quinta-feira, novembro 04, 2010

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Brasil diferente
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 04/11/10



A taxa básica de juros, depois de sucessivos aumentos, é de 2% ao ano em Israel - e há quem a considere muito alta, comentou o presidente do Banco Central israelense, Stanley Fisher, em conversa com o colunista em Tel Aviv, no domingo passado.

Já a mesma taxa no Brasil está em 10,75% - e há quem a considere baixa ou insuficiente para colocar a inflação na meta de 4,5% ao ano. De fato, a maior parte dos analistas acha que os juros vão subir em 2011.

A inflação em Israel chegou a 2,4% nos 12 meses encerrados em outubro último, e a previsão é de que suba um pouco nos próximos trimestres.

Assim, a taxa real de juros (descontada a inflação) é praticamente zero.

Já no Brasil, a inflação roda na casa dos 5% e as previsões indicam que vai ficar mais ou menos por aí.

Desse modo, os juros reais estão em torno dos 5,5%, de longe os mais elevados do mundo para os países relevantes. Nestes, os juros reais estão zerados ou são negativos.

O Brasil está, como se diz, fora da curva.

Entretanto, quando se olha o jeitão da economia, o Brasil é muito parecido com os demais emergentes importantes. Praticamente todos vinham crescendo fortemente antes da crise global (2008/09).

O vendaval financeiro jogou quase todos em recessão, mas apenas por um breve período. Logo, os emergentes se recuperaram e voltaram a crescer expressivamente, na onda da China e com base em políticas de estímulo dos respectivos governos.

Finalmente, as taxas de juros caíram no momento da crise e voltaram a subir, moderadamente, quando se retomou o crescimento acelerado. A inflação deu uma subida no período mais recente, para todos. E, como no Brasil, a maior parte das moedas emergentes está valorizada.

Assim, quando se olha para a floresta, o Brasil é normal. Quando se olha para as árvores, aparece uma muito feia e fora de lugar, que é a taxa de juros. Não há dúvida: esse é o problema brasileiro.

O que fazer? Muita gente por aqui acha que os juros são elevados porque o Banco Central é idiota ou, pior, neoliberal.

A redução dos juros seria uma questão de ideologia ou de vontade política.

Não faz sentido. Nem é preciso demonstrar.

Basta pensar mais ou menos assim: se fosse tão fácil, alguém já teria feito, não é mesmo? Na verdade, os juros reais caíram fortemente no Brasil no processo de instalação e consolidação do Real. O problema é que depois desses anos todos de estabilização macroeconômica, a taxa de juros permanece muito maior do que no resto do mundo.

Há uma intensa discussão entre os economistas, dentro e fora do governo, sobre qual seria a taxa neutra - ou seja, qual o juro real necessário para colocar a inflação na meta, e ao mesmo tempo manter a economia em crescimento. O Banco Central tem dito que essa taxa caiu, muita gente fora do governo concorda, mas ninguém acha que poderia ser muito menor do que algo entre 5% e 6% ao ano.

No tempo da inflação, muita gente dizia que o Brasil era diferente e poderia viver perfeitamente sem estabilidade de preços. Não podia. Hoje, de novo, há quem diga que o país, diferentemente dos outros, pode seguir com esses juros.

Não pode. E isso fica cada vez mais evidente.

Tudo considerado, recomenda-se um outro exercício. Se a taxa de juros no Brasil é tão diferente, isso deve ser consequência de outras coisas que também são diferentes do que se passa nos demais emergentes.

Procurando um pouco, encontra-se a grande diferença: o setor público no CARLOS ALBERTO SARDENBERG Ataxa básica de juros, depois de sucessivos aumentos, é de 2% ao ano em Israel - e há quem a considere muito alta, comentou o presidente do Banco Central israelense, Stanley Fisher, em conversa com o colunista em Tel Aviv, no domingo passado.

Já a mesma taxa no Brasil está em 10,75% - e há quem a considere baixa ou insuficiente para colocar a inflação na meta de 4,5% ao ano. De fato, a maior parte dos analistas acha que os juros vão subir em 2011.

A inflação em Israel chegou a 2,4% nos 12 meses encerrados em outubro último, e a previsão é de que suba um pouco nos próximos trimestres.

Assim, a taxa real de juros (descontada a inflação) é praticamente zero.

Já no Brasil, a inflação roda na casa dos 5% e as previsões indicam que vai ficar mais ou menos por aí.

Desse modo, os juros reais estão em torno dos 5,5%, de longe os mais elevados do mundo para os países relevantes. Nestes, os juros reais estão zerados ou são negativos.

O Brasil está, como se diz, fora da curva.

Entretanto, quando se olha o jeitão da economia, o Brasil é muito parecido com os demais emergentes importantes. Praticamente todos vinham crescendo fortemente antes da crise global (2008/09).

O vendaval financeiro jogou quase todos em recessão, mas apenas por um breve período. Logo, os emergentes se recuperaram e voltaram a crescer expressivamente, na onda da China e com base em políticas de estímulo dos respectivos governos.

Finalmente, as taxas de juros caíram no momento da crise e voltaram a subir, moderadamente, quando se retomou o crescimento acelerado. A inflação deu uma subida no período mais recente, para todos. E, como no Brasil, a maior parte das moedas emergentes está valorizada.

Assim, quando se olha para a floresta, o Brasil é normal. Quando se olha para as árvores, aparece uma muito feia e fora de lugar, que é a taxa de juros. Não há dúvida: esse é o problema brasileiro.

O que fazer? Muita gente por aqui acha que os juros são elevados porque o Banco Central é idiota ou, pior, neoliberal.

A redução dos juros seria uma questão de ideologia ou de vontade política.

Não faz sentido. Nem é preciso demonstrar.

Basta pensar mais ou menos assim: se fosse tão fácil, alguém já teria feito, não é mesmo? Na verdade, os juros reais caíram fortemente no Brasil no processo de instalação e consolidação do Real. O problema é que depois desses anos todos de estabilização macroeconômica, a taxa de juros permanece muito maior do que no resto do mundo.

Há uma intensa discussão entre os economistas, dentro e fora do governo, sobre qual seria a taxa neutra - ou seja, qual o juro real necessário para colocar a inflação na meta, e ao mesmo tempo manter a economia em crescimento. O Banco Central tem dito que essa taxa caiu, muita gente fora Brasil é muito maior do que no resto do mundo emergente. Muito maior quer dizer o seguinte: o governo gasta mais em todos os quesitos e, para pagar isso tudo, cobra mais impostos e toma mais dinheiro emprestado.

Pode comparar: o governo brasileiro gasta 11,5% do Produto Interno Bruto (PIB) com pagamento de aposentadorias e pensões. O emergente que mais gasta depois do Brasil fica nos 6%. A dívida bruta do governo equivale a 60% do PIB, enquanto na média dos emergentes não passa dos 40%. O governo brasileiro (em todos os níveis) gasta todo ano cerca de 40% do PIB, enquanto os demais não passam dos 30%.

Alguns dizem que esses dados não são importantes. Os juros seriam elevados no Brasil porque os banqueiros exigem. Bobagem: os bancos já ganharam e estão ganhando dinheiro nos países em que a taxa básica de juros é zerada. Os bancos brasileiros não são diferentes dos demais.

Outra bobagem: dizer que a meta de inflação tem que ser mais alta para permitir juros menores. Basta olhar em torno: nos demais emergentes, a meta é menor que a nossa e a taxa de juros, idem.

Não tem quebra-galho, nem saída "política". Para ter juros iguais aos outros, é preciso ter gastos públicos, carga tributária e dívida iguais aos dos outros.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.

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