente do produto da Pfizer.
Que, dependendo de decisão judicial, expira este ano.

Alta e magra
Madonna está sofrendo para encontrar a protagonista ideal de seu novo longa, sobre a duquesa de Windsor - a americana Wallis Simpson, por quem Eduardo VIII abdicou ao trono da Inglaterra, em 1936.
As britânicas Keira Knightley e Cate Blanchett já recusaram o papel.

Menos, Mel
Cerca de 300 manifestantes, em sua maioria mulheres, estão acampadas em frente à prisão de Veracruz, no México, contra... Mel Gibson. O motivo? As gravações de seu novo filme, How I Spent My Summer Vacation.
O diretor quer que os detentos sejam removidos, para fazer seu longa-metragem.

Para todas
E a moda brasileira acaba de ganhar novo desfile... para maiores. Dia 24, na Fashion
Weekend Plus Size, as modelos tamanho GG sobem na passarela montada na Casa das Caldeiras.

Na frente

As últimas investidas de Tiger Woods vão para as telas: Hollywood já prepara filme sobre o campeão de golfe, a ser lançado em dois meses. Uma coisa assim, bem real...

Gilberto Gil interrompe as férias de verão e faz show de lançamento de seu DVD Banda Dois. Dia a 15, no Teatro Castro Alves, em Salvador.

Matthew McConaughey explicou em seu site oficial a origem do nome Vida, escolhido por ele e sua mulher, a modelo brasileira Camila Alves, para a filha que acaba de nascer. Life, em português...

O sacrifício anda valendo a pena. Ivete Sangalo contabiliza menos seis quilos, em 15 dias. Mantém a dieta até o carnaval.

Definido: Ana Paula Arósio e Wagner Moura vão dividir o set de O Homem do Futuro, de Cláudio Torres, que começa a ser rodado esse ano.

O cineasta Karim Aïnouz foi escolhido como homenageado do Festival de Tiradentes, a partir do dia 22.

Jô Soares vai levar para Lisboa um espetáculo só com poemas de Fernando Pessoa - seu velho ídolo. Em 2007, Jô gravou o CD Remix em Pessoa.

Esta o pessoal da prefeitura não esperava. Ao distribuir refeições a moradores de rua, na Mooca, um grupo deparou com um deles dormindo, entre cobertores e papelão, com cartaz na parede: "Já jantei."

Interinos: Doris Bicudo, Gabriel Manzano Filho, Pedro Venceslau e Marilia Neustein.

CARLOS BRICKMANN

Masmorras para todos

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/10


Lei é uma regra geral a ser aplicada; não pode haver uma lei para cada caso, dependendo dos aplausos ou vaias da opinião pública


FERNANDO de Barros e Silva é um jornalista competente e respeitado, escreve num dos principais jornais do país, e isso é ruim: amplia a credibilidade de uma tese já popular, a de que os suspeitos devem pagar pelos crimes que lhe foram atribuídos como se já tivessem sido condenados por eles (Folha, 28/12, pág. A2). Habeas corpus, um instrumento democrático que há mil anos é a base dos direitos humanos, vira coisa ruim, suspeita -afinal de contas, se há tanta gente que não consegue habeas corpus, que estranhos poderes terá quem o consegue? E quais os argumentos secretos que comovem a Justiça? O advogado, o profissional dedicado à defesa dos direitos humanos, é sempre pago "a peso de ouro".
Já o Estado, que joga seu peso, sua estrutura e sua equipe, a mais bem paga do funcionalismo público, a serviço da condenação (lembremos os julgamentos americanos: "O Estado da Califórnia contra Fulano de Tal"), parece que é grátis. Ninguém, nem Fernando de Barros e Silva, lembra o custo da acusação.
Chama a atenção, no embasamento das teses dos defensores da masmorra imediata e irrestrita, uma importante falha: tudo o que é dito pode ser invertido e terá o mesmo valor (ou seja, nenhum). É verdade que muitas pessoas estão presas preventivamente sem que tenham sido julgadas; é verdade que poucas têm os pedidos de soltura examinados pelo Supremo Tribunal Federal; é verdade que poucas veem seu pedido atendido "em apenas quatro meses" pelo presidente do Supremo.
Mas é verdade que muitas pessoas cometem homicídios em série e não são identificadas nem presas (portanto, comete-se uma injustiça com o Maníaco do Parque, que fez a mesma coisa e está na cadeia). É verdade que muita gente cometeu crimes do colarinho branco e não foi apanhada (portanto, Bernard Maddoff, tadinho, está sendo tratado pior do que eles).
É verdade que muitos traficantes de drogas vivem como se respeitáveis fossem -que se conceda a liberdade, portanto, ao tão injustiçado Fernandinho Beira-Mar).
Quanto ao tempo, como já ensinava aquele notável físico, é relativo.
"Apenas quatro meses" talvez não sejam um período tão curto para quem está encarcerado.
Do caso em si, sei apenas o que li nesta Folha. Conheço pouquíssimo o médico Roger Abdelmassih, não simpatizo nem antipatizo com ele, como pessoa. Se for culpado, seus atos serão inqualificáveis: hediondez é pouco, repugnância é pouco. Mas não se pode esquecer, mesmo ao tratar com pessoas portadoras dos mais baixos instintos, que apesar de tudo são pessoas, são seres humanos; têm direito à defesa, têm direito a advogados, têm direito a ver a lei respeitada. Lei é uma regra geral a ser aplicada num número indefinido de casos futuros.
Não pode haver uma lei para cada caso, dependendo dos aplausos ou apupos da opinião pública. Nem se pode fazer uma lei para punir especificamente um caso já ocorrido.
A tentação, aqui, é citar o episódio narrado nos Evangelhos em que a opinião pública prefere salvar Barrabás e crucificar Jesus Cristo. Mas não é preciso buscar o episódio em que o público indignado prefere um criminoso a um santo. Basta-nos um exemplo nacional: o advogado Heráclito Fontoura de Sobral Pinto. Era anticomunista, católico de ir à missa todos os dias, contrário à violência.
Mas, em nome dos direitos humanos, defendeu o líder comunista Luís Carlos Prestes, que havia liderado a revolta de 1935, e o dirigente comunista alemão Harry Berger, em cuja defesa, já que toda a legislação era ignorada, chegou a invocar a Lei de Proteção aos Animais. Berger, de tão torturado nas masmorras, acabou enlouquecendo.
Sobral Pinto tem algumas frases clássicas, destinadas a advogados, mas que certamente se aplicam à coluna irritada de Fernando de Barros e Silva: "As paixões afastam a serenidade e a imparcialidade da Justiça." "Devemos confiar indefectivelmente na virtude da Justiça." "Enfrente a ilegalidade e o autoritarismo com firmeza e certeza na vitória final do bem."
E lembremos o notável Ulysses Guimarães, parceiro desta Folha na articulação da monumental campanha das diretas-já, que sepultaria o regime militar. Antes de entrar na vida pública, foi presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto e advogado Ele falava sobre política, mas poderia falar sobre direito ou sobre o atual jornalismo da indignação, de pouca reportagem e muitos adjetivos (para ele, aliás, política era tudo). Dizia Ulysses: "Política não se faz com o fígado. Não é função hepática".

CARLOS BRICKMANN, jornalista e consultor de comunicação, é diretor da Brickmann & Associados. Foi editor e repórter especial da Folha e editor-chefe da "Folha da Tarde" (1984 a 1991).

MÍRIAM LEITÃO

Ritmos diferentes

O GLOBO - 05/01/10


A venda de carros no mercado interno fechou o ano com um número inesperado: 3.141.000 automóveis.

Para um ano que começou em ponto morto, foi uma arrancada: 11% sobre 2008. Em 2010, as vendas devem crescer 8%. As exportações tiveram queda de 40%. “Nem posso culpar o câmbio porque na verdade o mundo não compra, os mercados lá fora encolheram”, diz Jackson Schneider, da Anfavea.

Os primeiros dados de balanço e previsão dos setores mostram uma economia em recuperação, mas com preocupações à frente. O superávit comercial vai cair de novo, em 2010, para US$ 12 bilhões ou US$ 10 bilhões.

As exportações só se seguram pelo preço das commodities e pela demanda chinesa, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O superávit comercial de US$ 1,8 bi em 2008 com os Estados Unidos caiu para déficit de US$ 4,4 bilhões em 2009.

— Isso é resultado de sete anos sem uma única missão governamental para promover exportação para a maior economia do mundo.

O governo desprezou o mercado americano, que era de 25% das nossas exportações em 2002 e agora absorve apenas 10% — diz José Augusto de Castro, vicepresidente da AEB.

O agronegócio mais uma vez garantirá o saldo positivo.

Para se ter uma ideia, o superávit do setor será de US$ 53 bilhões. O cenário previsto pelo economista Fábio Silveira, da RC Consultores, é de superávit de US$ 10 bilhões em 2010. Isso significa que o agronegócio terá um resultado positivo de US$ 53 bi, enquanto o setor industrial produzirá um resultado negativo de US$ 43 bi.

O câmbio só não preocupa muito porque o principal problema ainda é a falta de compradores.

Por enquanto. Schneider disse que quando a situação na economia internacional melhorar, o Brasil não poderá competir.

— Na hora em que retomar a demanda externa, o Brasil estará em condições piores do que seus competidores por causa do câmbio — disse o presidente da Anfavea.

No agronegócio, o câmbio também não é a preocupação central agora, por um motivo: a escalada dos preços internacionais das commodities agrícolas.

— O café, que exportou US$ 4,4 bilhões em 2009, vai exportar US$ 4,5 bilhões em 2010. O açúcar vai de US$ 8 bilhões para US$ 9 bilhões. A soja em grão sairá de US$ 13 bilhões para US$ 14 bilhões.

Quem não teve preço melhor, aumentará o volume, como a carne, que deve exportar US$ 10,5 bilhões este ano, um pouco mais do que os US$ 9,8 bilhões do ano passado — diz Fábio Silveira, da RC.

José Augusto de Castro, da AEB, acha que o setor exportador se sustenta por causa de uma disparada nos preços, que, na visão dele, é prova de que estão se formando novas bolhas.

— O açúcar teve aumento de preço de 105%, algodão, de 55%, café, 20%, suco de laranja, 90%. O aumento de 14% da soja não parece muito, mas está havendo supersafra nos Estados Unidos, Brasil e Argentina, e os preços sobem. No setor de metálicos também há fatos estranhos: o que justifica o cobre ter subido 153%, o alumínio, 81%, e o zinco, 129%, numa economia que ainda está em crise? As commodities negociadas em bolsa estão virando ativos financeiros pelo excesso de liquidez — diz Castro.

A economia entra assim em 2010. Com alguns bons motivos para comemorar um final feliz em vários setores, mas com preocupações em outras áreas. No setor automobilístico, a diferença é gritante. Em novembro de 2008, as vendas caíram 25%. Entraram fracas no ano e foram se recuperando aos poucos.

— A crise chegou pela ponta do crédito. O consumidor ia até a loja, tinha vontade de comprar o carro, mas não tinha crédito. O Banco Central tomou todas aquelas medidas de liberação de compulsório e de compra de carteira de veículos.

A situação melhorou.

O que trouxe de volta mesmo o consumidor foi a queda do IPI. O movimento foi ajudado pelas promoções e descontos dos fabricantes e do varejo e a gente chegou a um excelente resultado — diz o presidente da Anfavea.

Para 2010, o setor está prevendo que as vendas vão chegar a 3,4 milhões de veículos leves, excluindo tratores e caminhões. Mesmo se a demanda lá fora melhorar, ele não se anima.

Acha que o dólar não ajuda.

O setor de aço tem um quadro de recuperação, mas bem menos colorido. Marco Polo de Mello Lopes, do Instituto Aço Brasil, diz que o setor fechou o ano com queda de 20% de produção em relação a 2008, mas houve um momento em que a ocupação da capacidade instalada mal chegava a 50%. Chegou ao fim do ano em 80%: — Nós precisamos da exportação porque o mercado interno não consome tudo, mas o mundo tem excedentes e a grande interrogação é a China: ela continuará comprando ou vai exportar seus excedentes? Executivos e consultores mostram um cenário com sinais contraditórios. Schneider, da Anfavea, disse que os três maiores anúncios de investimento no mundo, no setor automobilístico, foram feitos no Brasil: da GM, Ford e Volks. Marco Polo, do setor siderúrgico, acha que a demanda por aço só vai crescer quando forem iniciados investimentos para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Os exportadores acham que o Brasil tem perdido oportunidades, o câmbio vai atrapalhar, e o saldo comercial vai encolher.