quinta-feira, dezembro 23, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

Ano novo, juros novos 
Vinicius Torres Freire
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/12/10

BC avisa que juros devem subir 1,5 ponto percentual em 2011 num "Relatório de Inflação" bem convencional

O ÚLTIMO "Relatório de Inflação" do Banco Central do governo Lula e, na prática, o primeiro do governo Dilma Rousseff deve servir de ansiolítico para alarmistas e alarmados que alardeavam a hipótese de a autoridade monetária ter se travestido de heterodoxa nesta transição de presidentes. Ao menos segundo o que vai escrito no "Relatório", o BC permanece fundamentalmente convencional, temperado talvez por pragmatismo e por ceticismo em relação a extremismos teóricos, atitude evidente nos últimos dois anos.
Muito claramente, está dito que é preciso elevar a taxa básica de juros, a Selic, em janeiro. A julgar pelos resultados das estimativas e pelas condições presentes da economia, a Selic deve passar dos atuais 10,75% para 12,25% ao longo do primeiro semestre do ano que vem, o que era o palpite mais comum entre os economistas mais certeiros.
Além de convencional e mais ou menos previsível, o "aviso aos navegantes" emitido pelo BC é fundamentado em termos nada exóticos. As expectativas de inflação do mercado estão disparando. O consumo parece excessivo -a demanda interna (gasto do governo, investimento e consumo privado) cresce ao ritmo mais forte da década. O nível de utilização da capacidade produtiva está nos seus níveis mais altos, semelhantes àqueles de meados de 2008, quando a inflação também se desgarrara da meta. O desemprego está baixo. Etc.
Além do mais, o preço das commodities avança em marcha muito rápida. No acumulado em 12 meses até novembro, segundo os dados do próprio BC, o preço das commodities agrícolas subiu 33,2%, o das metálicas, 19,9%, e o das "energéticas", 7%. "A inflação ao consumidor apresentou aceleração nos últimos meses, com forte contribuição das commodities agrícolas." "[A inflação dos] serviços continuam a pressionar a inflação plena" -preço de serviços depende basicamente de preço de mão de obra, e os salários estão em alta.
Quanto às medidas de contenção do crédito anunciadas no início do mês, o BC obviamente reconhece que elas terão efeitos no esfriamento do consumo, que devem preceder medidas de aperto monetário "de manual" (alta de taxas de juros) e ponto. Enfim, pelo menos no texto do "Relatório", o BC não dá a menor sugestão de que medidas de caráter basicamente "macroprudenciais" (de contenção do crédito por normas regulatórias) possam substituir a política convencional de juros.
O mais interessante agora será observar o comportamento do restante da equipe econômica de Dilma Rousseff. Desde o início da campanha eleitoral, ou pelo menos desde maio, o entorno de Dilma alardeia que o governo vai frear gastos, que tem como objetivo chegar ao deficit público zero em 2014 e que as políticas fiscal (gastos do governo) e monetária serão mais coordenadas, de modo a reduzir o calibre dos tiros de juros na atividade econômica. O compromisso está mantido?
Para dar uma resposta convincente, o governo tem de dizer: 1) O que quer fazer do aumento do salário mínimo (e, pois, dos gastos do INSS); 2) O que fará do reajuste do salário dos servidores de agora em diante; 3) Dado que a possibilidade de corte de gastos em 2011 é pequena (o dinheiro está quase todo comprometido), qual o plano fiscal de médio prazo do governo Dilma?

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