sábado, agosto 21, 2010

WALTER CENEVIVA

57% e o direito da maioria
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/08/10

O povo não foi seduzido pelos milhões de dólares que o futebol movimentará na Copa do Mundo de 2014


NEM POR SEREM praticadas profissionalmente certas modalidades do desporto são excluídas da proteção constitucional. Ocorre, porém, que o artigo 217 da Constituição refere o tratamento diferente do esporte amador e do profissional, para dar preferência ao primeiro.
Nesse sentido, a pesquisa da Folha desta semana mostra que o povo se afina com a Carta, pois não foi seduzido pelos milhões de dólares que o futebol movimentará na Copa do Mundo de 2014.
A população reconhece que a maioria dos profissionais do esporte é composta por atores secundários, integrados ao palco dos milionários e dos figurões das entidades.
O leitor, sabendo dos dólares ou euros reclamados pelo pessoal do futebol, está informado das distorções em grandes eventos, com benefício para intermediários e não para o povo.
O futebol movimenta milhões de pessoas que o praticam, dos clubes mais elegantes às áreas mais pobres. Onde há um espaço livre, por pequeno que seja, sempre haverá quem queira "bater uma bolinha".
Há, porém, outro fato concreto: a popularidade do futebol e a próxima Copa do Mundo não foram suficientes para perturbar a opção da maioria, compatível com o pluralismo político e sobretudo a preservação da sociedade solidária, na busca de mais benefícios coletivos e de menos privilégios.
Grandes investimentos em estádios, instalações esportivas e obras muito custosas, só porque o Brasil sediará o certame mundial de 2014, não correspondem ao interesse geral. Dois exemplos ilustram essa verdade.
A África do Sul viveu o problema dos estádios construídos para a Copa deste ano, mas com posição mais equilibrada do que a nossa, pois lá o rúgbi é o esporte favorito do povo e, assim, os estádios serão adequados para essa modalidade.
A França, cuja Copa do final do século 20 foi jogada em um único estádio de grande porte, em Paris, não quis saber dos projetos faraônicos em outros centros.
Não é racional nem razoável que, num país no qual parte substancial da população vive em condições de subemprego e de sobrevivência difícil, a administração pública desconsidere a preferência pelo bem geral para gastar em projetos de estádios monumentais que, depois, serão subutilizados durante anos.
Nisso, aliás, os presidentes do Corinthians e do São Paulo mostraram juízo quando se recusaram a assumir grandes aventuras financeiras para novas obras. O corintiano disse que o comparecimento a seus jogos não é compatível com praça de esportes de grandes proporções que exceda demasiadamente o padrão médio de público.
O excesso multiplicará os encargos de manutenção e de uso, prejudicando sua situação financeira.
Os empresários que vivem do futebol querem aproveitar a chance para ampliar ganhos, o que é legítimo. Não é, porém, possível de ser feito à custa de toda a comunidade, nestes tempos em que agremiações tradicionais são compradas por milionários e passam a ser empresas de diversões, com seus artistas em atividades que parecem esportivas, mas estão deixando de ser.
Os 57% da população consultada pela Folha definiram seu direito majoritário: levantar grandes estádios não é política pública proporcional aos benefícios permanentes a serem colhidos ao longo dos anos.

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