quinta-feira, setembro 23, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Câmbio errado 
Miriam Leitão 

O Globo - 23/09/2010

A taxa de câmbio está errada no Brasil, o real está supervalorizado. Quem diz isso é o economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos. Reverter a situação é muito difícil. O dólar está caindo em relação à maioria das moedas do mundo. Um dos motivos é o anúncio do Federal Reserve, que vai despejar mais dólares na economia para tentar tirá-la da estagnação.

Lamy acha que o câmbio está errado e prescreve um caminho difícil: — É preciso cortar gasto público, trazer os juros para baixo e, assim, derrubar naturalmente o excesso de valorização da moeda brasileira.

Não tem outro caminho — diz o economista.

Hoje, o Brasil está neste desconforto: a moeda se valorizando, e isso reduz competitividade das exportações, aumenta as importações e o déficit em transações correntes é cada vez maior. O desconforto vem da dificuldade de se saber como evitar a valorização sem medidas que interfiram no sistema de câmbio flutuante.

O Ministério da Fazenda tem falado que tomará “medidas”, o Banco Central acha que o aumento do déficit externo vai naturalmente provocar a desvalorização da moeda brasileira, porque ele é um sistema que se corrige automaticamente.

Mas hoje, há vários fatores agindo na mesma direção: a da queda do dólar, aqui, e no resto do mundo.

Países exportadores de commodities estão com uma pressão adicional, porque as compras da China estão elevando os preços desses produtos e ajudam a valorizar as moedas desses países. Segundo a Ativa Corretora, em 23 de março de 2009, a relação do dólar australiano com o dólar americano estava 1,42 para 1; agora, está em 1,05. O gráfico abaixo, feito pela Tendências, mostra a valorização de algumas moedas em 12 meses. No Brasil, há ainda a pressão da entrada de dólares pela capitalização da Petrobras, mas Lamy acha que isso é temporário e não é o mais relevante. Para ele, o importante é o que se passa na economia internacional.

— Neste momento, o mundo vive a expectativa da expansão monetária adicional nos Estados Unidos, que vai acontecer em novembro.

O FED deu um recado claro de que a inflação (1,30%) está abaixo do que é o mandato (meta), ou seja, eles querem inflacionar a economia. Para isso, vão comprar títulos do Tesouro para aumentar o afrouxamento monetário. Em momentos assim, há busca por ativos de risco e o Brasil ainda é emergente, é ativo de risco — diz Lamy.

Ele acha que, enquanto o Brasil for bem visto como é agora, enquanto continuar a busca por ativos de risco, o país conseguirá financiar tranquilamente seu déficit em conta corrente, mas alerta que o desequilíbrio é crescente.

Para Lamy, o Brasil vive hoje a situação inversa da de 2002.

— Naquela época, o país tinha arrumado o lado fiscal, feito uma série de reformas, estava com a política monetária correta e câmbio flutuante, tinha tudo para ser bem avaliado, mas pelas incertezas políticas, a moeda ficou superdesvalorizada. Hoje, está muito bem avaliado, mas há uma série de sinais de que a situação fiscal está se deteriorando e a política monetária não é mais tão autônoma quanto já foi. Em economia, as coisas demoram a fazer efeito. Essas distorções podem acabar complicando a situação, quando o quadro internacional mudar.

O economista alerta que há uma enorme incerteza no mundo com o rescaldo da crise. Europa ainda não resolveu seu problema fiscal, a expansão monetária adicional dos Estados Unidos não levará à retomada da economia.

— O mundo está muito ruim, os parâmetros pioraram e, por isso, o Brasil tem sido considerado bom, relativamente aos outros, na área fiscal, mas não é bom para o Brasil a situação difícil do mundo — disse.

Por tudo isso, o economista não acredita que as compras de dólar do Fundo Soberano vão resolver o problema.

— Não vejo muito sentido nessas compras do Fundo Soberano, já que o Banco Central tem comprado naturalmente dólares. Se o Ministério da Fazenda quisesse ajudar, deveria cortar gastos e diminuir a absorção doméstica, permitindo a queda dos juros. Porque é uma contradição: o país está muito bem, mas tem uma taxa de juros de quase 11% — conclui.

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