quinta-feira, outubro 14, 2010

CELSO MING

A conta da crise deles 
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 14/10/2010

O banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), acaba de avisar que vai aumentar suas operações de afrouxamento quantitativo. E essa é uma notícia que provoca apreensão na economia brasileira.
Afrouxamento quantitativo é impressão de moeda (no caso, de dólares) para ser usada na recompra de títulos do Tesouro americano. O Fed, dirigido por Ben Bernanke, dá lá sua justificativa sem muita relação com os tremendos efeitos que produz. A desculpa é que o despejo de bilhões de dólares no mercado irá facilitar a retomada do crédito, estimular o consumo, ajudar a empurrar o setor produtivo e, assim, favorecer a contratação de gente.
O resultado prático será a transferência de mais e mais recursos para economias emergentes, inclusive o Brasil. Ou seja, por meio do Fed, os Estados Unidos manobram para produzir forte desvalorização do dólar e revalorizar as demais moedas entre as quais estão as dos países em desenvolvimento, cuja indústria vai sendo asfixiada pela alta dos seus preços internos e externos (em dólares).


Trata-se, em última análise, de uma gigantesca manobra monetária com o objetivo de transferir para o resto do mundo um pedaço enorme da conta da crise que é deles, dos Estados Unidos.

A China consegue defender-se melhor desse jogo porque amarrou sua moeda, o yuan, ao dólar, à proporção de 6,83 yuans por dólar. Se o dólar cai, o yuan vai junto. Essa amarração é feita por meio da mesa de câmbio do Banco do Povo da China (banco central), que compra cada dólar que chega e, assim, mantém o yuan atrelado. É por isso que a China tem hoje reservas externas de US$ 2,6 trilhões.

Adquirir moeda estrangeira nos mercados tende a produzir inflação porque os pagamentos pelas compras de dólares são feitos em moeda local. Mas a China pode fazer isso sem produzir inflação porque o chinês poupa 51% do seu salário.

O Brasil também tem comprado dólares para tentar segurar o tombo da cotação. Mas não conta com poupança própria, como a China. Tem de emitir títulos de dívida que pagam juros de 10,75% ao ano para tirar do mercado os reais gastos com esse procedimento. E estes, aplicados em títulos do Tesouro americano, rendem pouco mais de 2% ao ano. Ou seja, a operação de defesa contra a manobra dos Estados Unidos sai cara, coisa de R$ 20 bilhões por ano, sem o sucesso desejado, porque as cotações do dólar continuam mergulhando no câmbio interno.

As autoridades americanas são useiras em culpar os outros pelos problemas deles. Não param, por exemplo, de acusar Pequim de manipular o yuan. Na verdade, a China não faz outra coisa senão mandar de volta a conta que o governo dos Estados Unidos lhe está empurrando.

O Brasil vinha entrando nessa falácia de culpar a China, mas na última reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) o ministro Guido Mantega recusou-se a engrossar esse cordão. O grande manipulador é o Fed.

Em todo o caso, esta é, em última análise, uma questão de quem pode mais e é capaz de impor seu jogo. Embora tenha perdido a exuberância hegemônica anterior, os Estados Unidos continuam sendo o galo que canta no galinheiro.

O Brasil vai sangrando nesse jogo. O melhor que tem a fazer é tratar de reequilibrar as finanças públicas para que sobrem recursos de baixo custo e não inflacionários para se defender dos turbilhões que agora vão aumentar.

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