segunda-feira, outubro 18, 2010

RUY CASTRO

Lendo com um olho só
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 18/10/10

RIO DE JANEIRO - Fui escrever outro dia que o IBGE ainda não tinha me recenseado este ano -ou em qualquer ano nos últimos cinco censos-, e o inevitável aconteceu: fui recenseado. Assim, deixei de ser uma não entidade estatística, não que isto tenha me traumatizado ou levado ao divã, e já posso dizer que faço parte dos 180 milhões e bolinha da população brasileira.
O melhor foi saber que a honra da visita do IBGE não se deveu ao fato de eu ter escrito a respeito neste espaço, mas ao de que todo o meu prédio no Leblon foi incluído no rol das visitas do recenseador. A qual se deu numa radiosa manhã da semana passada, em que eu estava em forma e com todos os neurônios em alerta, prontos para as mais percucientes perguntas.
Na minha inexperiência em censos, imaginei que o IBGE quisesse conhecer o recheio de meu apartamento -quantos aparelhos de TV, quantos aposentos com ar condicionado, quantos discos de Doris Monteiro e Roberto Silva, quantos gatos. Em minha opinião, eram perguntas importantes para se aferir o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do povo brasileiro.
Mas não houve nada disso. Fui sorteado para responder ao questionário simples, cujas perguntas eram respondidas ("Tem luz elétrica? Tem água corrente no banheiro? Está ligado à rede de esgoto?") a uma simples espiada ao redor pelo entrevistador. A única que me embatucou foi: "Sabe ler e escrever?" -porque, por mais que viva dessas atividades, sinto que elas andam me escapando ultimamente.
Ler, por exemplo. Ao ler as declarações de nossos presidenciáveis, tenho de fazer um esforço intelectual para adequá-las a suas biografias ou mesmo ao que disseram na véspera. E escrever torna-se a cada dia mais perigoso -porque corre-se o risco de não ser entendido pelos que, nos dois lados, em momentos como o atual, preferem ler tudo com um olho só.

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