quinta-feira, dezembro 16, 2010

CELSO MING

Eficácia duvidosa
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 16/12/10

Afinal, saiu ontem o tão prometido pacote de estímulos a investimentos de longo prazo. Ainda vai ser necessário conferir os detalhes, lá mesmo onde mora o diabo, mas a novidade vem com problemas a enfrentar.


A questão de fundo é conhecida. Não há no Brasil recursos de longo prazo que possam financiar investimentos de muitos anos de maturação. O BNDES fez alguns milagres e alguma mandracaria para desembolsos de R$ 137 bilhões em 2009 e de R$ 146 bilhões em 2010. Embora seja um volume bastante alto, mesmo para padrões internacionais, esses recursos são de longe insuficientes para as necessidades de cobertura para os projetos de infraestrutura que o País tem de enfrentar nos próximos quatro anos.

As aplicações de longo prazo ontem anunciadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, serão beneficiadas com isenção de Imposto de Renda, extensiva também a estrangeiros, desde que mantenham esses títulos em carteira pelo prazo mínimo de dois anos.

A maior dificuldade é o fato de que esses ativos estarão competindo com os títulos do Tesouro Nacional, que, além de proporcionar garantia praticamente total, no momento estão pagando juros de 10,75% ao ano. Em princípio, para atrair interesse, mesmo com isenção tributária, as debêntures devem pagar alguma coisa mais do que isso. As Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e as Letras de Crédito Agrário (LCA) também são isentas de Imposto de Renda e pagam até mais do que a DI e não são lá grande sucesso de volume no mercado.

Não está claro até que ponto os investidores serão atraídos pelos novos títulos. Se forem sedutores e tiverem uma remuneração compensatória, o custo do financiamento de longo prazo também poderá ficar mais alto e, assim, encarecer os projetos de infraestrutura.

Até agora, fracassaram todas as tentativas anteriores de se criar um mercado de títulos de longo prazo no Brasil. E o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, acaba de reconhecer que nem mesmo um esquema de financiamento das exportações, com garantia em dólares, tão prometido e tão aguardado, não conseguiu decolar. Será um portento se esse novo pacote tiver boa aceitação.

Hoje, as condições da economia já são mais previsíveis e é possível fazer apostas com horizontes mais largos. Mas, decididamente, quatro anos de prazo para títulos que, em princípio, deverão pagar remuneração prefixada ainda parece condição desvantajosa em relação às outras opções existentes do mercado.

E, agora, uma incoerência do governo. É, de um lado, cobrar um IOF de 6% para aplicações de estrangeiros em renda fixa e, de outro, dar isenção do Imposto de Renda para as aplicações de estrangeiros em debêntures. Se tiverem sucesso, essas debêntures e as letras do BNDES atrairão os capitais que até então o governo pretendia afugentar para evitar que afundassem a cotação do dólar no câmbio interno.

O BNDES está sendo empurrado para captar recursos no mercado financeiro interno. É o começo do fim do abastecimento de recursos oficiais. É também o reconhecimento de que o Tesouro é vaca leiteira excessivamente ordenhada e que a feroz disposição do governo comandado pelo PT, de incentivar a estatização e afastar o interesse privado da infraestrutura, também já deu o que tinha de dar.


CONFIRA

Renúncia tributária
Ontem, analistas do mercado financeiro argumentavam que, para despertar interesse, os novos títulos teriam de conter uma renúncia fiscal tão forte que passariam o sinal de que a disposição de dar tratamento austero às finanças públicas não deveria ser levada tão a sério.

Vão atrair mercado?
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, avisa que, no primeiro ano, a desoneração tributária não deverá passar de R$ 60 milhões, o que dá cerca de 10% do que o Tesouro deverá arrecadar num único mês. Se for só isso, os títulos podem não ser tão atraentes quanto se espera.

Fatia de R$ 15 bilhões
Para Coutinho, o mercado interno para a colocação de debêntures e de letras financeiras de longo prazo chegará a R$ 15 bilhões no primeiro ano e a R$ 70 bilhões no quarto. Tomara que as previsões do governo estejam corretas. E mais do que isso, tomara que, depois de quatro meses de preparação, o governo federal tenha feito a coisa certa.

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