quarta-feira, outubro 06, 2010

André Mendes Espírito Santo, Marco Antonio G. Lopes Lorencini e José Daniel

As eleições e os impasses do STF
André Mendes Espírito Santo, Marco Antonio G. Lopes Lorencini e José Daniel 

O Estado de S.Paulo - 06/10/10

No domingo celebrou-se o primeiro turno das eleições no País. Milhões de brasileiros puderam decidir e escolher nas urnas grande parte daqueles que serão os nossos representantes para os próximos quatro anos de mandato político, sem a certeza, no entanto, de quem de fato poderia ter sido eleito ou, até quinta-feira passada, quais documentos realmente deveriam ter-se em mãos no momento da votação.

Diante desses fatos, logo o sentimento inquisitório dos homens leva a querer achar um culpado para esses tipos de situação, que acabam afligindo-os diretamente. Não que haja um único responsável pelas inúmeras dúvidas que rechearam a mente dos eleitores nesse primeiro bloco de eleições. É, porém, inegável que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha parcela de culpa por essas indagações. Afinal, as pessoas foram exercer o seu direito de cidadania completamente atordoadas e inseguras daquilo que estavam fazendo, por não terem fácil acesso às discussões jurídicas, que, na maior parte das vezes, são difíceis de entender.

É impressionante: em mais um passo para o fortalecimento das instituições democráticas, mesmo com todo o arcabouço de informações, a notícia que se traz é de que as regras das eleições ainda não estão definidas.

Como se sabe, são fartos os exemplos na história eleitoral do Brasil que demonstram o afastamento do povo em relação às decisões. Foi assim com a Aliança Liberal, após o Regresso Conservador, conduzindo dom Pedro II ao poder; ou com a política do café com leite, em conjunto com a política dos governadores e o coronelismo, permitindo o controle exclusivo do Poder Executivo entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais; ou com o golpe de 1964, que deu início ao último regime ditatorial no País. Em todos esses eventos, sem exceção, a sociedade viu a distância a escolha de quem seriam os seus governantes.

A partir disso, como entender as incertezas sobre a Lei da Ficha Limpa e, até três dias antes das eleições de domingo, o vergonhoso embaraço quanto à quantidade de documentos necessários para a votação? Em que sentido os impasses decisórios da mais alta cúpula do Judiciário ameaçam o regime democrático e o Estado de Direito no Brasil?

A Lei da Ficha Limpa foi promulgada no ano passado com o objetivo de coibir a improbidade administrativa, impedindo a candidatura daqueles que tivessem maus antecedentes políticos ou sociais. Porém, por empecilhos conceituais da própria lei, a norma foi posta em xeque pelos que se consideraram prejudicados, após a sua publicação.

Ademais, o governo federal determinou para este ano de eleições que os votantes levassem consigo, além do documento de identidade com foto, o Título de Eleitor, com o argumento de impedir fraudes no sistema eleitoral. A determinação foi confrontada porque a decisão promovia uma burocracia desnecessária, exigindo do eleitor uma dupla prova da identidade pessoal.

Apesar da importância dessas questões, inacreditavelmente, até quarta-feira da semana passada, às vésperas da "festa da democracia", ainda não se tinha uma posição sequer sobre os embates mencionados. Somente na quinta-feira à tarde é que se obteve uma resposta quanto à quantidade de documentos necessários para a votação, mantendo-se o regime originário, de exigência de apenas um documento oficial com foto para tal habilitação.

No tocante à Lei da Ficha Limpa, por sua vez, a incerteza persiste. Mais de 100 milhões de eleitores foram às urnas sem saber se quase três centenas de candidatos, uma vez eleitos, poderão ser diplomados ou exercer o seu mandato. No Estado de São Paulo, por exemplo, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam para a possibilidade de anulação de mais de 2 milhões de votos, pelo fato de os contemplados com eles terem a "ficha suja" ou apresentarem pendências eleitorais no registro de sua candidatura (Terra, 4/10, 17h52).

É esse o cenário de angústia criado pelo STF no País, por culpa dos clarividentes impasses existentes no seio do tribunal, seja por causa da quantidade desumana de processos que são distribuídos, esperando pelo seu julgamento; seja porque existe uma nítida divisão dos ministros, que disputam à risca sua parcela de poder na Casa Judiciária; seja, em derradeiro, pela intervenção (inconstitucional) dos outros Poderes, que dificultam a sua atuação imparcial e independente.

Sobre esses pontos, o ministro Ricardo Lewandowski assentou que tais divergências seriam naturais e que as visões conflitantes não seriam de caráter ideológico, mas de abordagens distintas que se fazem da própria Constituição federal (G1, 9/9, 15h49). Realmente, não se discute que a divisão de pensamento seja comum nos casos mais complexos. Aliás, o pedido de "vista" do ministro Gilmar Mendes demonstra bem esse fato, que de modo algum pode ser analisado como algo errado em seu aspecto formal. Todavia o alongamento das desavenças e a imposição de barreiras, que impedem a tomada das decisões de maneira célere e eficaz, são moralmente catastróficos para os pilares que dão sustentação ao Estado Democrático de Direito.

Em verdade, a indefinição sobre assuntos como esse corrobora a confusão do eleitor, que tem a importante missão de decidir sobre o futuro do País. Sendo assim, tanto a falta de decisão como a decisão obtida tardiamente são atitudes trágicas que prejudicam o cidadão e o fortalecimento das instituições políticas brasileiras.

É torcer, portanto, para que até o dia 31 de outubro, quando se realizará o segundo turno para presidente e também para governador de muitos Estados que ainda permanecem indefinidos na corrida eleitoral, o STF tome definitivamente uma posição sobre essa matéria.

É o mínimo que se espera.

A democracia agradece.

RESPECTIVAMENTE, ADVOGADOS E ESTAGIÁRIO DE DIREITO DA ÁREA CONTENCIOSA CÍVEL EMPRESARIAL DA L. O. BAPTISTA ADVOGADOS

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