segunda-feira, dezembro 13, 2010

PAULO GUEDES

A colisão de dois mundos
PAULO GUEDES
O GLOBO - 13/12/10




Primeiro vieram os japoneses. Invadiram os mercados americanos já em meados dos anos 1970. Sony e Toyota haviam decifrado o enigma da massificação de produtos de qualidade a preços ainda mais competitivos do que os praticados nos Estados Unidos, o próprio templo do capitalismo.

O desembarque japonês era um desafio frontal à liderança americana na produção e distribuição para os novos mercados globalizados de consumo de massa. Logística, automação industrial e técnicas de gestão inovadoras garantiam os ganhos de eficiência que permitiram derrubar custos e reduzir preços, enquanto ao mesmo tempo melhoravam o controle de qualidade. "Made in Japan" tornou-se um símbolo de excelência.

Enquanto na superfície se enfrentavam os grandes conglomerados industriais, em águas profundas o Japão recorria também ao dirty floating, estímulo artificial à produção e ao superávit comercial por meio de manipulação de taxa de câmbio sob regime de "flutuação suja". O banco central do Japão comprou mais de 1,5 trilhão de dólares na tentativa de sustentar seu preço e impedir a valorização do iene. No jogo do livre comércio internacional, portanto, os japoneses sempre jogaram dopados.

Interesses geopolíticos americanos explicam décadas de tolerância com as práticas mercantilistas dos asiáticos. Foi nesse vácuo que vieram depois a Coreia do Sul, com mais de 0,5 trilhão de dólares em reservas internacionais, e finalmente a China, com 2,5 trilhões de dólares em seu banco central.

A falsificação cambial pelo acúmulo excessivo de dólares, o decorrente favorecimento da produção local, os subsídios disfarçados às exportações e os impostos implícitos sobre as importações foram negligenciados em meio ao desempenho extraordinariamente favorável da economia mundial.

Mas agora acabou a farra. O Ocidente em declínio por seus próprios excessos não tem mais como acomodar passivamente essa implacável inserção de mão de obra asiática cada vez mais qualificada, sem encargos sociais e trabalhistas, sem benefícios previdenciários.

É uma ironia da História que o mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados de trabalho globais - em busca do capitalismo para fugir da miséria - tenha se tornado um desafio existencial à civilização ocidental pelos abusos cometidos por financistas anglo-saxões e social-democratas europeus contra suas próprias engrenagens de criação de riqueza.

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