sexta-feira, dezembro 17, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

Dilma e os porões do Congresso
 VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 17/12/10

Começa a fermentar um escândalo do Orçamento e há parlamentares "sentidos" com a divisão do ministério 


DILMA ROUSSEFF em tese dispõe de maioria folgada no Congresso: 60% da Câmara e 62% do Senado. Começará o governo com a boa vontade de 62% da população, segundo pesquisa CNI-Ibope. Terá a retaguarda de Lula. A economia está relativamente em ordem; mesmo que o governo Dilma se passe a besteiras, por ação ou omissão, terá gordura para queimar.
Ainda assim, seria bom o "governo de transição" passar uma fita isolante nuns fios que começam a desencapar numas tubulações sombrias do Congresso.
Há um risco evidente de curto-circuito nos fios que levam dinheiro do Orçamento para "entidades do terceiro setor". O senador Gim Argello (PTB-DF) caiu na semana passada do cargo de relator do Orçamento por ter chancelado emendas que enviavam dinheiro a instituições de fantasia ou fantasmagóricas. Argel- lo surgiu das profundas do entorno de Joaquim Roriz, de quem foi suplente no Senado; além do mais, durante um tempo o senador se fazia de "próximo" de Dilma, a ministra.
Bastou uma verificada rápida nos convênios para descobrir mais desvio de dinheiro para entidades-fantasma ou apenas para desperdícios picaretas. Havia dinheiro para a festa da "mulata de ouro" de uma escola de samba capixaba, para a promoção da prática de surfe com paraquedas, shows, micaretas etc. O dinheiro para convênios desse tipo passa de R$ 300 milhões.
Há um escândalo evidente no Orçamento, que ainda não se tornou "escândalo" midiático talvez porque falte gente interessada em colocar documentos no ventilador. Tal interesse surge quando há bastante gente contrariada. Um escândalo puxa outro. O grupo parlamentar pilhado numa bandalha logo pode revelar a lama da bancada vizinha.
Difícil saber quando haverá massa crítica de gente interessada em ligar o ventilador, mas a barganha do ministério pode azedar e fermentar.
O PMDB está quieto demais depois de ter levado uma carraspana de Dilma. Quando virá o troco? O PSB tem acessos de estrelismo político e achaques de peemedebismo, cobrando três ministérios. Se não levar, que birra fará no Congresso?
Como não bastasse, os petistas se esfaqueiam pelas costas e vazam denúncias sobre seus inimigos de bancada, de outras facções do partido. A "vendetta" entre petistas se deve também a disputas por cargos e pela marginalização política de pessoas que estiveram no governo Lula 1, algumas ligadas a José Dirceu. A briga deve envolver a eleição da presidência da Câmara, ocasião propícia para catástrofes como a eleição de inimputáveis. É verdade que ainda há "cargo bom" em outros escalões, bastantes para calar pencas de parlamentares. É uma solução funcional, mas ainda assim um serviço porco e arriscado no médio prazo, pois esse tipo de nomeação espalha picaretas em nichos quase invisíveis do governo. Uma reforma administrativa séria poderia atenuar o problema, mas essa é outra história.
O resumo da ópera é que condescender com bandalhas no Orçamento ou com chantagismo fisiológico não afasta o risco de tumulto no Congresso, além de adiar sine die a racionalização do Estado. O novo governo precisa fazer uma declaração de princípios, falar grosso com a bandalha e propor ações práticas para ao menos atenuar o sequestro da administração por chantagistas.

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