quarta-feira, dezembro 29, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

Uma trégua e um debate medíocre
Vinicius Torres Freire
FOLHA DE S. PAULO

"Governo de transição" passa recibo de que será prudente na área fiscal e de que o BC será "normal"



2011 será um ano de "contenção fiscal", disse ontem o secretário do Tesouro, Arno Augustin, de Lula e de Dilma Rousseff. Mais cedo, o ministro da Fazenda de Lula e também de Dilma, Guido Mantega, disse que no ano que vem o governo cumprirá a "meta cheia" de superavit primário (isto é, a parcela dos impostos que o governo deixa de gastar).

Neste ano, o governo federal ainda promete cumprir a "meta cheia", embora os economistas de Lula tenham dito ontem também que a meta inteira para o conjunto do setor público pode não ser cumprida devido a gastos excessivos de Estados e de municípios. Mas, enfim, como nos últimos dias o governo faz mágicas e milagres contábeis para fechar sua "meta cheia", não sabemos exatamente qual a qualidade e a credibilidade das contas federais.

Os economistas do governo ainda não explicaram como serão feitos os cortes de despesa de 2011, coisa difícil de fazer, pois a despesa está bem engessada com compromissos firmes. Ainda assim, aos trancos e barrancos, de modo confuso e nebuloso, o governo Dilma vai se comprometendo com a ideia de que em 2011 o governo tem de jogar mais na defesa, depois de dois anos de relaxamento de gastos, embora não tão estapafúrdios como diz a oposição sistêmica ao lulismo-petismo.

Trata-se, pois, do segundo calmante que o governo administra nesta transição aos povos dos mercados. O primeiro foi o ritual meio destrambelhado de "purificação" do novo Banco Central. Os povos dos mercados duvidavam do compromisso de Dilma com a "autonomia" do BC, além de desconfiar das credenciais "ortodoxas" da nova direção. A fofoca foi dirimida com declarações do novo presidente do BC, Alexandre Tombini, com recados da "equipe de transição" e, enfim, com o recente "Relatório de Inflação" do BC, que dançou conforme a música. Se o BC é de fato algo diferente do que o foi na primeira metade dos anos Lula, não o é o bastante para causar rebuliço nas finanças.

Outro ansiolítico ministrado pelo "governo de transição Lula-Dilma" foi o pacote de medidas de incentivo ao mercado de capitais. A grande finança do país agradeceu e aplaudiu o projeto, revelador da capacidade e do interesse do governo em realizar algumas reformas inteligentes e baratas, habilidade, no entanto, pouco exercida entre 2005 e até o final da administração Lula.

Assim, parece estabelecida uma trégua nas escaramuças entre finança, "mercado" e governo. Isto posto, o debate econômico ainda parece medíocre. Não se tem ideia do programa de médio prazo (quatro anos) de Dilma para a política macroeconômica. Menos ainda se sabe se a presidente eleita tem algum projeto de limpar a poeira em áreas como a administração da dívida pública, indexações, poupança pública forçada, taxação e regulações primitivas sobre o mercado financeiro, papel do BNDES etc.

Do lado privado, porém, também é espantosa a falta de imaginação e movimentação política. Financistas em geral não gostam de aparecer, ainda mais na foto política. Mas está na hora de deixar o lobby silencioso apenas e apresentar projetos além da arenga ideológica de muitos de seus porta-vozes. O setor privado sabe muito reclamar de excessos do governo, mas sua capacidade empreendedora na política de reformas está abaixo da crítica.

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