Turbulências Miriam Leitão A presidente da Anac, Solange Paiva Vieira, está gripada e não sabe se terá Natal com a família ou se passará em Guarulhos, de plantão, no combate ao risco de caos aéreo, desta vez detonado pela ameaça de greve dos aeronautas e aeroviários. Anac, Infraero, Ministério da Defesa e secretarias de segurança foram mobilizados para enfrentar as dificuldades dos próximos dias. Solange avaliava ontem que a greve não teria o impacto temido, porque o índice de sindicalização é baixo e há outros sinais de baixa adesão. De qualquer maneira, numa infraestrutura que já tem deficiências e, com o aumento da demanda, qualquer problema pode gerar efeitos em cascata. A paralisação foi convocada para hoje por ser o momento de maior vulnerabilidade das empresas. O aumento de salário pedido pode ser justo, mas atingir as famílias no reencontro de Natal é uma estratégia para jogar a opinião pública contra qualquer movimento. As empresas, por seu lado, devem negociar com mais habilidade para não expor os usuários a mais desgaste além do normal nesta época do ano. As secretarias de segurança foram mobilizadas para evitar que os piquetes possam impedir quem quer trabalhar. Solange Paiva garante que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Infraero têm planos de contingência para minimizar os efeitos de qualquer problema, que vão de uma hierarquia de prioridades de voos até a possibilidade de embarque sem bagagem, se houver problemas com o pessoal de terra: — Além disso, o pessoal da Anac sabe que em qualquer problema, as folgas estão canceladas para todos os funcionários. Eu mesma só saio de Guarulhos se tudo estiver bem. Há problemas estruturais e conjunturais. Uma greve faz parte do segundo grupo, mas os aeroportos brasileiros estão ficando cada vez mais vulneráveis a qualquer turbulência ocasional. Um pequeno problema pode detonar um caos aéreo porque o aumento dos investimentos em logística aeroportuária não ocorreu na mesma rapidez que o incremento da demanda por transporte aéreo de passageiros. O número de passageiros nos aeroportos tem aumentado ano a ano, por causa do crescimento econômico, da melhoria do mercado de trabalho e da renda das famílias. De acordo com a Infraero, os embarques e desembarques no país, contando voos internacionais, saltaram 80% de 2003 a 2009, indo de 71 milhões para 128 milhões. Este ano, somente até outubro já foram registrados 126 milhões, quase o mesmo número de 2009 inteiro. Segundo o site Contas Abertas, com base em dados do Ministério do Planejamento, a Infraero só conseguiu realizar 22% do orçamento deste ano. Dos R$ 1,6 bilhão que estavam disponíveis, apenas R$ 358 milhões foram executados. Esse percentual tem caído nos últimos anos. Em 2003 e 2004 foram realizados 65,1% e 81,1% do orçamento, respectivamente. Em 2008, realizou-se apenas 17%, e em 2009, 42,9%. — Nos últimos anos, o percentual gasto do orçamento foi diminuindo. A Infraero nos últimos quatro anos não conseguiu gastar sequer metade do dinheiro que estava disponível para melhorar a infraestrutura dos aeroportos. Essa é das áreas mais fracas do PAC — afirmou Gil Castelo Branco, do Contas Abertas. Para o ex-presidente da Infraero, e hoje professor da UNB, especialista em aviação, Adyr da Silva, o problema é gerencial e não é de falta de recursos. Segundo ele, o país tem hoje cerca de 35 milhões de embarques e desembarques sendo acomodados na base do jeitinho brasileiro. Silva diz que em 2003, apenas 6% da população brasileira andou de aviação pelo menos uma vez no ano. Em 2010, o percentual chegará a 13%. — Nunca houve tanto dinheiro para investir no setor como nos últimos três anos, mas não se consegue gastar. Temos uma crise gerencial. O quadro é crônico, e muito mais sério do que a imaginação possa alcançar — afirmou. O país tem que enfrentar esse problema, não pelos eventos esportivos que ocorrerão aqui, mas pelo aumento da demanda. Num país continental como o Brasil é natural que uma grande parte do transporte de passageiros seja mesmo aéreo. — A greve é pontual. A verdadeira crise é provocada pelas decisões erradas. Mandaram interromper a terceira pista de Guarulhos, que duplicaria a capacidade, e decidiram construir outro aeroporto não se sabe onde. A obra de Santos Dumont custou muito mais do que devia. Congonhas está esgotado. Temos deficiências gravíssimas em vários aeroportos, poucos investimentos e investimentos errados — diz Adyr da Silva. A torcida é para que a greve não vá adiante. Mas nunca é demais lembrar que o verdadeiro problema é mais permanente. |
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