sábado, outubro 23, 2010

MARIA ALEJANDRA CAPORALE MADI

Articulação de políticas econômicas

Maria Alejandra Caporale Madi
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/10/10


A forte desvalorização global do dólar trouxe novamente o câmbio para o centro do debate no Brasil.
Neste contexto, será que mudar a política cambial pode ser uma saída? Pela nossa experiência recente, já deveríamos saber que não.
O Brasil tem operado com um regime de taxas flutuantes, mas com fortes intervenções do Banco Central. É a chamada flutuação suja.
Mudar a política cambial, portanto, seria caminhar para um regime de câmbio fixo, o que não faz muito sentido. Estudos têm mostrado que os regimes de taxa administrada ou fixa são mais bem-sucedidos em países com pouca credibilidade na gestão macroeconômica ou pouco abertos aos fluxos de comércio e de capital.
Opostamente, quanto mais integradas forem as economias e mais sólidas as instituições, maior a credibilidade na gestão econômica e menor o medo de deixar o câmbio flutuar.
O Brasil avançou muito nos últimos 15 anos. Após várias transições políticas, o país consolidou um regime econômico, tornou-se uma economia estável, integrada, previsível e madura.
Não precisamos mais nos valer da reputação de outras moedas, amarrar nossas próprias mãos. Não faz sentido, portanto, voltarmos ao regime de taxas administradas.
Seria um retrocesso institucional: o país é, hoje, maior que o câmbio fixo. Mais que a evolução institucional, no entanto, um regime de taxas administradas pode conduzir a maior instabilidade econômica.
Em momentos de abundância, o Banco Central compra todo o ingresso de capitais para defender a cotação da moeda. Injeta, com isso, liquidez na economia e estimula o crescimento. Nos momentos adversos, há um enxugamento da liquidez, desacelerando a economia. E, note-se, o custo de enxugar a liquidez é elevado no Brasil.
Ao escolher o câmbio como principal objetivo de política, portanto, o Banco Central torna a política monetária refém do balanço de pagamentos. Pior, pode tornar o crescimento instável e a economia mais vulnerável às constantes mudanças de humor dos investidores internacionais.
Para atenuar a tendência de apreciação da moeda, melhor seria deixarmos a política cambial fora do debate. A flutuação suja da moeda, com intervenções pesadas do BC, parece adequada, já que não conflita com fundamentos econômicos, não estimula ataques especulativos e tem a virtude de suavizar os movimentos de mercado.
Além disso, a flutuação da moeda regula automaticamente os fluxos de comércio e de capital, reequilibrando a economia.
A questão central está na política fiscal e na agenda microeconômica. Enquanto o governo estiver ávido por consumir, o crescimento econômico dependerá, em grande medida, da poupança externa.
Precisará de fluxos externos, ou seja, de uma moeda apreciada. Portanto, é preciso coordenar melhor as políticas públicas. Por um lado, o governo reclama da apreciação; por outro, é um dos grandes responsáveis por ela.
Ao contrário de países asiáticos, que, pela elevada poupança doméstica, podem manter um regime de câmbio administrado, o Brasil precisa da poupança externa.
A outra questão é elevar a competitividade da economia brasileira. Após sete anos de uma trajetória quase linear de apreciação, ainda nos surpreendemos com o fortalecimento da moeda.
Precisamos sair do curto prazo e criar um ambiente regulatório de melhor qualidade, que atraia os investimentos privados e nos ajude a superar o atual caos logístico. Precisamos enfrentar os problemas corretos. Está mais do que na hora.


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