sexta-feira, setembro 03, 2010

RUY CASTRO

Mãe com chinelo 

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/02/10

Em 1969, com AI-5 e tudo, ainda nos sentíamos adultos no Brasil. Algumas especialidades da ditadura naquele ano – direitos individuais suspensos, censura aos jornais, prisões, tortura – davam a entender que ela temia seus opositores. Até que, em janeiro de 1970, um decreto do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, nos rebaixou à menoridade.

Foi o decreto que, em nome da 'família', proibiu a circulação de revistas estrangeiras (como 'Playboy'), regulou a cobertura dos bailes de Carnaval (nada de seios ou bundas em quatro cores na 'Manchete') e decretou a censura prévia a gibis de terror, fotonovelas e revistas com material 'picante' – nem 'Garotas e Piadas' escapou.
Obrigou também a que algumas revistas fossem vendidas em plásticos lacrados e com uma cor chapada para esconder a capa – só o logotipo podia aparecer. Foi o que matou a pioneira masculina 'Fairplay', que, apesar de ostentar a beleza de Odette Lara, Itala Nandi e Betty Faria e ter o fino dos colaboradores, era ignorada pelos anunciantes e dependia das bancas.
Outras revistas surgiram ('Ele/Ela', 'Status', 'Playboy' – trabalhei em todas), mas a tutela prolongou-se por dez anos. As revistas só podiam publicar um seio em cada foto, nunca os dois. Pelos pubianos, já abundantes lá fora, nem pensar. No cinema, os mamilos femininos eram cobertos com bolas pretas (que dançavam na tela quando as atrizes se mexiam).
Era humilhante: toda uma nação, de repente, de volta aos 13 anos. Não tínhamos idade para ver nus, mesmo que numa exposição de desenhos de Picasso, também proibida.
Hoje, quando vejo Dilma se propondo ao cargo de nossa 'mãe', lembro-me dos generais que se arrogavam autoridade paterna sobre o que podíamos ver, ler, escrever e, em última análise, pensar. Mas o tempo do chinelo já passou
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