domingo, novembro 07, 2010

JANIO DE FREITAS

A história perdida
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/11/10



A história que o PSDB não defende é aquela que lhe deu vida para ser o partido da "social-democracia"

ENTRE AS MUITAS reordenações que os resultados eleitorais vão trazer ao quadro das forças políticas, a mais interessante promete ser a da face e destino que os senhores do PSDB, por deliberação ou por omissão, querem legar ao seu partido.
A batalha que Michel Temer considera iniciada, para tirar do PMDB a marca (e a obsessão) de partido do fisiologismo, também oferece interesse, temperado por ceticismo. Interesse não suscitado pelo PT, onde não há ilusões de que se imponha a Dilma Rousseff e vicejam apenas esperanças de bom convívio; nem pelo PSB, em momento de indigestão com seis governadores eleitos e, ainda, com sua bandeira social à espera de passar de certo fisiologismo da direção para a presença visível no jogo político. A situação do PSDB é, sem dúvida, a mais atraente de observação.
Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves, antes mesmo de completada uma semana das eleições, tornaram públicas suas cobranças de redefinições grandes no partido. O primeiro, entre sucessivas alfinetadas, menos ou mais explícitas, a José Serra e à atualidade peessedebista, deixa em uma frase o resumo conveniente: "Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história". O outro, com visão impessoal, quer nada menos do que "a refundação" do partido.
A história a ser defendida, como Fernando Henrique deixou claro, é a do seu governo, que José Serra e a campanha do partido, pelo país afora, mais uma vez acharam necessário não relembrar ao eleitorado. A exceção se deu na campanha paulista do senador eleito Aloysio Nunes Ferreira, que juntou à sua uma foto de Fernando Henrique. A isso ficou atribuída a votação recordista do candidato, mas, para tanto, foi escondida a farta contribuição da transferência dos votos de Orestes Quércia, feita pelo próprio ao se retirar, para Nunes Ferreira.
Essa aliança de José Serra e do PSDB com Orestes Quércia é simbólica da reviravolta imposta pelos senhores do peessedebismo ao seu partido: o PSDB foi fundado como recusa de um grupo do PMDB de São Paulo a conviver, nem que apenas partidariamente no PMDB, com Orestes Quércia. A história que o PSDB não defende é, portanto, muito mais que a do governo Fernando Henrique. É aquela que lhe deu vida para ser o partido "da social-democracia".
Tal história se encerrou no momento em que Fernando Henrique, em sua primeira candidatura à Presidência, chama o PFL para uma aliança e até lhe dá a candidatura a vice. Desacordo histórico, partidário e ético agravado pela desnecessidade da aliança, porque o motor eleitoral do Plano Real se bastava e, também por isso, o PFL estava condenado a apoiar o candidato do PSDB, qualquer que fosse, contra Lula.
A aliança não se desfez mais. No governo Fernando Henrique, o PFL, por intermédio dos Magalhães da Bahia e outros, tornou-se muito mais influente na Presidência do que o PSDB. José Serra, crítico daquela aliança, copiou-a, inclusive fazendo entrega de candidaturas a vice ao PFL, com esta denominação e já como DEM.
A identidade do PSDB desmoronou antes de consolidar-se. E outra se formou, em escalada de degraus nítidos. Os primeiros, nos dois mandatos de PSDB-PFL; depois, na candidatura extremada de José Serra contra Lula em 2002; em seguida, na de Geraldo Alckmin e nas candidaturas e administrações de Serra em São Paulo.
A recente candidatura de José Serra consolidou a imagem que o PSDB difundiu, de si mesmo, nos últimos 15 anos: cada vez mais, o partido da centro-direita ou direita moderada. Ocupante também do espaço deixado pelo DEM por evaporação.
Nesse PSDB em que Serra pretende ter o papel de relevância, como indicou nas falas pós-eleitorais aqui e agora na França, a proposta de Aécio Neves é de difícil execução. E, seja ou não aceita pelos demais senhores do PSDB, tende a uma confrontação da qual saia alguma novidade interessante. Para o PSDB ou para Aécio Neves e uma corrente de insatisfeitos silenciosos.

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