sábado, outubro 23, 2010

CLAUDIO WEBER ABRAMO

Vítimas e culpados
CLAUDIO WEBER ABRAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/10/10

Eleitorado sem perspectiva econômica não pode ter consciência de direitos, ou interesses, que desconhece


FAZ MUITO TEMPO que o anúncio dos resultados de eleições no Brasil é acompanhado da constatação de que os eleitos, em particular para o Legislativo, formam um contingente de baixa qualidade.
Não são poucos aqueles que (como este que escreve) julgam que a qualidade esteja decrescendo. A isso costumam seguir-se considerações a respeito da responsabilidade de quem leva políticos desclassificados ao Legislativo, a saber, os eleitores.
Daí a se engatarem lamentações a respeito da consciência (ou falta dela) do eleitor é um passo, acompanhado sempre de um rol de soluções que incluem pelo menos uma providência: a reforma política.
Dois elementos aparecem quase sempre nas reformas políticas que se costumam propor ultimamente: a proibição de financiamentos privados a candidatos e a implantação do voto distrital.
Financiar eleições exclusivamente com dinheiro público traz como consequência material a adoção do voto em listas. O eleitor deixaria de votar em candidatos, passando a fazê-lo em listas definidas pelas legendas partidárias.
Sem entrar nos vários deméritos dessa proposição, permanece inexplicado qual seria o efeito que a providência causaria na consciência do eleitorado.
Quanto ao voto distrital, pelo menos há um argumento relacionado à consciência: o de que os eleitos, tendo sido ungidos pelo voto em distritos delimitados, seriam mais vigiados pelos respectivos eleitores.
A proposta tem atrativos, mas também tem defeitos, alguns gravíssimos, que tampouco serão abordados neste momento.
Acontece que, em grande parte do país, o voto já é distritalizado, na forma de redutos eleitorais. Se os eleitores de bairros ou cidades vota "inconscientemente" nos candidatos que se apresentam ali, qual seria o motivo pelo qual passariam a exercer esse voto com mais consciência se a distritalização passasse a ser formal?
O que acontece com as discussões baseadas na consciência do eleitor é que transformam a vítima em culpado.
O eleitor é vítima por vários lados.
Há o lado da informação. Para votar direito, o sujeito precisa ter informação adequada a respeito da política e dos políticos. Isso não está presente para a vasta maioria do eleitorado, por responsabilidade de uma imprensa que é dominada pelos mesmos interesses que controlam a política (não apenas Collor, Sarney etc. etc., mas políticos locais às centenas).
Outros responsáveis são as ONGs brasileiras, que existem para defender certos pontos de vista ou interesses, mas que não geram informação necessária para fazer suas posições conhecidas, inteligíveis e capazes de mobilizar os pretensos beneficiários.
No fundo de tudo, culpadas são a má distribuição de renda e a falta de desenvolvimento econômico real.
Um eleitorado sem perspectivas econômicas não pode ter consciência de direitos, ou mesmo interesses, que desconhece.
CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil

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