quarta-feira, outubro 27, 2010

LAURO SCHUCH

Presidente ou cabo eleitoral?
Lauro Schuch
O Globo - 27/10/2010

Como cidadão e membro do partido político pelo qual se elegeu, qualquer presidente da República tem o direito de manifestar sua opção pessoal pela candidatura vinculada à sua corrente partidária.

Esse direito é garantido constitucionalmente, mas seu exercício se submete às mesmas limitações impostas a qualquer agente público, seja ante a vedação legal a determinadas condutas que conflitem com o exercício do cargo ou função, seja diante do requisito ético que deve ser observado com extremo rigor por todos os integrantes da administração pública, em qualquer esfera de poder, em conformidade com o princípio da moralidade estampado no art. 37 da Constituição Federal.

Das muitas lições e transformações que o processo eleitoral em curso proporciona, a altivez e a dignidade do cargo de representante máximo da nação exigem reflexão sobre os limites da participação do presidente nas campanhas de candidatos de sua preferência. Aos servidores públicos, aplicam-se as proibições do art. 117 da lei 8.112/90, de modo a constituir infração punível ausentarse do serviço durante o expediente, especialmente para trabalhar em campanhas eleitorais, salvo se licenciado do cargo, tal como vedado pelo inciso III do art. 73 da lei 9.504/97.

Embora o chefe do Poder Executivo não seja servidor público na acepção da lei, e nem sujeito a horário de expediente de trabalho ou às normas de disciplina dispostas no respectivo estatuto, como agente público, no entanto, deve servir de exemplo para todos os integrantes da administração, observando os mesmos princípios éticos que informam seus atos.

Ainda que não haja expressa proibição legal, não condiz com a liturgia do cargo envolver-se o presidente em bateboca ou provocá-lo, descendo do mais alto pedestal da República para se transformar em cabo eleitoral. Sem renunciar ao direito de escolha, e até mesmo de expressá-la, deve postar-se como magistrado, e com moderação, para que não se confunda sua representação institucional decorrente do cargo com o papel de apaixonado militante partidário.

Por outro lado, na perspectiva da ética, o decreto 1.171/04 (Código de Ética Pública) veda o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem, consoante a letra a, noXV do seu texto.

Se a lei não veda, a ética recomenda que a influência do cargo não seja posta a serviço de terceiros.

Por fim, considere-se que esta eleição apresenta uma particularidade única na história, haja vista que o resultado final dependerá do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Caso a mais alta Corte do país não resolva hoje o impasse sobre o assunto, o deslinde poderá depender do perfil do novo ministro a ser escolhido e nomeado pelo presidente, e, de acordo com o entendimento deste, a validade de milhões de votos determinantes para a vitória de um ou outro candidato.

A possibilidade de dúvidas sobre a motivação do presidente no exercício dessa escolha recomendaria cautela e comedimento na sua atuação no processo eleitoral, pois seria desastrosa a deslegitimação do sucessor, e desserviço à democracia, a vitória sem mérito.

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