segunda-feira, novembro 08, 2010

ERNANI PIMENTEL

A presidente, a língua e o bissexualismo
Ernani Pimentel
Correio Braziliense - 08/11/2010
É evidente que Dilma traz novidades ao Brasil. Mulher na Presidência. Mas não qualquer mulher. Profissionais que com ela conviveram dão testemunho de sua seriedade, competência, organização, espírito de liderança, denodo, objetividade e outras qualidades que têm ficado mais claras em suas entrevistas após eleita, como a simpatia, por exemplo, uma vez que a tensão dos debates lhe comprometia a naturalidade.

Quero me ater apenas à objetividade, característica que economiza tempo e esforço, mas para aplicá-la ao título da mandatária: presidente ou presidenta?

A luta pela igualdade social de mulheres e homens politicamente veio a se manifestar no vocativo dos discursos, que começavam apenas com “brasileiros” e agora incluem o feminino: “brasileiros e brasileiras”. Trata-se de um gesto linguístico representativo da luta feminista contra o tradicional machismo da gramática, que incluía na forma masculina plural (brasileiros) tanto os brasileiros como as brasileiras. Isso porque se interpretou o o final como marca de masculino e o a, de feminino, contrariamente à opinião de alguns estudiosos. Até aí tudo bem, trata-se apenas de afloramento de feminismo, machismo às avessas, igualitarismo ou desigualitarismo, ao sabor de cada um.

Acontece que há palavras andróginas, hermafroditas ou bissexuadas, como (o/a) jovem, (o/a) pianista, (o/a) colega, chamadas de comuns de dois gêneros, pois tanto expressam o masculino como o feminino. É assim também que se comportam as terminadas em nte (amante, constante, docente, poluente, ouvinte, contribuinte, transeunte...), que não terminam em o ou a para denotar sexo ou gênero. O fator linguístico que limita essa androginia ou bissexualidade, tornando a palavra apenas masculina ou feminina é o artigo que a antecede — o amante, a amante —; ou o substantivo a que ela se refere líquido poluente, água poluente —; ou o pronome a ela ligado — nosso contribuinte, nossa contribuinte.

Como feminino existe em oposição a masculino e vice-versa (para muitos uma oposição deliciosamente complementar), não existindo um não a outro, embora ambos possam estar presentes numa terceira realidade, como a palavra presidente, que vale tanto para masculino quanto para feminino.

Para se querer oficializar a palavra presidenta (tão espontaneamente popular, informal, coloquial), corre-se o risco de atentar contra a economia da língua e despender-se, à toa, muita energia, criando amanta, constanta, docenta, poluenta, ouvinta, contribuinta, transeunta e — ai, meu Deus! — os seus respectivos masculinos: presidento, amanto, constanto, docento, poluento, ouvinto, contribuinto, transeunto.

Quero acreditar que, como economista que é, e para cumprir suas promessas de não permitir gastos desnecessários, de manter firmes os laços que unem os países falantes do português, bem como de não permitir políticas preconceituosas, nossa governante suprema se sentirá bem sendo chamada de nossa presidente, na linguagem formal, protocolar e oficial.

Não sendo assim, não pode ser preocupante? Não pode ser preocupante vê-la correr o risco de ter repentinamente suas atribuições também sendo alteradas de governante para governanta, o que poderia, além de tudo, provocar implicações trabalhistas, por desvio de função? Não. Não deveríamos correr esse risco, apesar da antevisão de que nos dois cargos ela se sairia bem.

Em tempo: sexo é atributo de seres viventes, como animais e vegetais. Em linguística não se confunde sexo com gênero. São conceitos distintos: cavalo e homem são do gênero masculino e casualmente se referem a seres de sexo masculino; égua e mulher pertencem ao gênero feminino e também coincidentemente designam seres do sexo feminino. Porém palavras como rio e lago, montanha e lagoa pertencem aos gêneros masculino e feminino (o rio, o lago, a montanha, a lagoa), embora não se refiram a seres sexuados. A conclusão é simples: masculino, feminino, neutro ou bi, no mundo real, é sexo, na visão línguística, é gênero. Antes de encerrar: talvez seja mais tranquilizador para o Brasil contar com presidente e não apenas com presidenta, porque os desafios a serem enfrentados apresentam-se tão díspares que, apesar de todos exigirem enorme sensibilidade, alguns serão melhor tratados com macheza; outros, com feminilidade. Razoavelmente lógico, meu amor!

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