sábado, setembro 18, 2010

ZUENIR VENTURA

Brasília pegando fogo
Zuenir Ventura

O GLOBO - 18/09/10
Com o nariz escorrendo, os olhos lacrimejando e a garganta ressecada, passei em Brasília o seu dia mais quente e seco do ano, anteontem: 31,5ode temperatura, sensação térmica e um sol de quase 40º e umidade relativa do ar de 14%, um clima de deserto.

Não chove há 112 dias e mais de 10% do território do Distrito Federal já foram queimados, mais que o dobro do ano passado. Próximo à Granja do Torto, residência favorita do presidente, uma área de 100 mil metros quadrados está sendo devastada pelas chamas.

O incêndio no Parque Nacional atingiu uma linha de alta tensão e interrompeu o fornecimento de energia. Brasília está pegando fogo - literalmente e não apenas no sentido figurado, como metáfora dos escândalos da quebra de sigilos fiscais na Receita e do tráfico de influência na Casa Civil.

Em conversa com colegas que acompanham de perto a política, ficou a dúvida sobre se o mais recente capítulo - a derrubada de Erenice Guerra do ministério - vai finalmente atingir a candidatura Dilma Rousseff, alterando o resultado das pesquisas.

Até agora, como se sabe, nada colou, a lama escorreu como água pelo presidente e sua protegida. E daqui pra frente? Só as pesquisas da próxima semana podem dar resposta a essa incógnita.

Um desses colegas, uma amiga, não acredita na mudança do quadro eleitoral e, por isso, se mostra mais curiosa para saber o que será de Lula depois de deixar o palácio, quando se abater sobre ele o tédio do vazio do poder. Ela havia estado com o presidente naquela tarde e ele, refestelado numa poltrona com a cabeça jogada pra trás e as mãos cruzadas na nuca, parecia estar se despedindo. A preocupação não era com as novidades do escândalo e muito menos a seca, mas com o final de seu prazo de validade. "Ele é capaz de dizer quantos meses e até quantos dias faltam para passar a faixa presidencial." Ela acha que ele vai ter dificuldade de se adaptar à vida longe do assédio da corte e das pompas palacianas.

Por mais que venha a ser convidado para palestras e até para ocupar algum cargo em uma instituição internacional como a ONU, Lula não é FHC, que retornou a uma atividade que já era a sua antes da presidência.

Para o antigo torneiro mecânico, voltar às origens significa voltar a São Bernardo. Vendo como seu adversário tucano está sendo relegado pelos companheiros de partido, que rejeitam sua colaboração na campanha, Lula pode imaginar que o mesmo ocorrerá a ele daqui a uns anos. É bastante vivido para saber que o gosto do ostracismo é amargo e que existe uma tendência antropofágica que leva as criaturas a devorarem os criadores sempre que estes queiram se meter onde não são mais chamados.

Dilma jamais perdoará Lula por tê-la inventado. 

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