quinta-feira, setembro 09, 2010

VANILDA PAIVA

Deu até no "NYT"
VANILDA PAIVA
O GLOBO - 09/09/10

O "New York Times" de segunda-feira sugere que o futuro de investimentos e oportunidades de crescimento econômico do Brasil estaria comprometido. Esta ideia, mesmo antes da difusão dos resultados da pesquisa internacional comparativa sobre os conhecimentos dos jovens de 15 anos, circulava em diversos países.

Muitos deles realizaram minienquetes sobre a real possibilidade de cada um dos BRICs, e o que circula é que, à parte a China, todos os demais têm poucas chances de verdadeiramente "emergir" devido às precárias condições de sua educação.

É certo que o país realiza neste momento um imenso esforço na área do ensino superior público e da ciência e tecnologia. Quantidade se transforma em qualidade - mas exige um tempo de que já não dispomos. Há 50 anos a estratégia de criação de universidades federais em todos os estados gerou não apenas a elevação do nível dos cursos, mas a circulação de elites intelectuais pelo país.

Os governos militares estimularam o ensino privado, mas é o item introduzido por FHC no convênio MEC-Usaid exigindo a penhora do terreno para receber recursos - proibida por lei a qualquer entidade pública - que permite entender por que surgiram como champignons prédios suntuosos que enriqueceram novas universidades privadas e seus proprietários, oferecendo - na maior parte dos casos - precários e caros produtos destinados à população pobre que, na hora da verdade, não tem condições de competir.

No ensino fundamental e médio, aceitamos o beschmarking dos países desenvolvidos, e nossa posição no Pisa e no Ideb sempre foi das piores. Os testes começam sua carreira nos anos 90 com a "correção do ciclo". Impedir a repetição e colocar na mesma classe a coorte da mesma idade permitiria universalizar a escola. A medida certamente democratiza a escola, mas impõe a promoção automática. O aluno sai no fim da linha, independentemente do que tenha aprendido.

Isso se acompanhou da demonização do professores, maltratados como todos os funcionários públicos, desorientados por reformas que desvalorizaram conteúdo e técnicas básicas. Daí a um mau desempenho no nível médio é um passo. A escola secundária se ampliou à noite, com alunos cansados do trabalho, professores que precisam muitas vezes ensinar nos três turnos, com alunos que desconhecem o conteúdo das séries precedentes.

A escola foi penetrada pela cultura do entorno e pela violência física e formas de comportamento que - antigamente - a escola procurava corrigir.

Os professores, já desmotivados pelos salários e conflitos, desautorizados em suas convicções e práticas pedagógicas, deixaram de ver a profissão como alguma coisa que ajuda a mudar o mundo.

Se comparamos o Brasil com países desenvolvidos constatamos que aos 9 anos a criança domina conteúdos com os quais nenhum aluno brasileiro sonharia. Ali reintroduziramse métodos tradicionais e enfatizaram o que o mundo moderno precisa: línguas, matemática, computação, conhecimento da história e de outras culturas, como já era o caso da China, da Coreia, do Japão.

Os países europeus mantiveram uma educação fundamentalmente pública - seguindo o preceito liberal de que ela é o ponto de partida para a equidade e a justiça social, permitindo recrutar os melhores para sua elite e fazer com que cada qual atenda às demandas da democracia e do mercado de trabalho. Um sistema profundamente segmentado - público e privado, cada qual com qualidade variável - não resiste a uma amostra randômica. É preciso investir bem cada centavo e prestar contas à sociedade, porque a política educacional vai ser responsabilizada por eventual fracasso do país.

Este não é um libelo contra o ensino privado - até porque está instalado em todos os níveis no asfalto e nas favelas. Mas é que há tempos fingimos que entramos na tradição anglosaxônica - só que nela a educação privada sempre esteve ligada a questões de natureza religiosa, moral, a dissensos entre grupos portadores de valores a serem transmitidos.

Universidades e escolas são ali resultado de doações, de fundos formados a partir de convicções. Não se trata de dinheiro público nem de ganhos fáceis.

*VANILDA PAIVA é professora aposentada da UFRJ e pesquisadora do CNPq.

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