terça-feira, setembro 07, 2010

MARIO MESQUITA

Meta de inflação exige atualização
MARIO MESQUITA
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/09/10



O novo governo deveria anunciar, em seu início, uma trajetória gradual de redução da meta

O REGIME brasileiro de metas para a inflação completou dez anos em 2009. Nesses 11 anos, a economia enfrentou diversos choques, como o estresse pré-eleitoral de 2002 e o pânico financeiro global de 2008, mas seguiu na rota da consolidação da estabilidade macroeconômica.
Embora seja vítima de críticas de interesses setoriais contrariados, o regime de metas para a inflação, com taxa de câmbio flutuante, tem forte amparo entre os formadores de opinião e -a julgar pela posição dos principais candidatos à Presidência, que o apóiam ou pelo menos não o criticam diretamente- também de vasta parcela do eleitorado.
Nesse sentido, pode-se dizer que o regime de metas encontra-se consolidado. Isso não significa que não possam ocorrer aprimoramentos. O principal seria sua atualização. A meta encontra-se em 4,5% desde 2005, em um intervalo de mais ou menos dois pontos percentuais. Esse índice difere consideravelmente do que a literatura acadêmica considera ser consistente com o conceito de estabilidade de preços, algo entre 2% e 3%. A meta brasileira supera também, em muito, a média (3,6% em 2009) das metas de 25 países que praticam esse regime.
Aliás, apenas dois países, que não se notabilizam como exemplos de estabilidade monetária, possuem índices centrais de meta superiores ao brasileiro: Turquia e Guatemala.
Na região, a comparação nos é desfavorável: a meta é de 3% no Chile, na Colômbia e no México, e de 2% no Peru. É verdade, contudo, que a nossa é inferior, por enquanto, à praticada no Paraguai, de 5%.
Note-se que caiu por terra nos últimos anos a tradicional justificativa que, comparando-se por exemplo com o Chile e com o México, o Brasil precisaria de uma meta para a inflação maior por não ter atingido ainda o grau de investimento.
Não só o índice central da meta é elevado, mas também o intervalo de tolerância de 4 pontos percentuais (2 pontos para cima ou 2 para baixo) adotado pelo Brasil fica entre os maiores -se não for o maior- entre os países que praticam o regime.
Os benefícios de reduções da meta de inflação e do intervalo de tolerância seriam vários. Em primeiro lugar, propiciaria maior proteção do poder de compra dos assalariados, além de reduzir os incentivos a práticas de indexação na economia -o que aumentaria a eficácia da política monetária.
Haveria, também, redução da incerteza inflacionária e dos prêmios de risco, o que aumentaria a previsibilidade da economia, favorecendo o investimento. A redução da meta deveria interessar também ao Tesouro Nacional: com a redução do prêmio de risco inflacionário, cairia o custo da dívida prefixada e a inflação menor reduziria diretamente o custo dos títulos indexados ao IPCA. Quanto aos títulos indexados à Selic, uma inflação menor e menos volátil implicaria menos esforço da política monetária e custos menores.
Evidentemente, seria complexo reduzir de uma só vez a meta de 4,5% para os 3%, que caracterizam a melhor prática nos países emergentes. Um processo gradualista seria mais indicado.
Por essas razões, o novo governo, qualquer que seja o resultado da eleição, daria uma grande contribuição para o funcionamento da economia se anunciasse, logo em seu início, uma trajetória gradual, mas consistente, de redução da meta para inflação, para algo como 4,25% em 2011, 4% em 2012, 3,5% em 2013 e 3% em 2014, com estreitamento também paulatino do intervalo de tolerância.
Se é verdade, como sugerem certas análises, que o ambiente mundial seguirá exercendo importante influência desinflacionaria sobre a economia brasileira, então faria sentido aproveitar essa influência favorável para reduzir a meta -ou, colocando de outra forma, a meta de 4,5% fica ainda mais fora de esquadro em um ambiente global desinflacionário.
Vale lembrar que a meta para a inflação é determinante importante das expectativas inflacionárias e, assim, das taxas de juros praticadas na economia. Isso significa que não pode haver a tão esperada convergência das taxas de juros brasileiras para padrões internacionais sem convergência também da taxa de inflação, e isso não se consegue com a meta congelada em 4,5%.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

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