sábado, outubro 16, 2010

PAULO SOTERO

Além da corrupção e do aborto
Paulo Sotero 
O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/10/10


Corrupção e aborto continuarão provavelmente a dominar a campanha presidencial e deverão ser fatores determinantes do desfecho da eleição do sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Análises de especialistas sobre os resultados de 3 de outubro e a última pesquisa Datafolha sugerem, no entanto, que os cerca de 11% dos eleitores ainda indecisos ou que pretendem anular seus votos ou deixá-los em branco têm preocupações que vão além da corrupção e do aborto. Esses eleitores vivem nas grandes cidades, pertencem às camadas mais bem educadas da população e valorizam temas relacionados com qualidade de vida e sustentabilidade incluídos na lista de 12 tópicos que Marina Silva desafiou Dilma Rousseff e José Serra a debater.

Com a credibilidade de quem recebeu quase 20% da votação do primeiro turno e manteve aberta a contenda presidencial, a líder verde colocou sobre a mesa questões estratégicas que o Brasil terá de confrontar nos anos à frente se quiser tornar-se um país mais competitivo, próspero e relevante num mundo em rápida transformação: mudanças climáticas, energia e infraestrutura; a proteção dos biomas brasileiros; o fortalecimento da diversidade socioambiental e cultural do País; e o muito que esses temas têm de relevante para a condução da política externa do Brasil num cenário global em que a questão do clima já entrou na pauta da segurança internacional.

Em 2006, o ex-ministro do Meio Ambiente Rubens Ricupero afirmou que o Brasil reúne os ativos necessários para se transformar numa "potência ambiental" se adotar políticas e posturas criativas e inovadoras que valorizem a exploração racional de seus abundantes recursos, em benefício dos brasileiros, da sustentabilidade e da paz internacional. Entre esses ativos estão a maior floresta tropical, uma das maiores reservas de água doce, a maior concentração de biodiversidade do planeta, a melhor matriz energética e a mais bem-sucedida produção industrial de um combustível renovável - o etanol de cana. Em dezembro de 2008, a liderança internacional do Brasil começou a aparecer em Copenhague, nas negociações de uma convenção global sobre a redução das emissões de carbono causadoras das mudanças climáticas.

Internamente, contudo, o País ainda está por resolver as contradições impostas pela abundância e diversidade das fontes de energia a seu dispor. Governantes, líderes empresariais e especialistas do meio acadêmico gostam de alardear a qualidade superior da matriz energética brasileira, com 47% do consumo atendido por fontes renováveis, que se comparam a 7% do mundo industrializado.

Essa conta não inclui, contudo, o impacto futuro das emissões da exploração do pré-sal e das descobertas recentes de grandes reservas de gás natural no interior do País. Quarto maior emissor global de carbono, por causa do desmatamento, o Brasil inevitavelmente aumentará essas emissões no decorrer da década entrante, quando deverá entrar para o clube dos grandes produtores e exportadores de petróleo. A exemplo do pré-sal, o ambicioso plano de construção de várias usinas hidrelétricas na região amazônica, previsto pelo PAC, trará benefícios, mas também custos econômicos e ambientais consideráveis. O mesmo raciocínio vale para a expansão da indústria do etanol, o desenvolvimento de outras fontes renováveis abundantes, como o sol e o vento, e a construção de uma terceira usina nuclear. Caberá ao próximo presidente o desafio de integrar as várias fontes de geração de energia numa estratégia coerente, que preserve as vantagens do sistema dominado por energia renovável que o País construiu ao longo das últimas décadas.

Dilma e Serra podem não ser as pessoas que os brasileiros mais gostariam de ver no Planalto. São, no entanto, os candidatos ideais para debater a qualidade e sustentabilidade do modelo energético, pois representam visões diferentes, se não opostas, sobre o assunto. Como ministra de Minas e Energia, presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e chefe do gabinete de Lula, Dilma comandou a execução de um modelo ancorado em megaprojetos, como o pré-sal e a Usina de Belo Monte, no coração da Amazônia. Por essas e outras, Marina desiludiu-se com o Partido dos Trabalhadores e deixou o Ministério do Meio Ambiente de Lula. O complemento desse modelo, na política externa, tem sido a defesa pelo País da prestação de serviços ambientais, pela qual outros países pagariam ao Brasil, pela mitigação dos impactos ambientais negativos desses empreendimentos.

Em contraste, como governador de São Paulo José Serra sancionou regulamentos e leis estaduais que estabeleceram metas de redução de carbono para a indústria e a agricultura paulista e criou um registro voluntário de emissões que aponta para a criação de um mercado de compra e venda de certificados de emissão de carbono. É um caminho que o governo federal rejeitou. Podem esses dois modelos conviver? Qual deles será melhor para o Brasil?

Os céticos dirão que o assunto é complexo demais para mobilizar os eleitores brasileiros, que são, em média, pouco instruídos. Esse argumento é falho, porém, especialmente no quadro da eleição apertada que se avizinha. Os eleitores que decidirão a contenda entre Dilma e Serra não são os menos informados, até porque estes aparentemente já optaram. A briga será pelos votos dos mais esclarecidos, entre os quais estão os 20 milhões que apoiaram Marina. Além da lisura e da transparência, eles valorizam a sustentabilidade.

Outro dado a considerar foi revelado por uma pesquisa sobre atitudes públicas em 22 países, divulgada há três semanas pelo Pew Center for the People and the Press, de Washington. O Brasil, segundo o levantamento, é a nação onde a maior proporção da população - 85% - afirma considerar as mudanças climáticas um tema "muito sério". Isso se compara a 41% na China e 37% nos Estados Unidos.

JORNALISTA, É DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE DO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS

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