sexta-feira, novembro 12, 2010

MERVAL PEREIRA

Restos da campanha 
Merval Pereira 

O Globo - 12/11/2010 

Reza a lenda que José Serra, o candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais de outubro, não perdoa o governador de São Paulo, Alberto Goldman, por ter anunciado o resultado da licitação de um trecho do metrô na semana final da campanha do segundo turno. Assuntos delicados como esse deveriam ficar para depois das eleições, para evitar ruídos políticos.

Uma denúncia de manipulação da licitação foi feita pela “Folha de S.Paulo”, que soubera do resultado muito antes da abertura das propostas e registrou o fato em cartório, e a licitação foi anulada, trazendo evidentes prejuízos políticos para Serra.

Se não é verdade, é bem verossímil.

O governo, por sua vez, está revelando nos últimos dias como pensou em tudo para ganhar a eleição.

Não tratou de assuntos delicados na campanha, como as reformas estruturais, e, quando o fez, foi para prometer reduzir a carga tributária.

Mal se fecharam as urnas, nós os cidadãos ficamos sabendo que havia um movimento de governadores para ressuscitar a famigerada CPMF, e a presidente eleita, embora seja contra, dispõese a estudar as “necessidades” dos estados.

Estourou também o escândalo de inépcia do Enem, um outro tipo de trapalhada, diferente da ocorrida em 2009, mas sempre prejudicando os alunos.

Sorte do governo que o Enem foi realizado em novembro, depois das eleições.

Sorte, não, precaução.

O Enem foi realizado em setembro em 2008 e em outubro em 2009, e este ano, alegadamente por causa das eleições, o calendário teve de ser alterado para novembro.

Como se sabia que as eleições, tanto no primeiro como no segundo turno, tinham dias marcados (3 e 31 de outubro), não havia impedimento para que o Enem fosse realizado em qualquer outro dia ou mesmo em setembro.

Mas, como gato escaldado tem medo de água fria, o governo se precaveu e jogou para novembro a crise que realmente aconteceu.

Como sempre, o presidente Lula começou falando grosso, com elogios à organização do exame, e foi cedendo à opinião pública até admitir que novas provas poderão ser realizadas.

E tem ainda a medida provisória dando, através do BNDES, R$ 25 bilhões para financiar o trem-bala entre Rio e São Paulo, dando como garantia as ações de uma companhia privada que ainda não foi constituída e mais um provisionamento de R$ 5 bilhões para o caso de necessidade.

Isso depois de a presidente eleita ficar a campanha inteira afirmando que o trem-bala era importantíssimo, mas não receberia dinheiro público.

O caso mais grave, no entanto, foi o do Banco PanAmericano, que o governo sabia que estava quebrado pelo menos desde agosto, devido a uma auditoria rotineira do Banco Central.

O fato de ter havido uma solução de mercado, com a utilização do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para cobrir o rombo de R$ 2,5 bilhões, é louvável, mas não é exatamente correto o governo dizer que não houve dinheiro público na transação.

Quando a Caixa Econômica Federal assumiu 49% do Banco PanAmericano em 2009, ele já estava quebrado, sabe-se hoje.

É estranho que a Caixa tenha investido em um banco que há quatro anos maquiava seus resultados sem perceber o que agora aparece como “indícios de crime do colarinho-branco”, na definição do Banco Central.

Mesmo que o empresário Silvio Santos perca todo o seu patrimônio, o erário público terá sofrido um baque com a queda das ações de um banco de que a Caixa Econômica não deveria ter comprado uma participação tão efetiva.

Ou houve uma inépcia muito grande das auditorias independentes e da própria direção da Caixa ou muita vontade de ajudar uma empresa em dificuldades, de um empresário muito influente nos meios de telecomunicação.

O Banco Central identificou em agosto que havia fraude nos balanços do Banco PanAmericano, e o assunto ficou sendo negociado em segredo até recentemente, com a peculiaridade de que a reta final deu-se justamente entre o primeiro e o segundo turno das eleições.

A sequência do caso é muito sintomática: a fraude foi detectada em agosto; no dia 20 de setembro o empresário Silvio Santos esteve no Palácio do Planalto com o presidente Lula; e em 11 de outubro começou a negociação.

Este timing da negociação, misturado ao timing político, não diz coisas boas sobre a atuação dos envolvidos nela, e nem mesmo é verossímil que a audiência com Lula tenha sido para tratar do Teleton.

Lula diz que não é papel do presidente da República tratar de negócios de bancos privados.

E tratar do Teleton é? No dia 20 de outubro, o candidato oposicionista José Serra foi agredido por um bando de petistas em Campo Grande, no Rio, quando fazia uma caminhada com seus correligionários.

A certa altura do tumulto, foi atingido na cabeça por algo pesado, que lhe provocou fortes dores.

Mais tarde, o artefato que atingiu Serra foi identificado como um rolo de fita.

O telejornal matinal da rede de TV SBT, no dia seguinte, exibiu uma filmagem que pretendia reproduzir a sequência dos fatos ocorridos em Campo Grande no dia anterior, mostrando que Serra fora atingido apenas por uma bolinha de papel e só colocara as mãos à cabeça 20 minutos depois, após conversar com alguém pelo telefone.

A denúncia de que o candidato da oposição armara uma farsa para tentar tirar proveito político de um tumulto insignificante foi prontamente adotada por ninguém menos que o próprio presidente da República, que passou a divulgar a versão do SBT como a verdade dos fatos.

No mesmo dia à noite, o “Jornal Nacional” demonstrou, com base em uma perícia de Molina, que o momento em que a bolina de papel atingiu Serra é completamente distinto do outro, em que ele foi atingido pelo rolo de fita.

Mas a versão da bolinha de papel foi usada até mesmo na propaganda eleitoral gratuita da campanha petista e serviu para neutralizar o provável prejuízo político que a campanha petista sofreria.

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